Você já se deparou com algum paciente grave, há dias em jejum e parou para pensar: será que está na hora de iniciar nutrição parenteral?
Normalmente, os pacientes críticos, principalmente em cuidados intensivos, apresentam aumento de suas necessidades metabólicas basais, além de restrição nutricional importante (usualmente por instabilidade clínica de alguma natureza).
Ou seja, uma alta demanda e uma baixa oferta calórica que, associados, culminam na desnutrição, uma condição associada a piores desfechos clínicos, tais como maiores tempos de ventilação mecânica, antibioticoterapia e permanência na UTI.
Por isso, é fundamental dar o suporte nutricional adequado a estes doentes.
Chamamos de suporte nutricional o fornecimento enteral ou parenteral de calorias, proteínas, eletrólitos, vitaminas, minerais, oligoelementos e fluidos, quando o paciente não pode obter espontaneamente essas substâncias por via oral.
Para iniciá-lo, devemos entender as necessidades energéticas de cada doente, que variam de acordo com inúmeros fatores como sexo, idade, fase de doença (no início, na fase aguda, predomina o catabolismo sobre o anabolismo, enquanto na recuperação, este último se sobrepõe), peso, comorbidades, etc.
O início de uma nutrição enteral no paciente bem nutrido, mas agudamente doente, é controverso.
Alguns estudos sugerem que o início precoce, ou seja, nas primeiras 48h de internação da nutrição enteral pode reduzir complicações infecciosas, provavelmente por preservar a função imune intestinal e reduzir a inflamação sistêmica.
Esse benefício parece ser maior, principalmente em pacientes pós-cirúrgicos e menos observado em pacientes clínicos. De forma geral, recomenda-se o início de nutrição enteral nos primeiros três dias de internação.
Porém, existem dados de estudos randomizados que sugerem que tentar atingir 100% das metas calóricas estimadas na primeira semana de doença crítica pode ser prejudicial.
Assim, o fornecimento de calorias na fase inicial deve ser gradual e não agressivo. Portanto, nada de nutrições hipercalóricas e hiperproteicas já de início!
É importante fazer uma progressão a cada 12 ou 24h de cerca de 30% do volume calórico total, observando-se, neste tempo, os sinais de aceitação do doente: padrão abdominal, ruídos hidroaéreos, evacuações e potenciais distúrbios hidroeletrolíticos.
Certo, até aqui compreendemos que o suporte nutricional é importante e deve ser iniciado nos primeiros dias de internação, de forma progressiva e idealmente administrado por via enteral. Porém, alguns pacientes possuem contraindicações a essa forma de administração. Quais são elas?
Você já pode ter ouvido algumas “contraindicações” que eram consideradas antigamente como proibitivas e hoje não são mais, como hiperêmese gravídica e ausência de ruídos intestinais ou flatos após cirurgia colorretal eletiva ou cirurgia para perfuração intestinal.
Estudos demonstraram benefício da tentativa de nutrição enteral nestes doentes.
Para pacientes com qualquer uma destas contraindicações absolutas, a nutrição parenteral total (NPT) é a alternativa de escolha.
Quando iniciar esse suporte é um assunto controverso. Para pacientes bem nutridos, o início precoce da terapia pode aumentar o risco de infecção e prolongar a ventilação mecânica, permanência em unidade de terapia intensiva e internação hospitalar.
Usualmente, ela é indicada no fim da primeira semana de internação (a partir do sexto dia ou, segundo alguns autores, até mesmo a partir da segunda semana de internação).
Para pacientes já previamente desnutridos, parece racional não esperar tanto tempo para o início da NP, sendo recomendável realizá-la ainda na primeira semana.
Outra indicação da parenteral é a complementação dietética para pacientes que não conseguem atingir suas metas calóricas via enteral, ou seja, uma nutrição parenteral parcial (NPP).
Por exemplo, alguns doentes podem apresentar diarreia incoercível quando administramos mais de 60% do volume calórico total necessário via enteral.
Nesses casos, recomenda-se inicialmente a exclusão de outras causas de diarreia (infecciosas, por exemplo), a administração de antidiarreicos e, por fim, tentativas de mudança do conteúdo da dieta, mudando para outras menos osmolares, mais concentradas, entre outras adaptações que favoreçam uma melhor absorção.
Não havendo sucesso, pode-se complementar a necessidade energética e proteica do doente via parenteral.
Ok, entendemos até agora quando e por que indicar cada modalidade de suporte nutricional. Nos resta agora entender quais são, afinal, as metas calóricas, proteicas e iônicas para estes doentes.
Definir essas metas é complexo e não existem evidências robustas nesse aspecto, visto que seriam necessárias populações muito amplas para que conseguíssemos obter recomendações de fato válidas.
Pequenos ensaios foram realizados, mas seus resultados são ambíguos. Assim, muito do que se aplica é baseado em consensos e experiências clínicas.
Inicialmente, determinamos a taxa metabólica basal ou o gasto energético em repouso do doente. Idealmente ela é calculada pela calorimetria indireta e equações preditivas, mas calorímetros são pouco disponíveis.
Assim, usualmente determinamos essa taxa pelo peso do doente. Para pacientes abaixo do peso ideal (IMC<18,5kg/m²), é recomendado o uso de peso atual para os cálculos, a fim de evitar fornecimentos agressivos de calorias e consequente síndrome de realimentação.
Para pacientes obesos, o recomendado é a utilização de 110% do peso corporal ideal ou ainda adicionar 0,4 vezes a diferença entre o peso corporal ideal e o peso corporal real ao ideal (ou seja:
Peso de dosagem = peso corporal ideal x 0,4 [peso corporal real – peso corporal ideal]).
Sempre que possível, devemos levar em consideração o “peso seco” do paciente em situações de retenção hidrossalina (doentes críticos anasarcados, insuficiência cardíaca e hepática).
Assim que determinado o peso para cálculo da taxa metabólica basal, saberemos o volume calórico total (VCT) pretendido para aquele doente. Uma meta genérica comumente utilizada é a de 25 a 30 kcal/kg de peso.
Esse VCT deve ser atingido lentamente, iniciando-se com 8 a 10 kcal/kg por dia e progredindo em volume, conforme a aceitação do doente, em cerca de 30% ao dia.
Uma meta de 35 kcal/kg por dia é uma meta aceitável se o ganho de peso for desejado em um paciente relativamente estável e em fase de defervescência da inflamação sistêmica.
Já o aporte proteico deve ser maior conforme piora a gravidade da doença, conforme sugerem estudos feitos com a análise da excreção de nitrogênio em doentes críticos.
Assim, usualmente ofertamos aos pacientes apenas com doença leve a moderada 0,8 a 1,2 g/kg de proteína por dia. Pacientes críticos geralmente recebem prescrição de 1,2 a 1,5 g/kg por dia e pacientes com queimaduras graves podem ser beneficiados de até 2 g/kg por dia.
Lembre-se que: para a prescrição da parenteral, o paciente precisa de um acesso venoso de localização central e de um detalhamento completo da composição e da taxa de infusão da bolsa. Depois de iniciado, o paciente deve ser acompanhado quanto à tolerância e complicações.
Esperamos ter esclarecido as dúvidas em torno da nutrição parenteral. Aqui, no nosso blog, disponibilizamos uma série de conteúdos sobre Medicina de Emergência e residência médica para contribuir com sua preparação.
Para quem quer acumular mais conhecimento ainda sobre a área, o PSMedway, nosso curso de Medicina de Emergência, pode ser uma boa opção. Lá, mostramos exatamente como é a atuação médica na Sala de Emergência.
1. ESPEN Guidelines on Parenteral Nutrition: Intensive care
2. Uptodate: Nutrition support in critically ill patients: An overview. David Seres.
3. Uptodate: Nutrition support in critically ill patients: Parenteral nutrition. David Seres.
Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Clínica Média pela mesma instituição e Gastroenterologia pela USP-RP.