Cuidados paliativos na mídia: o que realmente sabemos sobre isso?

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Fala, pessoal! Já perceberam que cada vez mais ouvimos falar em cuidados de fim de vida? Nos últimos meses, o termo cuidados paliativos (CP) ganhou destaque na mídia com o adoecimento e também com o falecimento de grandes personalidades brasileiras. 

Na área da saúde, este assunto também tem sido cada vez mais presente. Afinal, existe “paciente paliativo”? Cuidado paliativo é “quando não tem mais o que fazer?” A suspensão da quimioterapia, significa o início de cuidados paliativos? 

Vamos responder a essas perguntas e claro, embasar o conhecimento sobre esse assunto tão em voga! Mas antes disso, se você quer saber mais sobre cuidados paliativos, baixe gratuitamente nosso e-book Manual de Controle de Sintomas em Pacientes em Cuidados Paliativos! Nele, você encontra conceitos super importantes como definição e mecanismos de dor, analgésicos opioides e controle de sintomas neurológicos. Faça o download AQUI.

O que é, afinal, cuidados paliativos? Quais os objetivos desta abordagem e a quem beneficia? 

Primeiramente, vamos revisar o conceito mais atual da Organização Mundial de Saúde (2018):  cuidados paliativos buscam qualidade de vida para pacientes e seus familiares, que enfrentam comorbidades que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio de sofrimento, com a identificação precoce, avaliação e o tratamento de sintomas físicos, psicossociais e espirituais. 

É importante evidenciar que incluímos neste conceito todas as pessoas com doenças potencialmente fatais, sejam elas agudas ou crônicas, incuráveis ou não. 

Com isso, entendemos que uma abordagem paliativa deve ser iniciada no diagnóstico de doenças graves que ameaçam a vida, em conjunto com terapias modificadoras do curso das doenças. Calma! Logo em frente vamos visualizar isso em forma de gráfico e ficará ainda mais tranquilo para compreender. 

Quando compreendemos o conceito e os objetivos, ampliamos nossa visão e conseguimos enxergar a importância deste cuidado para todos os que possuem doenças crônicas progressivas e graves como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Doença Renal Crônica, Insuficiência cardíaca em estágios avançados, demência e o câncer. 

É importante frisar que os pacientes oncológicos, mesmo os que apresentam perspectiva de cura, têm indicação de incluir cuidados paliativos no plano de tratamento ao diagnóstico. Entendeu a deixa? Não é do dia para a noite que alguém “entra em cuidados paliativos”. Conceitualmente, isso é equivocado. 

Iniciar cuidados paliativos não significa deixar de tratar a doença de base. 

Lembra que falamos de simplificar em gráfico? Então vamos analisar o gráfico abaixo:

Cuidados paliativos e cuidados curativos. Fonte: apostila Medway

Note que, no contexto do diagnóstico de uma doença que ameaça a vida, os tratamentos modificadores e a abordagem em cuidados paliativos devem ser iniciados em conjunto, em diferentes proporções. 

Com a evolução da história natural da doença e a depender das respostas obtidas, a magnitude da abordagem paliativa se intensifica consoante ao objetivo do cuidado. Com a terminalidade, o foco em alívio de sintomas e promoção de qualidade de vida se sobrepõe às intervenções direcionadas à doença. 

No gráfico, observamos a crescente priorização de cuidados paliativos com o avançar da doença, estando presentes também para os familiares durante o luto.

E quando podemos chamar de “terminalidade”? Qual a diferença entre terminalidade e fase final de vida?

A terminalidade se refere justamente ao período de doença em que tratamentos específicos não são mais capazes de modificar a história natural da doença. A duração depende do diagnóstico, sendo variável (meses a anos). 

O período final da terminalidade é conhecido como fase final de vida, também variável (dias a semanas), e culmina no processo ativo de morte (geralmente horas a dias). A fase final de vida é caracterizada por acelerado catabolismo, em que disfunções orgânicas irreversíveis estão associadas a um grande declínio funcional. 

A partir deste momento, é comum observarmos sinais indicativos de deterioração clínica, como: 

  • emagrecimento progressivo (perda de peso maior que 10% do peso dos últimos 6 meses, associada ou não à queda de albumina sérica);
  • Internações recorrentes associadas a intercorrências clínicas das doenças de base
  • aparecimento de lesões por pressão;
  • aparecimento de sinais e sintomas associados à insuficiência de outros órgãos. 

Sinais e sintomas na fase final de vida e processo ativo de morte

É importante estarmos alinhados a qual fase da vida o paciente se encontra segundo a evolução esperada da doença que possui. Existem alterações fisiológicas que caracterizam a fase final de vida e o processo ativo de morte. 

Mas sintomas desagradáveis podem surgir e é necessário atenção para adequação do tratamento ofertado. Algumas manifestações clínicas são marcantes desse momento e podem gerar angústia aos familiares e pacientes, como, por exemplo: 

  • hiporexia e diminuição da ingesta por via oral, associada ou não a disfagia;
  • alterações neurológicas com diminuição da atividade social, podendo manifestar-se com apatia, sonolência ou confusão mental e agitação;
  • alterações respiratórias com aumento de secreção de via aérea e mudança no padrão ventilatório;
  • alterações circulatórias associadas à hipotensão e diminuição da perfusão, por exemplo;
  • perda da habilidade de fechar os olhos e do controle esfincteriano, podendo ocorrer redução no volume urinário, constipação e incontinências. 

Faz parte do plano terapêutico, e é essencial preparar o paciente e a família para estas alterações. 

Orientar sobre o que pode ou não acontecer, e reforçar os objetivos de cuidado são estratégias importantes. É preciso estar à disposição da família e relembrar os desejos e valores do paciente para este momento, explicando os porquês de cada ação realizada ou não realizada. Depois, vale uma leitura sobre Diretivas Antecipadas de Vontade, não é? 

O fato é que essas atitudes reforçam o vínculo e a confiança na equipe de saúde, algo fundamental nesse contexto. O planejamento de cuidados baseado na tomada de decisão compartilhada ao longo do curso da doença auxilia neste processo e contribui para um fim de vida que faça sentido para aquela pessoa. 

Um outro material importante que pode ser um guia nesse tipo de tratamento é o e-book Tabela de equivalência analgésica de opioides. Temas como a Regra do 1, 2, 3 são abordados e uma análise detalhada da equivalência do fentanil com outras drogas é feita para levar a uma compreensão mais profunda do assunto. Baixe o e-book AQUI.

Abordagem e ações gerais pela equipe de saúde: desconstruindo “não ter mais o que fazer”. 

De forma geral, a presença ativa e a abordagem da equipe médica e multiprofissional deve ser baseada em ações que promovam alívio de sintomas e cuidado integral. Alguns exemplos são:

  • revisão da prescrição e reconciliação medicamentosa com manutenção apenas de medicações, hidratação e dieta considerando o que é essencial para a fase de vida atual;
  • controle, revisão sistemática e manejo de sintomas como dor, dispneia, vômitos, delirium, broncorreia, sofrimento psíquico, entre outros;
  • revisão das vias de administração, como, por exemplo, necessidade de rotação das medicações para via subcutânea (hipodermóclise);
  • consideração de sedação paliativa se tiver presença de sintomas refratários e/ou intoleráveis;
  • reforço nas medidas de higiene e no cuidar, como cuidado de pele e mucosas, mudança de decúbito e a não suspensão de fisioterapia;
  • auxílio multiprofissional para questões burocráticas como funeral, organização de despedidas, entre outros. 

Modelos de assistência no fim de vida: entendendo conceitos

Considerando a complexidade e intensidade que é para o paciente e família vivenciar o processo de adoecimento, entendemos a importância da construção de modelos adequados de assistência no final da vida. 

Para as formas de  acompanhamento e suporte que antecedem o falecimento, existem diferentes nomes a depender de como ocorrem e de como nós interferimos neste processo. Você provavelmente já ouviu falar sobre os clássicos termos ortotanásia, distanásia, eutanásia e mistanásia, certo?! 

Se não recorda bem o que cada um significa, não tem problema, pois já vamos revisá-los. Antes, vamos nos aprofundar em um conceito menos discutido, mas não menos importante, a kalotanásia. 

Kalotanásia

Kalotanásia é uma palavra de origem grega que pode ser traduzida como morte bela, ou boa morte (kalo = boa, bela; thanatos = morte). Ela propõe a busca de sentido e transcendência na terminalidade. 

Muitas vezes existe uma percepção dicotômica do processo de morrer diante de uma doença grave a avançada: por um lado, a morte é vivenciada como algo a ser constantemente combatido, sendo entendida como uma jornada de luta constante. 

Em contrapartida, existe a percepção de vida insustentável, com recusa a continuar vivendo. A kalotanásia é a síntese de um “caminho do meio” nos cuidados de fim de vida. 

A kalotanásia enfatiza a participação ativa do paciente e familiares na busca de um sentido transformador da doença, promovendo dignidade durante este processo. Pretende acolher, amparar e promover a aceitação do momento por meio do cuidado empático ao paciente e à família. 

Está intimamente relacionada à cultura do indivíduo, buscando por um final de vida que corresponda aos valores de cada um. É fundamentada na ritualização, incentivando despedidas, organização de questões práticas como distribuição de bens, dentre outros desejos importantes para garantir uma boa morte na concepção do paciente. 

Representa um modo “belo” de se morrer, pleno de sentido, inserido em um cenário médico de alta tecnologia e capaz de promover terapêuticas proporcionais, ou seja, limitando medidas obstinadas. 

Agora vamos rever outros termos mais presentes em nosso dia a dia?

Ortotanásia

Quando falamos em temporalidade no fim de vida, temos a ortotanásia como a “morte na hora certa”, permitindo a evolução natural de uma doença irreversível e promovendo o conforto nesse momento. A ortotanásia é respaldada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2006. 

Segundo a resolução 1.805: “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. 

Distanásia

E o que seria o oposto da ortotanásia? Pensou certo se respondeu: distanásia. Este termo é usado para descrever um processo de morte que foi prolongado artificialmente de forma desproporcional, diante de um contexto irreversível. 

Eutanásia

Já a eutanásia é utilizar-se de meios para provocar a morte do paciente com doença incurável e irreversível, antes do previsto pela evolução natural, com objetivo de aliviar o sofrimento. O Código Penal Brasileiro tipifica a eutanásia como homicídio, ok? Não é uma prática legitimada no Brasil. 

Mistanásia

Para finalizar, a mistanásia ocorre quando a morte ocorre antes do seu momento natural, mas não por interferência e sim por falta desta. É chamada também de “eutanásia social”. Pode ocorrer em casos de omissão de socorro, negligência, imprudência ou imperícia.

Entendidos estes conceitos, fica a pergunta: quem está apto a praticar cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos devem ser oferecidos por profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, dentistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, entre outros profissionais de saúde) que tenham treinamento básico. 

O que isso quer dizer? Cada área deve receber durante a graduação e especialização uma formação adequada para atuar diante de um paciente e família com doença grave e ameaçadora à vida. Casos complexos devem ser conduzidos ou supervisionados por equipe especializada em medicina paliativa.

Após essa leitura, é importante ter em mente que praticar cuidados paliativos é cuidar de forma integral do paciente e família, otimizando recursos diagnósticos e terapêuticos, de forma proporcional à fase da doença. Além disso, evitar medidas que potencialmente tragam sofrimento e buscar pelo ótimo controle de sintomas e desconfortos com base em evidência científica, em todos os níveis de atenção à saúde.

Referências

Carvalho RT, et al. Manual da residência de cuidados paliativos: abordagem multidisciplinar. 2ª ed. Santana de Parnaíba [SP]: Manole, 2022. 

Castilho RK, et al. Manual de Cuidados Paliativos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2021.

D’Alessandro MPS, et al. Manual de Cuidados Paliativos.  São Paulo: Hospital Sírio Libanês; Ministério da Saúde, 2020.

Floriane CA. Considerações bioéticas sobre os modelos de assistência no fim da vida. Cadernos de Saúde Pública, v. 37, n. 9, 2021.

Floriane CA. Moderno movimento hospice: kalotanásia e o revivalismo estético da boa morte. Revista Bioética, v. 21, n. 3, p. 397-404, 2013.

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