O Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) é um dos escores mais utilizados na medicina intensiva para descrever o grau de disfunção orgânica e estimar prognóstico em pacientes críticos.
Desde sua criação, em 1996, ele se tornou pilar para definição de sepse, avaliação de gravidade e comparabilidade de estudos clínicos.
Mas, após quase três décadas inalterado, o SOFA finalmente foi revisado — e a versão SOFA-2, publicada em 2025, traz mudanças relevantes que atualizam o escore à prática contemporânea das UTIs.
Neste artigo, você vai entender por que essa atualização era necessária, quais mudanças foram feitas e como o SOFA-2 pode impactar a avaliação de pacientes graves.
Entre 1996 e 2025, a terapia intensiva mudou radicalmente. O avanço tecnológico, o uso disseminado de novos dispositivos e a evolução das estratégias de suporte orgânico tornaram o SOFA-1 desatualizado em vários aspectos.
O escore original falhava em capturar intervenções contemporâneas — como ventilação não invasiva (VNI), oxigênio de alto fluxo (CNAF), uso de ECMO e suporte mecânico cardiovascular — que hoje fazem parte do manejo cotidiano de pacientes críticos.
Além disso, havia ambiguidade na interpretação de alguns critérios, o que gerava inconsistências na pontuação entre instituições e estudos. Outro ponto central era a necessidade de tornar o escore mais generalizável — válido não apenas em UTIs de países de alta renda, mas também aplicável em realidades diversas, como as de países de baixa e média renda.
Em resumo, o SOFA-2 nasce da necessidade de trazer o escore para o século XXI, mantendo sua simplicidade e reprodutibilidade, mas alinhando-o às práticas clínicas atuais.
A atualização do SOFA foi conduzida por um consórcio internacional de especialistas em terapia intensiva (utilizando um processo Delphi modificado – mDelphi) e análise de dados de mais de 3,34 milhões de internações em 1319 UTIs de 9 países – incluindo o Brasil, entre 2014 e 2023.
O processo acontecia em 8 estágios, combinando a opinião de 60 especialistas internacionais, 2 rodadas iniciais mais 1 revisão final.
O estudo manteve os seis sistemas orgânicos originais — neurológico, respiratório, cardiovascular, hepático, renal e hematológico —, totalizando uma pontuação de 0 a 24.
Foram testadas hipóteses de incluir sistemas adicionais, como o imune e o gastrointestinal, mas eles foram excluídos da versão final por não apresentarem validade preditiva da prática clínica ou de mortalidade
O objetivo central foi equilibrar simplicidade, aplicabilidade global e validade clínica, produzindo um escore atualizado, mas ainda familiar aos intensivistas.

A Escala de Coma de Glasgow (GCS) continua sendo o parâmetro principal, mas o SOFA-2 reconhece novas nuances do manejo neurológico no paciente crítico:
Essas mudanças refletem a preocupação crescente com o reconhecimento de disfunções cognitivas sutis e os desafios de avaliação sob sedação.
O sistema respiratório foi um dos mais modificados no SOFA-2.
Essas mudanças alinham o SOFA-2 ao manejo respiratório moderno, que já não se limita à ventilação invasiva como marcador de gravidade.
O componente cardiovascular foi amplamente revisado para refletir o uso atual de vasopressores e dispositivos de suporte:
Com isso, o SOFA-2 captura de forma mais realista a complexidade do suporte hemodinâmico na UTI.
O componente renal também foi ajustado para acompanhar as práticas modernas de terapia substitutiva:
Essa mudança evita subestimação da disfunção renal em pacientes que já têm indicação clara para diálise.
Os limiares de bilirrubina foram ajustados para melhor correlação com a mortalidade contemporânea:
Embora a estrutura seja a mesma, esses ajustes tornam o componente hepático mais calibrado à realidade atual dos pacientes críticos.
O critério baseado na contagem plaquetária foi mantido, mas os limiares foram atualizados:
A revisão melhora a capacidade de estratificar o risco em pacientes com trombocitopenia moderada, mais comum nas UTIs modernas.
As mudanças do SOFA-2 não são meramente cosméticas. Elas produzem uma reclassificação significativa de pacientes: quase metade das internações avaliadas apresentou diferença entre o escore SOFA-1 e o SOFA-2.
Essa redistribuição levou a uma melhor descrição dos casos intermediários de disfunção orgânica e a uma correlação mais fiel com a mortalidade observada.
A AUC-ROC do SOFA-2 foi 0,79 (IC 95% 0,76–0,81), mantendo ou superando ligeiramente o desempenho preditivo do SOFA-1 (0,77).
Mais importante: o SOFA-2 reflete a prática contemporânea e aumenta a comparabilidade internacional, o que é crucial para pesquisa multicêntrica e vigilância epidemiológica da sepse.
O SOFA-2 é mais do que uma simples atualização numérica — é uma revisão conceitual da forma como avaliamos falência orgânica.
Ao incorporar tecnologias como ECMO, VNI e TRS, o escore reconhece que o suporte orgânico de hoje é muito mais sofisticado do que o de 1996.
Ao mesmo tempo, preserva a essência que fez do SOFA um dos escores mais úteis e difundidos da medicina intensiva: simplicidade, aplicabilidade e validade prognóstica.
Na prática, isso significa que o SOFA-2 deve se tornar o novo padrão para estratificação de gravidade, avaliação de disfunção orgânica e, possivelmente, para redefinições futuras de sepse e choque séptico.
Após quase 30 anos, o SOFA finalmente foi atualizado. O SOFA-2 moderniza o escore, incorpora intervenções contemporâneas, corrige ambiguidades e amplia sua aplicabilidade global — sem perder a robustez que o tornou referência mundial.
Mais do que um novo número na ficha do paciente, ele reflete o amadurecimento da medicina intensiva: uma prática que não se contenta em manter modelos estáticos, mas busca constantemente traduzir a complexidade do cuidado crítico em instrumentos precisos e clinicamente relevantes.
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Referência principal
Singer M, et al. The Sequential Organ Failure Assessment version 2 (SOFA-2): development and validation of an updated organ dysfunction score for critical illness. JAMA, 2025.
Professora da Medway. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com Residência em Clínica Médica (2019-2021) e Medicina Intensiva (2022-2025) pela Universidade de São Paulo (USP - SP). Siga no Instagram: @anakabittencourt