Diálise peritoneal: como o tratamento funciona?

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Você já agradeceu por poder fazer xixi hoje? Muitas vezes, não damos valor a coisas simples, como o fato de urinar. Você já pensou o que aconteceria se isso não fosse possível? Felizmente, essa não é uma condição incompatível com a vida, graças às terapias de substituição renal, como a diálise peritoneal.

Porém, ainda assim, é uma situação não desejada e que afeta a qualidade de vida. Isso porque, ao pensar em diálise, logo vem à mente a hemodiálise, em que uma máquina fica retirando, filtrando e devolvendo sangue por horas, ao menos três vezes na semana, fadando a pessoa a ficar dependente de uma clínica.

Porém, você sabia que essa não é a única opção? Existe outra possibilidade, não muito lembrada e menos utilizada para a terapia de substituição renal, que ameniza um pouco as inconveniências de ter perdido a função renal: a diálise peritoneal. Saiba mais a seguir!

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Por que ela é pouco utilizada?

Apesar de ser usada tanto na lesão renal aguda quanto na doença renal crônica, nas situações agudas, ainda é mais restrita e realizada em poucos serviços. Isso porque, em casos urgentes, a hemodiálise oferece maior eficácia dialítica em menos tempo. Além disso, o acesso é mais fácil, ocorrendo em uma veia central, em vez de um cateter na barriga.

Na maioria das vezes, essa terapia é realizada naqueles pacientes com doença renal crônica avançada, chamada estádio V, que possuem uma taxa de filtração glomerular menor que 15 mL/min/1,73 m². 

Por isso, à medida que os pacientes vão progressivamente perdendo a função renal, já é preciso ir preparando-os para terapia de substituição. Vale informar e orientar sobre todas as possibilidades e decidir em conjunto qual será a melhor abordagem para cada caso.

Como a diálise peritoneal funciona?

Na hemodiálise, é usada uma máquina que retira e gera um fluxo de sangue do paciente por capilares com poros banhados em uma solução que, gradativamente, retira os solutos do sangue. Após esse processo, o sangue é devolvido ao paciente. 

Portanto, esse método requer um bom acesso venoso, maior rapidez na extração de líquido e solutos (o que pode refletir em maior instabilidade durante a sessão) e uso de heparina para evitar que o sangue coagule no sistema.

Já na diálise peritoneal, o processo é feito utilizando uma membrana natural, que já se encontra no corpo: o peritônio. Ele é a fina membrana serosa que envolve os órgãos abdominais (peritônio visceral) externamente e a parede abdominal (peritônio parietal) internamente. É variavelmente permeável a diferentes substâncias.

Aqui, o processo não envolve diretamente o sangue, portanto não requer uso de anticoagulantes. Em vez de um acesso venoso, é preciso inserir um cateter na cavidade peritoneal da pessoa. Esse processo pode ser feito por um cirurgião ou pelo próprio nefrologista, a depender do serviço.

Realização do procedimento

O nome do cateter é Tenckhoff. Ele possui três porções após a inserção: 

  • primeira: fenestrada para melhor troca de líquidos e alojada na cavidade peritoneal; 
  • segunda: “tunelizada”, corresponde a um trajeto do cateter que percorre um trecho no subcutâneo do paciente, antes de emergir a pele. Isso é feito propositalmente para criar um percurso mais longo, que servirá de defesa contra possíveis infecções (a complicação mais comum da diálise peritoneal); 
  • terceira: aquela que sai da pele e fica no exterior.

Com o cateter de Tenckhoff locado, o processo de diálise ocorre na própria cavidade. Nela, é infundida uma solução (o dialisato) que permanecerá no espaço peritoneal por certo tempo. A composição desse dialisato é muito semelhante ao do que é utilizado na hemodiálise, contendo vários solutos, como sódio, cloro, cálcio, magnésio e glicose.

Uma diferença entre as composições das soluções é que, no líquido da diálise peritoneal, há lactato em vez do bicarbonato, o qual é encontrado na solução de hemodiálise. Isso acontece dessa forma, pois, se o bicarbonato estivesse em uma mesma solução que o cálcio, ocorreria uma precipitação. Nesse caso, o próprio lactato, que pode ser convertido em bicarbonato pelo fígado, serve como tampão.

Graças a mecanismos físicos de difusão e convecção, começa a acontecer uma passagem de solutos e líquidos de um meio para o outro. Ou seja, do sangue para a solução intra-abdominal, a depender da permeabilidade e da diferença de concentração entre ambos os compartimentos.

Assim, eletrólitos, como o potássio, e as escórias nitrogenadas, como a ureia e a creatinina, aos poucos, migram da corrente sanguínea dos capilares, que perfundem o peritônio, para a solução, na qual, inicialmente, essas substâncias não existem. 

Outros detalhes importantes

Uma característica do peritônio que é vantagem e, ao mesmo tempo, desvantagem é o fato de que essa modalidade pode retirar moléculas maiores (de médio tamanho), as quais não são tão bem dialisadas pela hemodiálise. 

O ponto negativo disso é que se perde mais proteínas pelo método peritoneal, o que deve ser levado em conta na hora de orientar a dieta no paciente renal terminal em terapia dialítica.

Como a retirada de líquido é feita pela diálise peritoneal?

Uma das funções dos rins é retirar da circulação não só os solutos, mas também o próprio solvente deles, a água. A retirada de líquidos é muito importante para evitar que os pacientes fiquem hipervolêmicos e tenham complicações, como edema agudo de pulmão e edema generalizado, principalmente aqueles que não possuem diurese residual.

Na hemodiálise, essa retirada de água é feita por um processo chamado ultrafiltração. Ele acontece aumentando a pressão da corrente de sangue que passa pelos capilares, o que “empurra” mais líquido para fora. 

No caso da diálise peritoneal, não é possível aumentar a pressão da corrente de sangue que passa nos próprios capilares peritoneais do paciente. Desse modo, lança-se mão de um novo processo: a ultrafiltração osmótica. Nela, utiliza-se a osmolaridade para atrair mais líquido para a solução, retirando-o da circulação sistêmica.

Geralmente, a glicose é utilizada para garantir essa hiperosmolaridade da solução. Ela pode ser encontrada em três diferentes concentrações entre as opções de dialisato: de 1,5%, 2,5% e 4,25%. Quanto maior for a concentração de glicose, maior será a força osmótica da solução e, consequentemente, maior será a retirada de líquidos.

Um inconveniente é que a glicose não é um agente osmótico perfeito. Ela é absorvida sistematicamente em parte, principalmente com longos períodos de permanência do líquido na cavidade. 

Isso gera consequências indesejáveis, como hiperglicemia, ganho de peso e hipertrigliceridemia. Há outras opções de agentes, como a icodextrina, que não é absorvida sistematicamente, porém é menos utilizada.

Quais são as vantagens e as desvantagens?

A palavra que resume as vantagens é liberdade. Sempre lembre dessa possibilidade devido à enorme liberdade e independência que esse modo traz ao paciente. Com ele, o paciente não fica “preso” a uma clínica de diálise, já que ele fará o procedimento por conta própria, em casa.

Por ser um método contínuo e diário, há liberdade de dieta e menos restrições de líquido, em que os pacientes sentem menos sede e ainda preservam mais a função renal residual.

Outra importantíssima vantagem é que o paciente pode viajar e levar consigo o material. Em casos de viagem aérea, é possível solicitar um laudo de saúde à clínica, que pode ser apresentado antecipadamente à companhia aérea, evitando cobranças pelo excesso de peso do material transportado para a diálise peritoneal.

Já a palavra que resume as desvantagens é responsabilidade. O próprio paciente deve ser responsável com o tratamento, fazendo a própria diálise e contando com o material em casa. Porém, nem sempre a pessoa está disposta a isso. 

Às vezes, o paciente não consegue fazer o processo sozinho e precisa da ajuda de um familiar. Além disso, existe a possibilidade de infecção, a peritonite. Embora não seja tão frequente atualmente, esse risco não pode ser esquecido.

Quando o médico propõe um regime de diálise, o paciente deve escolher o que mais combine com seu perfil e estilo de vida. É importante ressaltar que não há diferenças de desfecho. Tanto em mortalidade quanto em morbidade, os estudos não demonstram superioridade de um método em relação ao outro.

Quem não pode fazer a diálise peritoneal?

Assim como qualquer tratamento médico, atente-se às contraindicações, pois nem todo paciente pode fazer a diálise peritoneal. Primeiro, uma cavidade peritoneal íntegra e saudável é fundamental, excluindo pacientes com:

  • cirurgias abdominais recentes; 
  • hérnias diafragmáticas ou hérnias abdominais grandes não corrigíveis;
  • outras doenças peritoneais. 

Outros pontos importantes são as condições sociais do paciente. Ele deve ter um local limpo em casa, sem mofo, bem ventilado, com portas e janelas, sem muitas pessoas ou animais dormindo no mesmo cômodo.

Como a diálise peritoneal é feita?

Agora que você sabe o que é diálise peritonial, vamos às especificidades. Basicamente, existem duas modalidades: manual e automática. A escolha leva em conta, principalmente, a capacidade cognitiva do paciente, visto que não são todos que se adaptam bem à máquina automática.

Na primeira, chamada Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua (CAPD), a troca é feita de forma manual pelo paciente. Ela funciona da seguinte maneira: para um indivíduo adulto, é infundido cerca de dois litros de uma solução própria na cavidade peritoneal. A partir daí, ele sempre estará com líquido na cavidade e irá realizar a troca quatro vezes ao dia, todos os dias.

Para fazer a troca, ele vai para o cômodo limpo (destinado ao procedimento), fecha as portas e as janelas, higieniza as mãos e coloca luvas para garantir a não contaminação do líquido e da cavidade. Com isso, ele conecta um sistema Y no cateter que irá drenar todo o líquido da cavidade, em torno de 20 minutos. 

Depois disso, ele fecha essa via de drenagem e abre a outra para infusão (pela própria gravidade) de mais dois litros de uma nova solução, que estará suspensa por algum suporte. Essa infusão leva cerca de dez minutos. Após a finalização do processo, todo o material é descartado. Lembre-se que isso será feito quatro vezes por dia, todos os dias.

Por ser trabalhoso, a modalidade de Diálise Peritoneal Automática (DPA) pode ser preferida. Neste caso, em vez da troca ser feita de forma manual, ela é realizada automaticamente por uma máquina, a “cicladora”, enquanto o paciente dorme. 

Antes do descanso, o cateter deve ser conectado à cicladora, a qual é ligada a duas bolsas um pouco maiores que a da CAPD, com seis litros de solução. Logo, as trocas são feitas de maneira automática durante a noite, em processo que dura em torno de nove horas.

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Com essas informações sobre a diálise peritoneal, você está pronto para atender aos pacientes no plantão. Para complementar seus estudos, continue acompanhando nosso blog. 

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AmadeuCarvalho

Amadeu Carvalho

Goiano, nascido em Rio Verde, interior do estado, em 1994. Meio mineiro, formado pela Universidade Federal de Uberlândia em 2018, com residência em Clínica Médica pelo Hospital de Clínicas da USP em Ribeirão Preto, término em 2021. Super curioso, apaixonado em aprender e ensinar.