E aí, pessoal, tudo bem? Hoje é dia de falar sobre o diagnóstico e tratamento da fasceíte necrotizante, uma verdadeira “caixa de Pandora”. Ficou curioso para saber mais? Então, continue com a gente! Vamos lá!
A base desse diagnóstico está na alta suspeição, uma vez que o quadro precoce pode ser inespecífico, de evolução lenta ou até mesmo fulminante, com choque séptico, e são os achados tardios os mais específicos. Logo, temos que aprender e escolher, trabalhar sem essa especificidade.
Alterações cutâneas, febre, dor muscular, linfangite e linfadenite são frequentemente observadas. Mialgia desproporcional ao exame físico também pode acontecer, e é o achado precoce mais importante.
A clássica tríade de crepitações, necrose e lesões cutâneas eritematosas e azul-acinzentadas que se tornam bolhas hemorrágicas é infrequente e tardia, em geral, após o 5°dia de infecção.
Mas não custa nada ter, também, em mente: bolhas violáceas são iguais à fasceíte necrotizante até que você consiga excluir o diagnóstico.
Sempre que você estiver diante de infecções cutâneas de evolução desfavorável, apesar da antibioticoterapia ou uma celulite rapidamente progressiva, pense em fasceíte necrotizante.
De acordo com o Colégio Americano de Médicos Emergencistas (ACEP), a apresentação é tão variável que no início do quadro o erro diagnóstico atinge os 71,4%.
Saiba: o diagnóstico independe de exames complementares. Aumento de marcadores inflamatórios e de enzimas musculares, leucocitose, hiponatremia, anemia, disfunção renal, hiperglicemia, espessamento das fáscias e gás entre os tecidos são ferramentas que podem ajudar a fortalecer sua hipótese, mas se vierem negativos não excluem o diagnósticos, e podem até estar normais em momentos iniciais.
Observe que essas alterações laboratoriais são corriqueiras aos mais diversos insultos inflamatórios/infecciosos, por isso, saiba usá-las a seu favor, para uma busca ativa.
Nesse sentido foi que, em 2004, foi proposto o score LRINEC (Laboratory Risk Indicator for Necrotizing Fasciitis), obtido de um estudo observacional retrospectivo, que se propôs a diferenciar a fasceíte necrotizante de quadros graves de celulite ou abscesso.
O artigo original trouxe bons valores de determinação de fasceíte quando escore maior ou igual a 6 pontos (S~90%/ E ~95%/VPP ~ 92%/ VPN 95%). Não obstante, é bem ruim na validação externa, com baixas sensibilidade e especificidade (S= 59,2%/E= 83,8%/ VPP= 37,9%/ VPN= 92,5%).
Resumindo: se com seu exame clínico há alta suspeita de fasceíte necrotizante, esqueça o escore; se alguma suspeita, o LRENEC ≥ 6 te ajuda a apoiar o seu diagnóstico; e se menor, não exclui.
Apesar de gás no tecido fortalecer a hipótese de fasceíte necrotizante, a USG tem uma sensibilidade de apenas 30%; a tomografia contrastada é sensível (S: 94%), mas pouco específica (E: 77%) e esse achado é ausente quando o agente etiológico é o estreptococcus do grupo A (fasceíte necrotizante monobacteriana aeróbica- tipo II).
É claro que, se na TC, você observar gás entre os tecidos com espessamento de uma fáscia sem realce o diagnóstico pode ser realizado. Novamente: não espere pelo exame de imagem.
A exploração cirúrgica à beira leito, com uso de anestesia local, é uma possibilidade rápida e possível. Através da incisão cutânea, por meio de técnica asséptica, introduz-se o dedo ou sonda, em busca de alterações da fasceíte (fácil separação de camadas; drenagem de “água de louça”, fáscia necrosada).
É necessário constatar uma fáscia acinzentada, opaca e liquefeita, seja por meio de biópsia ou de visualização direta, ou seja, somente a exploração cirúrgica da fáscia confirma, definitivamente, ou exclui o diagnóstico.
A ACEP orienta que, diante de um quadro clínico claro, você deve proceder, sem atrasos, com o tratamento definitivo. Os exames complementares podem sim aumentar a sua suspeita, mas jamais podem substituir o seu julgamento clínico. O diagnóstico é clínico!
Diante da suspeita, uma antibioticoterapia empírica de amplo espectro é a escolha, com posterior descalonamento guiado por culturas. Lembrando que muitos estreptococos são suscetíveis à penicilina cristalina ou oxacilina.
Beta-lactâmicos de amplo espectro (Piperacilina-Tazobactam 4,5g, EV, a cada 8 horas; Meropenem 1g, EV, a cada 8 horas) com Clindamicina 900mg, EV, a cada 8 horas, são a escolha.
Em casos graves, de fasceíte não tipo I, não comunitárias e com risco para MRSA, está indicada, também, cobertura para estafilococos meticilino-resistentes (MRSA) com linezolida, e na sua ausência pode ser usada a vancomicina.
A clindamicina e a linezolida interrompem, imediatamente, a produção das toxinas dos estreptococos do grupo A.
Diante de uma exploração cirúrgica à beira do leito positiva e/ou alta ou persistente suspeita, chame, precoce e rapidamente, a equipe da cirurgia: o desbridamento no centro cirúrgico é obrigatório, com a cirurgia o paciente pode chegar a uma sobrevida de 60-80%.
As evidências mostram que essa abordagem estabiliza o paciente em horas, embora não o melhore imediatamente.
Outras possibilidades terapêuticas observadas em alguns estudos, ainda algo controverso, mas com algum grau de benefício, foram o uso de imunoglobulina e a terapia hiperbárica.
A primeira foi associada, principalmente, à síndrome do choque séptico-fasceíte tipo II, à redução de mortalidade em 30 e 90 dias, bem como à redução da extensão do desbridamento, que foi adiado.
A segunda, fora da realidade da maioria de nós, mas que é citada na literatura, de forma até mais teórica, possuindo baixa evidência, seria utilizada nas infecções causadas por anaeróbios, como pelo Clostridium perfringens.
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