Cadeia de transmissão: da epidemiologia clássica à crítica

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A cadeia de transmissão é um assunto que tem tudo a ver com a saúde pública, assim como a atual crise econômica e sanitária. A seguir, saiba tudo sobre epidemiologia e outras informações essenciais sobre o assunto.

Panorama no Brasil

Para começar, vamos relembrar que, no Brasil, as doenças transmissíveis são importantes causas de morbimortalidade. Na última década, a pneumonia por microrganismo apareceu como a segunda principal causa de mortalidade entre os brasileiros.

Aqui, também estão presentes várias doenças parasitárias crônicas classificadas como doenças tropicais negligenciadas (DTN). Podemos citar raiva, tracoma, doença de Chagas, leishmaniose, filariose linfática, oncocercose (cegueira dos rios), esquistossomose e helmintíases transmitidas pelo solo e pela água. O cenário epidemiológico brasileiro é complexo e composto por três grandes tendências:

  • doenças transmissíveis com tendência declinante (ex: varíola, difteria, coqueluche e tétano acidental); 
  • doenças transmissíveis com quadro de persistência (ex: hepatites virais B e C, leptospirose, leishmanioses visceral e tegumentar, esquistossomose, meningite por meningococos B e C); 
  • doenças transmissíveis emergentes (ex: chikungunya e zika) e reemergentes (ex: dengue, H1N1 e hantaviroses).

Para mudar o processo saúde-doença de uma população, é preciso planejar intervenções que levem em consideração o modo como essas doenças acontecem, ou seja, as cadeias epidemiológicas de transmissão de doenças.

O que é cadeia de transmissão?

Afinal, o que é cadeia de transmissão? Também conhecido como cadeia de infecção ou cadeia epidemiológica, trata-se de um esquema que procura organizar os principais pontos de interação entre agente causal, hospedeiro e meio ambiente.

A cadeia epidemiológica deriva da compreensão positivista de que as doenças são produtos da interação entre esses três elementos, sendo que nem sempre essa interação provoca uma doença, e quando houver doença, nem sempre os sinais e os sintomas são os mesmos para todos.

Geralmente, a cadeira de transmissão é aplicada para identificar os momentos de uma doença transmissível e planejar ações que envolvam os diversos níveis dos serviços de saúde para interromper a evolução.

Cada doença transmissível tem medidas próprias de proteção, que podem incluir: imunização com vacinas, especificidades nas medidas de higiene e no controle de vetores, políticas públicas e medidas de gestão específicas. Afinal, o que caracteriza uma cadeia de transmissão na epidemiologia?

Agente causal

É um fator que pode ser biológico (microrganismo) ou não biológico (substância química ou física), cuja presença excessiva ou relativa ausência é essencial para a ocorrência da doença. Os agentes biológicos possuem algumas propriedades que determinam a produção da doença:

  • infectividade: capacidade de penetrar e desenvolver-se ou multiplicar-se no novo hospedeiro, provocando infecção;
  • patogenicidade: capacidade de produzir sintomas no hospedeiro;
  • virulência: capacidade de produzir casos graves ou fatais;
  • dose infectante: quantidade necessária do agente etiológico para iniciar uma infecção;
  • poder invasivo: capacidade de difundir-se por meio de tecidos, órgãos e sistemas anatomofisiológicos do hospedeiro;
  • imunogenicidade ou antigenicidade: capacidade de produzir imunidade no hospedeiro;
  • vulnerabilidade: sujeição das espécies microbianas ao meio em que estão presentes. Esse meio contém agentes químicos, físicos e terapêuticos, impulsionando a seleção natural de formas sobreviventes e, com frequência, resistentes aos medicamentos disponíveis.

Reservatório

Representa qualquer ser humano, animal, artrópode, planta, solo ou matéria inanimada em que um agente infeccioso normalmente vive e se multiplica. Esse agente infeccioso depende do reservatório para própria sobrevivência e reprodução, sendo transmitido a um hospedeiro suscetível.

Não confunda reservatório com fonte de infecção, nem com indivíduo portador. A fonte de infecção é a pessoa, o animal, o objeto ou a substância de onde o agente infeccioso passa a ser um hospedeiro.

Já o portador é um indivíduo (ou animal) infectado, que abriga um agente infeccioso específico de uma doença, sem apresentar sintomas ou sinais clínicos. Também caracteriza uma fonte potencial de infecção para o ser humano.

Porta de saída do agente

Na cadeia de transmissão, o agente infeccioso pode sair do hospedeiro por diversas vias, a partir das quais pode entrar no ecossistema ou penetrar outro hospedeiro. As principais vias e os exemplos de doenças transmitidas são:

  • respiratória: tuberculose, influenza e sarampo;
  • genitourinária: leptospirose, infecções sexualmente transmissíveis e zika;
  • digestiva: febre tifoide, hepatites A e E, cólera e amebíase;
  • dermatológica: varicela e sífilis;
  • placentária: sífilis, rubéola, toxoplasmose, HIV, doença de Chagas e zika.

Modo de transmissão do agente

A transmissão pode ser direta (ex: dispersão de gotículas) ou indireta, mediante veículos de transmissão (ex: objetos, água, alimentos, produtos biológicos, incluindo soro e plasma) e/ou vetor.

Um vetor é qualquer portador vivo que transporta um agente infeccioso até um indivíduo suscetível. Nele, o agente pode ou não se desenvolver, propagar ou multiplicar.

O vetor pode ser mecânico (ex: contaminação das patas de um inseto) ou biológico, que pressupõe multiplicação e/ou desenvolvimento do agente (ex: Trypanosoma cruzi no triatomíneo).

A transmissão ainda pode ser classificada como horizontal (doença transmitida de uma fonte de infecção para um hospedeiro, como COVID-19) ou vertical (transmitida de uma geração para a próxima, como as STORCH).

Porta de entrada no novo hospedeiro

Geralmente, são as mesmas vias utilizadas pelo agente para sair do hospedeiro prévio. Nas doenças respiratórias, por exemplo, a via aérea é porta de entrada e saída.

Nas intoxicações alimentares, por outro lado, a porta de saída pode ser uma lesão aberta na pele e a porta de entrada são alimentos contaminados com a secreção da lesão.

Suscetibilidade do hospedeiro

É um indivíduo ou um animal vivo que, em circunstâncias naturais, permite a subsistência e o alojamento de um agente infeccioso.

Isso depende de alguns aspectos, como idade, status da pele e membranas mucosas, funcionamento adequado de mecanismos de defesa (ex: reflexo, tosse, secreções gástricas, atividade imunológica), etnia e grupo familiar, estado nutricional e condições socioeconômicas.

Exemplificando

Depois de tantos conceitos e definições, vamos para um exemplo de doença contagiosa, ou seja, uma doença infecciosa cujo agente etiológico atinge os indivíduos sadios por contato direto com os indivíduos infectados: a COVID-19. A cadeia de transmissão pode ser simplificada da seguinte forma:

AgenteVírus SARS-COV-2
ReservatórioSeres humanos, possivelmente, morcegos e pangolim
Porta de saídaSecreções respiratórias, fezes e sangue
Método de transmissãoGotículas, contato direto e aerossol
Porta de entradaTrato respiratório, conjuntivas
Hospedeiro suscetívelSer humano; Grave em > 60 anos e com alguma comorbidade (obesidade, HAS, diabetes, doença renal crônica, imunocomprometimento, hepatopatias, doenças cardiovasculares, doenças neurológicas)

Pensando dessa maneira linear, qual ação seria a mais eficiente para modificar o processo saúde-doença da COVID-19? A vacinação universal é uma boa resposta para essa pergunta porque é capaz de prevenir as formas graves da doença e melhorar a qualidade de vida da população.

Nesse sentido, em nota técnica recente, a FIOCRUZ enfatiza a importância da vacinação de crianças de 5 a 11 anos para prevenir mortes nessa população, resultantes, principalmente, da síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica associada à COVID-19.

Além disso, a vacinação para crianças e adolescentes colabora para reduzir a transmissão da doença e os impactos indiretos, como retrocessos no desenvolvimento psicomotor e transtornos do humor, da alimentação e do sono.

Em adultos e idosos, a relação entre imunização e prevenção de desfechos graves já está bem estabelecida, porém, a idade avançada continua sendo um fator de vulnerabilidade importante.

Curtiu saber mais sobre a cadeia de transmissão?

Para finalizar o assunto da cadeia de transmissão, temos uma dica especial. Quer obter mais conhecimento sobre Medicina de Emergência? Então, conheça o PSMedway! Fique por dentro de todas as práticas dos plantões de emergência a partir de simulações realísticas.

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LucasUback

Lucas Uback

Paulistano, nascido em Adamantina em 1994, médico desde 2019, formado pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Residência em Medicina de Família e Comunidade pela Secretaria Municipal de Saúde de São Bernardo do Campo. Pós-graduação em Economia e Gestão em Saúde pela Faculdade de Saúde Pública de São Paulo (FSP/USP). Tem como maior objetivo perseguir uma educação que reproduza em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos seres humanos.