Hipoxemia: o que é, diagnóstico, tratamento e mais!

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A oxigenação adequada dos tecidos é essencial para a sobrevivência celular. Quando o oxigênio disponível no sangue arterial é insuficiente para garantir essa entrega, ocorre a hipoxemia, uma condição frequente em diversos cenários clínicos, especialmente nas doenças pulmonares e estados críticos.

Neste artigo, você vai entender o que é a hipoxemia, como ela se diferencia da hipóxia, os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, formas de diagnóstico e tratamento, além de comparações importantes com a insuficiência respiratória hipercápnica — um tema que, aliás, costuma aparecer com frequência nas provas de residência médica.

O que é hipoxemia?

A hipoxemia é definida como a redução anormal da pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO₂) ou da saturação periférica de oxigênio (SpO₂). Em adultos, considera-se hipoxemia quando:

  • PaO₂ < 60 mmHg e/ou
  • SpO₂ < 90%

É importante lembrar: a hipoxemia não é uma doença em si, mas um achado laboratorial, que sinaliza um problema na oxigenação do sangue.

Hipoxemia x Hipóxia: qual a diferença?

Apesar de frequentemente usadas como sinônimos, hipoxemia e hipóxia não são a mesma coisa.

  • Hipoxemia é a baixa oxigenação do sangue arterial.
  • Hipóxia é a redução do oxigênio disponível nos tecidos.

Toda hipoxemia pode levar à hipóxia, mas nem toda hipóxia decorre de hipoxemia. Por exemplo, em casos de choque circulatório, intoxicação por cianeto ou anemia severa, os tecidos podem não receber ou não conseguir utilizar adequadamente o oxigênio mesmo com níveis normais de PaO₂.

Fisiopatologia: por que a hipoxemia acontece?

Existem alguns mecanismos principais que levam à hipoxemia:

  1. Hipoventilação alveolar: quando há redução do volume de ar que chega aos alvéolos (como intoxicação por opioides, DPOC grave ou lesão neuromuscular).
  2. Distúrbio ventilação/perfusão (V/Q): Quando existe um desbalanço entre a oferta de sangue e de oxigênio nos alvéolos. É o mecanismo mais comum de hipoxemia. Podemos ter o efeito shunt ou o efeito espaço morto.
  • Efeito shunt (intrapulmonar): Sangue passa por alvéolos preenchidos ou colabados e não ventilados no pulmão e não se oxigena (SDRA, Pneumonia, Atelectasia extensa, Edema pulmonar cardiogênico)
  • Efeito espaço-morto: Os alvéolos agora são ventilados mas não são perfundidos (queda do débito cardíaco, TEP, aumento das pressões pulmonares como na ICFEP).
  1. Shunt extra-pulmonar: Existe uma comunicação que mistura sangue desoxigenado com sangue oxigenado sem passar pelo pulmão, pode acontecer no coração (shunt direita – esquerda (CIA, CIV) ou em áreas de grande fluxo sanguíneo (como fístulas arteriovenosas grandes)
  2. Difusão prejudicada: quando a membrana alveolocapilar está espessada, dificultando a troca gasosa (como na fibrose pulmonar ou processo inflamatório intersticial).
  3. Baixa relação PiO2/FiO2 por redução da pressão inspirada de oxigênio (PiO₂): ocorre em grandes altitudes (ar rarefeito).
ETIOLOGIAS DA INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIAAGUDA TIPO I OU HIPOXÊMICA
Infecções (bactéria, vírus e fungos)
Edema agudo de pulmão cardiogênico
Lesão pulmonar/SDRA
Embolia pulmonar
Atelectasia
Fibrose pulmonar/intersticiopatias
Hemoptise
Neoplasias
Traumáticas: contusão pulmonar

Diagnóstico: como identificar a hipoxemia?

A principal ferramenta de rastreio é a oximetria de pulso (SpO₂) — método não invasivo, de fácil acesso e amplamente utilizado tanto em adultos quanto em crianças.

Contudo, em situações de dúvida diagnóstica ou em pacientes com risco de dis-hemoglobinemias (como intoxicação por monóxido de carbono), é necessária a gasometria arterial, que fornece uma avaliação direta da PaO₂.

Em contextos de hipoxemia crônica ou noturna, como na apneia obstrutiva do sono ou na DPOC avançada, o monitoramento contínuo pode revelar quedas intermitentes de saturação que não seriam detectadas em avaliações pontuais.

Classificação da hipoxemia

A gravidade da hipoxemia pode ser classificada com base nos níveis de PaO₂:

  • Leve: 60–80 mmHg
  • Moderada: 40–59 mmHg
  • Grave: <40 mmHg

Além disso, pode ser:

  • Aguda: de início súbito, frequentemente associada à insuficiência respiratória.
  • Crônica: persistente por mais de duas semanas, comum em doenças pulmonares avançadas. Pacientes tendem a ser mais tolerantes a hipoxemia e conviver bem com spO2 entre 88-92% (existe inclusive risco de rebaixamento do sensório em contexto de hiperóxia)

Manejo da hipoxemia

Inicialmente precisamos definir a causa, isso pode ser feito através de exames laboratoriais (incluindo uma gasometria preferencialmente arterial), monitoramento clínico-hemodinâmico, uso de exames de imagem (radiografia simples de tórax, ultrassom à beira-leito e, mais especificamente, tomografia de tórax com ou sem contraste), entre outros exames mais específicos a depender da suspeita clínica.

O tratamento depende da causa subjacente e da gravidade da hipoxemia. O objetivo é restaurar uma oxigenação adequada, prevenir lesão tecidual e tratar a condição de base.

As estratégias incluem:

  • Oxigenoterapia suplementar: por cateter nasal, máscara de Venturi, cateter nasal de alto fluxo, máscara com reservatório ou ventilação mecânica, conforme o grau de comprometimento. 
    • ATENÇÃO! A hipoxemia por shunt verdadeiro, não responde mesmo com a oferta de oxigênio (ex: o sangue que passa em uma comunicação interatrial vai continuar não tendo contato com o oxigênio ofertado, porque o problema não é a falta de oxigênio mas a ausência de contato do sangue desoxigenado com o O2 ofertado).
  • Correção da causa primária: por exemplo, antibióticos para pneumonia, anticoagulação para TEP, broncodilatadores para DPOC, diuréticos para hipervolemia, imunobiológicos para doenças fibrosantes, entre outros.
  • Suporte ventilatório: para pacientes que necessitam de maiores ofertas de oxigênio com auxílio de pressão positiva, através de ventilação não invasiva (VNI) ou ventilação mecânica invasiva em casos graves.

Hipoxemia silenciosa: um alerta clínico

Durante a pandemia de COVID-19, popularizou-se o termo “hipoxemia feliz” ou “hipoxemia silenciosa”, que descreve pacientes com saturações muito baixas, mas sem sinais clássicos de desconforto respiratório. A explicação ainda não é totalmente clara, mas envolve alterações na percepção de dispneia mediadas pelo sistema nervoso central.

Essa dissociação reforça a importância de monitorização objetiva da oxigenação em cenários de risco.

Hipoxemia e insuficiência respiratória hipercápnica

A hipoxemia pode ocorrer isoladamente ou associada à hipercapnia. Quando o problema envolve também a retenção de CO₂, temos a insuficiência respiratória hipercápnica (PaCO₂ > 45 mmHg).

Tipo de InsuficiênciaCaracterística principalExemplos
Hipoxêmica
(Tipo I)
PaO₂ < 60 mmHgSDRA, pneumonia grave, TEP
Hipercápnica (Tipo II)PaCO₂ > 45 mmHgDPOC grave, intoxicação por opioides, doenças neuromusculares

Nem toda hipoxemia vem acompanhada de hipercapnia, mas ambas podem coexistir, especialmente em quadros avançados de hipoventilação alveolar como DPOC ou na falência respiratória global (doenças neuromusculares).

Tipo II (Hipercápnica)
Depressão do SNC (overdose de drogas, lesões estruturais ou isquêmicas no centro respiratório)
Neuropatia (S. Guillain Barré, ELA, paralisia do n. frênico, poliomielite)
S. Pickwick (hipoventilação da obesidade)
Doença muscular (distrofia muscular, miastenia gravis)
Fadiga muscular 
Hipoventilação ou limitação à expiração
(asma e DPOC)
Redução da expansibilidade torácica (esclerodermia)

Hipoxemia nas provas de residência

Sim! 

O tema cai com frequência nas provas de residência, principalmente em questões relacionadas a distúrbios do equilíbrio ácido-base, insuficiência respiratória, SDRA e condutas em UTI.

O conhecimento sobre os mecanismos fisiopatológicos, interpretação de gasometria arterial, uso racional de oxigenoterapia e classificação da insuficiência respiratória são frequentemente abordados nas bancas mais tradicionais.

Conclusão

A hipoxemia é um achado clínico comum, multifatorial e potencialmente grave. Identificá-la precocemente, compreender seus mecanismos e saber manejá-la de forma adequada são habilidades fundamentais para todo médico, especialmente aqueles que atuam em emergência, clínica médica e terapia intensiva.

Ao dominar esse tema, você não apenas melhora a sua prática clínica, mas também aumenta sua segurança na abordagem de pacientes graves e ganha vantagem competitiva nas provas de residência médica.

Ana Karoline Bittencourt Alves

Ana Karoline Bittencourt Alves

Professora da Medway. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com Residência em Clínica Médica (2019-2021) e Medicina Intensiva (2022-2025) pela Universidade de São Paulo (USP - SP). Siga no Instagram: @anakabittencourt