Erisipela Bolhosa: o que precisamos saber além das bordas?

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Fala galera, tudo bem? No post de hoje vamos abordar um tema que com certeza todos vocês já tiveram contato tanto nas atividades práticas como nas questões de prova de residência médica: a erisipela

É um assunto que merece a nossa atenção porque, além de ser extremamente prevalente nos atendimentos – tanto em unidades básicas de saúde como em unidades de pronto atendimento -, é um dos queridinhos das questões de instituições como a Unicamp e a USP – Ribeirão Preto!

Então fica atento que, ao finalizar essa leitura, você vai estar pronto para: reconhecer o quadro clínico de um paciente com erisipela, lembrar dos diagnósticos diferenciais, calcular os escores preditores de gravidade e decidir se o paciente será tratado em casa ou intra-hospitalar. Assim, você vai conduzir com segurança todos os casos e ainda vai brilhar nas provas no final do ano, combinado? Vamos lá!

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/focus-on-special-dermatological-magnifying-glass-1511974871

Para começar: o que é erisipela e por que eu preciso saber esse tema?

As infecções cutâneas de origem bacteriana são condições bastante prevalentes no dia-a-dia da  nossa prática médica e podem ser divididas em alguns subtipos, como:

  • Infecção aguda e crônica de partes moles
  • Celulite
  • Erisipela
  • Abcesso e furúnculo
  • Fasceíte necrotizante

Devido à prevalência que se destaca entre as demais causas, vamos focar na erisipela, beleza?

Segundo McNamara (2007; p.817), a erisipela é mais prevalente em crianças e idosos, com incidência de aproximadamente 200 a cada 100.000 pacientes, além de ser discretamente mais prevalente em países de clima tropical. Assim, vemos a importância de dominar esse tema!

A erisipela é uma variante clínica da celulite, sendo caracterizada como infecção aguda que acomete a derme, os tecidos subcutâneos e os vasos linfáticos, sendo classicamente causada, em cerca de 73% dos casos, por estreptococcos B-hemolíticos do grupo A de Lancefield.

Porém pode ser causada menos frequentemente por Staphylococcus aureus, incluindo os subtipos resistente à meticilina presentes na comunidade (MRSA), e por bacilos gram negativos aeróbios. Atenção para essa parte, galera! As provas adoram cobrar os agentes mais relacionados, principalmente nas provas multimídia, hein? Então fiquem ligados!

Beleza, agora que entendemos o conceito, os agentes etiológicos e a importância desse tema, vamos entender quem está mais sujeito a ser acometido por tal infecção e como ocorre esse processo.

Quais os fatores de risco e a fisiopatologia da erisipela?

Anatomia da pele, onde ocorre a erisipela.
Fonte: shutterstock

Pessoal, como sabemos, a pele é o maior órgão do nosso corpo e responsável pela defesa contra entrada de patógenos. Quando o paciente apresenta portas de entrada na pele e mucosa como ocorre após traumas, na presença de dermatofitoses, em úlceras e lesões vasculares, a barreira é rompida e o microorganismo pode adentrar a epiderme e atingir camadas mais profundas através da destruição das barreiras de fibrina e outras substâncias constituintes da membrana celular. Assim, dependendo da camada acometida, teremos os mais diversos tipos de infecções cutâneas como citamos acima, beleza?

Mas será que todas as pessoas possuem o mesmo risco de desenvolverem erisipela ou temos grupos com maior chance? Vamos ver abaixo os fatores de risco mais comuns associados a esses casos!

  • Diabetes
  • Cirrose hepática
  • Mordidas por animais
  • Uso de drogas intravenosas
  • Alcoolismo
  • Imunossupressão
  • Câncer e uso de quimio e radioterápicos
  • Episódios prévios de celulite e erisipela
  • Doenças vasculares como úlceras venosas e arteriais
  • Doenças infecciosas ulcerosas (lembra das “PLECT?” – Paracoccidioidomicose, Leishmaniose Tegumentar,Esporotricose,Cromomicose,Tuberculose Cutânea)

E como vamos ver a apresentação do quadro clínico da erisipela?

Sabemos do desafio que é avaliar uma lesão dermatológica, não é mesmo? Então, vamos organizar o nosso diagnóstico! O primeiro passo para identificar corretamente uma lesão de pele, tanto nas questões como nos atendimentos presenciais, é caracterizar qual a lesão elementar principal do caso!

Vamos imaginar que estamos na estação de clínica médica da 2ª fase da sua prova prática da tão sonhada residência médica e chega a dona Maria, 55 anos, portadora de hipertensão e diabetes em uso irregular das medicações,com queixa de aparecimento da lesão abaixo em membro inferior direito há 5 dias que vem em piora do eritema, da dor e do calor local e, além disso, começou a apresentar astenia e picos febris há 2 dias.

Depois de ler o caso e avaliar a imagem, o avaliador pede que você descreva a lesão apresentada e cite pelo menos 3 diagnósticos diferenciais! E aí, vamos brilhar nas respostas?

Analisando a imagem, vemos uma placa eritematosa de limites bem definidos associada a edema de membro inferior além da queixa de hipertermia local e sintomas sistêmicos como febre e queda do estado geral. É um típico caso de erisipela, pessoal!

A lesão é classicamente descrita como placa eritematosa, de coloração vermelho vivo, com bordas geralmente bem definidas, podendo haver presença de bolhas. Surge classicamente em locais com portas de entrada como lesões intertriginosas, úlceras e traumas, sendo mais comum em membros inferiores na população em geral e em membros superiores nos usuários de drogas injetáveis e pós-mastectomia.

Em relação aos sintomas sistêmicos, geralmente a febre pode iniciar elevada associada a calafrios, com risco de septicemia e servindo como fonte de descompensação de condições clínicas de base, como insuficiência cardíaca e doenças pulmonares

Como é feito o diagnóstico de erisipela? Precisamos de exames de imagem e laboratoriais?

O diagnóstico é eminentemente clínico, ou seja, diante da suspeita clínica pelo aspecto morfológico da lesão, dos fatores de risco presente e da história clínica, devemos conduzir e iniciar o tratamento como tal!

Porém, dependendo da gravidade clínica e do perfil do paciente, podemos fazer uso de exames laboratoriais e de imagem principalmente com dois objetivos: avaliar indicação de internação e buscar possíveis complicações locais como fasciíte necrotizante e osteomielite.

Diante dos exames que podemos necessitar para ajudar na condução do caso, destacamos:

  • Hemograma e provas de inflamação como VHS (principalmente na suspeita de osteomielite) e PCR
  • Cultura da lesão – com o objetivo de antibioticoterapia guiada
  • Hemoculturas – para avaliar a presença de infecção de corrente sanguínea,o que implicaria em maior gravidade
  • Exames de imagem como tomografia e ressonância magnética – em casos de suspeita de lesão de partes moles ou óssea

Beleza, entendemos que devemos nos guiar pela apresentação clínica e podemos ter auxílio de exames laboratoriais e de imagem. Mas será que existe algum escore que possamos aplicar rapidamente no pronto socorro e avaliar o risco do paciente evoluir com uma das complicações mais graves, a fasciíte necrotizante? Sim, temos! Já ouviu falar no R-LINEC? É um escore que utiliza variáveis laboratoriais e nos ajuda a definir os pacientes com maiores riscos de complicação e que merecem internação hospitalar. As variáveis utilizadas são:

  • PCR
  • Leucograma
  • Hemoglobina
  • Sódio
  • Creatinina
  • Glicose

Quando a pontuação é <5 temos menos de 50% de chance de evolução para fasciíte necrotizante, de 6 a 7 o risco é entre 50 a 75% e maior que 8 o risco é maior que 75% de evoluir para esse desfecho. Assim, podemos usar esse escore para ajudar no manejo dos nossos pacientes e na decisão da melhor opção de tratamento.

Quais os diagnósticos diferenciais que temos que lembrar sempre que pensamos em erisipela?

Como em tudo na medicina,devemos levantar hipóteses diagnósticas e pensar no que nos afasta e no que nos aproxima do diagnóstico que tanto buscamos. Então, atenção às hipóteses que vamos comentar para sempre lembrar e diferenciar corretamente!

  1. Celulite

O diagnóstico diferencial mais conhecido e debatido com certeza! Vamos lembrar que a celulite é causada principalmente pelo Staphylococcus aureus e apresenta-se tipicamente como eritema de coloração mais clara, com acometimento de derme e tecido subcutâneo, associada a edema e geralmente precedida por febre e dor local, podendo apresentar pústulas associadas em casos mais raros.

  1. Trombose venosa profunda

Uma condição que muitas vezes pode passar despercebida e merece nossa total atenção! Na TVP, além do relato de dor no membro afetado e ausência de sinais infecciosos locais como febre, lesões bolhosas e porta de entrada, vamos ter edema unilateral, assimétrico, que pode apresentar eritema e pode apresentar sinais semiológicos clássicos, como:

  • Sinal de Homans: dor na panturrilha após a dorsiflexão do pé
  • Sinal de Bancroft: dor à palpação da panturrilha
  • Sinal da Bandeira: redução da movimentação de uma panturrilha quando comparada à outra
  1. Eritema Nodoso

No eritema nodoso as lesões são nodulares, palpáveis no tecido subcutâneo, associada a eritema de intensidade variável e geralmente temos outras condições clínicas sistêmicas relacionadas como sarcoidose, doença inflamatória intestinal e hanseníase.

  1. Fasciíte Necrotizante

A fasciíte necrotizante é uma evolução desfavorável de infecções cutâneas, principalmente erisipela, causada principalmente por Streptococcus beta hemolítico do grupo A e bactérias anaeróbias, evoluindo com áreas necróticas e rápida degeneração do estado geral.

Tratamento

Como toda doença infecciosa, o tratamento será baseado nos agentes etiológicos que estamos suspeitando e na gravidade clínica do paciente no momento da nossa avaliação, beleza?

Em relação às medidas não farmacológicas, devemos orientar o repouso do membro, curativo oclusivo nos casos de lesões bolhosas ou pustulosas e elevação do membro afetado, lembrando-se sempre de avaliar a indicação de anticoagulação para prevenção de fenômenos tromboembólicos devido à necessidade de restrição ao leito.

Já na escolha da antibioticoterapia, devemos fazer a cobertura para os germes mais prevalentes, dessa forma temos algumas opções para o tratamento:

  • Cefalexina 500mg via oral 6/6h por 7 a 10 dias
  • Amoxicilina-clavulanato por 5 a 7 dias
  • Clindamicina
  • Sulfametoxazol-trimetroprim
  • Penicilina procaína 400.000 UI IM 12/12h por 7 a 10 dias

Após o início da antibioticoterapia, devemos avaliar por 48 a 72h a evolução clínica do nosso paciente com objetivo de melhora do estado geral, mantendo-se afebril e com melhora do padrão da lesão.

Se o quadro clínico não apresentar melhora ou piorar, deve-se avaliar o escalonamento com cobertura para germes mais prevalentes no local que o paciente se encontra e aqueles mais relacionados aos fatores de risco presentes, como cobertura para anaeróbios em pacientes etilistas, e cobertura para MRSA da comunidade.

As indicações de internação incluem:

  • pacientes imunossuprimidos;
  • presença de complicações locais importantes como úlceras infectadas ou bolhas numerosas;
  • descompensação de comorbidades;
  • sinais de sepse;
  • lesões que necessitem de abordagem cirúrgica.

É isso, galera!

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Beleza, galera? Espero que esse post ajude a esclarecer suas dúvidas e dar uma visão completa sobre esse tema tão presente no nosso dia-a-dia! Abraço e brilhem muito!

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Ana CarolinaAlcântara

Ana Carolina Alcântara

Cearense, nascida em Fortaleza em 1994 e formada em Medicina em 2019. Residência em Clínica Médica no Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara. Apaixonada pela oportunidade de contribuir para a educação médica a partir da melhoria dos métodos de ensino e do estímulo ao desenvolvimento de novas habilidades dentro e fora da medicina. Siga no Instagram: @acbalcantara