Fala pessoal! Você que já está craque no conhecimento das doenças relacionadas à infecção por Helicobacter pylori em adultos, precisa saber que existem algumas diferenças em relação à infecção e à doença por H. pylori em crianças e adolescentes! Esse é o foco do texto de hoje!
O último Consenso Brasileiro sobre infecção por H. pylori é de 2018 e aborda a infecção, as comorbidades associadas e o manejo para a população adulta. Porém ele traz dados epidemiológicos muito importantes para a população pediátrica brasileira, que devemos ter em mente para compreender a importância do tema.
É conhecido e reforçado neste consenso que a infecção por H. pylori começa na infância e que sua prevalência é ainda mais elevada nos primeiros dois anos de vida, possivelmente pelo caráter de transmissão frequente entre familiares e contactuantes próximos.
Os principais fatores de risco identificados para infecção por H. pylori no Brasil são condições de vida precárias, tanto rurais quanto urbanas, baixa renda e condições ruins de acesso aos recursos de saúde.
Além disso, a prevalência é de 50% em crianças de 2 a 5 anos e 70 a 90% nas menores de 10 anos, esta última ocorrendo de modo semelhante ao que é visto em adultos.
A infecção por H. pylori é na maioria das vezes assintomática em crianças e adolescentes, vide a já mencionada elevada taxa de prevalência em nossa população.
Porém, pode também se associar a doenças e, na população pediátrica, as doenças gastrointestinais relacionadas são a gastrite por H. pylori sem Doença Ulcerosa Péptica (DUP), a DUP, o câncer gástrico (CG) e o linfoma MALT.
Vale ressaltar que a principal manifestação clínica associada à infecção por H. pylori nas crianças e adolescentes é a gastrite (inflamação de mucosa gástrica), tipicamente descrita como crônica-ativa e/ou gastrite nodular sem Doença Ulcerosa Péptica (DUP), que é mais comum em crianças do que em adultos.
Na maioria das vezes, a gastrite nodular é assintomática e, raramente ocorrem complicações. Em menor número de casos, há evolução para DUP, sendo esta também a principal indicação de erradicação do H. pylori em crianças.
As outras comorbidades (CG e linfoma MALT) são raras em pediatria e, habitualmente, não é o que estamos procurando quando é realizada a investigação de doenças por H. pylori nessa população. Porém, se estas últimas ocorrerem, também há indicação de erradicação do H. pylori.
Além disso, é importante saber que a DUP é classificada em primária e secundária, sendo a primária de baixa prevalência em pediatria e subdividida em “associada à infecção por H. pylori” e idiopática. Já as causas secundárias de DUP são mais prevalentes e também subdivididas nos seguintes grupos:
A ocorrência de doença por H. pylori em um indivíduo infectado se associa a diversos fatores, dentre eles:
Silva LR, Ferreira CT, Carvalho E. Manual de Residência em Gastroenterologia Pediátrica. 1st ed.: Manole; 2018.
Além do Consenso Brasileiro de 2018, um dos principais documentos que norteia as condutas em relação à infecção por H. pylori em pediatria é o guideline de manejo em crianças e adolescentes da ESPGHAN/NASPGHAN de 2016, que foi publicado como uma atualização do guideline prévio, de 2009.
Esta atualização foi necessária visto a notória queda nas taxas de erradicação do H. pylori (que teria como objetivo a erradicação de 90% ou mais com as terapias de primeira linha); alta taxa de falha com as terapias de primeira linha dos guidelines de 2009; e ao aumento da prevalência de resistência antimicrobiana, sendo esses fatos observados mundialmente.
Quando avaliamos uma criança ou adolescente com sintomas dispépticos, diferentemente dos adultos, na maioria das vezes estes sintomas são originados por distúrbios funcionais do trato gastrointestinal, não havendo neste contexto indicação de realização de endoscopia digestiva alta (EDA), muito menos de erradicação de H. pylori.
Portanto, crianças com dor abdominal crônica/recorrente sem nenhum sinal de alarme mais provavelmente têm DFGI, independente do status de HP.
Uma das diferenças importantes em relação às recomendações em pediatria e em adultos, diz respeito ao fato de a gastrite pelo HP sem DUP, o CA gástrico e linfoma MALT são muito raros na faixa etária pediátrica.
Além disso, não há evidências para a população pediátrica de que haja progressão da infecção isolada por H. pylori ou da gastrite por H. pylori sem DUP para algumas dessas doenças por H. pylori à longo prazo.
Os objetivos na avaliação de sintomas GI dispépticos em pediatria são:
Assim, é muito importante sabermos diferenciar qual é o paciente que apresenta sinais de alarme para doença orgânica, como por exemplo DUP por H. pylori, e que tem indicação de realizar um exame invasivo para elucidar o diagnóstico, que é a EDA. São, portanto, sinais de alarme:
Atenção! Havendo suspeita de doença orgânica que justifique a dispepsia, o exame de escolha para avaliação é a endoscopia digestiva alta com biópsias, em detrimento dos testes não invasivos. Assim, deve ser realizada EDA com coleta de biópsias para testes de cultura + teste de urease de H. pylori apenas se com a intenção de tratar se infecção confirmada.
Caso haja achado incidental de infecção por H. pylori na EDA, discutir prós e contras do tratamento individualmente com paciente e família. Por exemplo, os efeitos colaterais importantes e frequentes das medicações utilizadas para erradicação versus a remota possibilidade de os sintomas serem justificados pelo H. pylori na ausência de DUP.
Abaixo, estão listadas as principais situações em que não há indicação de testagem para H pylori:
Se suspeita, investigar e, se identificada na EDA, testar. Se confirmado H. pylori, tratar e fazer controle de erradicação após;
Na investigação, solicitar EDA e, uma vez solicitada,H. pylori;
Única indicação de investigar com um teste não invasivo para H. pylori. Se positivo, considerar EDA para confirmação, realizada a depender da condição clínica do paciente.
Quando investigamos H. pylori, devemos nos atentar a alguns detalhes, com objetivo de evitar falsos negativos dos testes diagnósticos realizados. Sendo assim, antes de realizar testes para HP:
Todo diagnóstico inicial de infecção por H. pylori deve ser realizado por método invasivo, ou seja EDA, baseado nos seguintes critérios:
Além disso, na endoscopia, devem ser realizadas ao menos 6 biópsias gástricas:
De acordo com o Consenso Brasileiro 2018, apesar das taxas de resistência à claritromicina e às fluoroquinolonas no Brasil, o uso ainda é recomendado. Sabe-se que no Brasil a resistência à claritromicina varia de 2,5 a 16,5% (16,9%) e a resistência às fluoroquinolonas varia de 5 a 23% (54%).
O tratamento indicado para erradicação no contexto de doença por H. pylori em pediatria é a terapia tripla e primeira linha padrão: inibidor da bomba de prótons + amoxicilina + claritromicina por 14 dias.
Na falha da terapia de primeira linha, deve-se utilizar uma das terapias de segunda linha. Havendo falha desta, usar outra opção dentre os possíveis regimes de segunda linha como uma terapia de terceira linha.
Por fim, na falha de uma terapia de terceira linha, está indicado realizar avaliação de testes fenotípicos e genotípicos de susceptibilidade antimicrobiana. Porém, no Brasil estes testes são de baixa disponibilidade e têm alto custo.
Já o guideline ESPGHAN/NASPGHAN 2016 orienta realizar teste de susceptibilidade antimicrobiana antes de qualquer tratamento para erradicação do H. pylori, por meio de cultura ou com teste molecular (PCR / hibridização in situ).
Isso porque é considerado que exista resistência à claritromicina maior do que 15% em todo o mundo, não sendo portanto esta medicação ideal como terapia de primeira linha.
Segundo este guideline, as principais causas de falha de tratamento se associam à escolha inadequada do tratamento, à baixa aderência e à resistência antimicrobiana. Além disso, é recomendado que o tratamento seja realizado com 3 drogas e que tenha duração de 10 a 14 dias, sabendo que os efeitos colaterais são frequentes.
O guideline ESPGHAN/NASPGHAN 2017 orienta que apenas para pacientes susceptíveis à claritro e ao metronidazol seja utilizado IBP + Amoxicilina + Claritromicina por 14 dias. Se houver falha, sem cultura ou sem teste de sensibilidade, utilizar:
Não há orientação de nenhuma opção específica de terapia de resgate, estas devem ser baseadas em testes de susceptibilidade antimicrobiana e conhecimento da resistência à claritro na região.
Em relação ao uso de IBP, é preferível o esomeprazol ou o rabeprazol, pois estes são menos susceptíveis à degradação dos metabolizadores rápidos, visto o conhecido polimorfismo genético do CYP2C19. Além disso, o IBP pode ser mantido por mais 2 a 4 semanas após término do ATB na DUP.
Não há recomendação do uso de probióticos.
Uma vez estabelecida a erradicação do H. pylori no contexto de doença por H. pylori, devemos realizar testes confirmatórios da erradicação apenas após 4 a 6 semanas após o término dos antibióticos e 2 semanas após o término do uso dos IBP.
Esta avaliação deve ser realizada com testes não invasivos, que são:
Atenção! O uso de IBP e de antibióticos recentes e a ocorrência de hemorragia digestiva alta diminuem a sensibilidade dos testes invasivos. Neste contexto, são preferíveis os testes invasivos para confirmar a erradicação do H. pylori.
Se identificada falha terapêutica, a terapia de resgate deve ser individualizada, conforme susceptibilidade, idade do paciente e os testes disponíveis.
Valeu, gente! Tema bem complexo, vasto e interessante. Fique atento com as infecções por H. pylori, fechado? Continuem estudando e nos encontramos em breve! Ah, e se quiser conferir mais conteúdos de Medicina de Emergência, dê uma passada na Academia Medway. Por lá, disponibilizamos diversos e-books e minicursos completamente gratuitos.
Até a próxima!
Nascida em Campo Grande-MS, mas praticamente uma nômade! Tem o Rio de Janeiro como sua cidade de coração, onde também começou sua relação de amor com a medicina, graduada em 2016 pela UERJ. No 4º ano da faculdade, foi viver por 14 meses em Dundee, na Escócia, onde fez intercâmbio em Neurociências na Universidade de Dundee. Morou também em Botucatu, onde fez 3 anos de Residência Médica em Pediatria no HC FMB UNESP. Residência também em Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica no ICr do HC FMUSP. Considera a oportunidade de ensinar o seu momento de maior aprendizado.