Escala de Alvarado: O que é e como tratar

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Fala, galera! Sabemos que a apendicite aguda é uma patologia muito frequente nos pronto atendimentos. Nesse contexto, todo médico, cirurgião ou não, precisa dominar seu diagnóstico e manejo. Daí surge a necessidade de compreendermos, de fato, os critérios e a devida interpretação da tão famosa Escala de Alvarado

Como calculá-la? Será que podemos indicar a apendicectomia apenas com um valor elevado? Qual será nossa taxa de acerto nesses casos? 

Antes de mais nada, a resposta é: depende! Cada paciente é único e devemos interpretar caso a caso. Quer entender mais sobre o assunto?

Vamos juntos nessa! 

Calculando o Alvarado…

Beleza, estamos de plantão e recebemos um paciente com queixa de dor em fossa ilíaca direita. De prontidão suspeitamos de apendicite aguda. Lembra do quadro clínico clássico? Dor periumbilical (dor visceral ocasionada pela distensão do apêndice) que migra para a fossa ilíaca direita (dor parietal provocada pela inflamação do peritônio adjacente), associada a febre, vômitos/náusea e hiporexia. Nesse cenário, tomamos a decisão de calcular o Alvarado do paciente. Veja só como funciona esse score:

A escala de Alvarado varia de 0 a 10, contando com 8 itens, sendo que 2 deles valem 2 pontos. São 3 itens relacionados a sintomas, 3 itens relacionados aos sinais do exame físico e 2 laboratoriais.

Sintomas

1- Migração da dor para fossa ilíaca direita: 1 ponto

2- Náuseas/vômitos: 1 ponto

3- Anorexia: 1 ponto

Sinais

4- Dor/defesa a palpação de fossa ilíaca direita: 2 pontos

5- Descompressão brusca em fossa ilíaca direita: 1 ponto

6- Febre: 1 ponto

Laboratoriais

7- Leucocitose: 2 pontos

8- Desvio à esquerda: 1 ponto

Viu só? Só de dominarmos o quadro clínico clássico já saberemos a maioria dos itens. 

Conduta frente à pontuação obtida…

Depois de chegarmos à pontuação do paciente, precisamos interpretá-la para tomarmos conduta. De forma geral, temos:

0-4 pontos: apendicite improvável, investigar outros diagnósticos 

5-6 pontos: apendicite possível, investigação complementar com imagem

7-10 pontos: apendicite provável, “indicar” apendicectomia 

E é aqui que chegam as exceções! É imprescindível individualizar a conduta com base na particularidade do nosso doente. Isto inclui idade, sexo, tempo de evolução e sinais de complicação. 

Para entender de fato o conceito, pare esta leitura e tente pensar em diagnósticos diferenciais para uma dor em fossa ilíaca direita em uma mulher em idade fértil…

Se pensarmos topograficamente, temos:

Trato intestinal: apendicite aguda, diverticulite de cólon direito, colite, ileíte, doença de Crohn, adenite mesentérica, apendangite, diverticulite de meckel, perfuração bloqueada.

Trato genitourinário: ureterolitíase direita, torção anexial, abscesso tubo-ovariano, hidrossalpinge, endometriose, cisto funcional doloroso, cisto hemorrágico, cisto roto, gestação ectópica rota, doença inflamatória pélvica.

Demais etiologias: abscesso de psoas, psoíte, hérnias inguino-crurais / spiegel, herpes zóster no dermátomo correspondente.

Galera, é muita patologia que pode explicar dor nessa topografia! Essa é a razão pela qual não podemos confiar plenamente em um resultado positivo do Alvarado em mulheres… 

Imagine só uma jovem com Alvarado 8 submetida, sem exames de imagem, à cirurgia com incisão McBurney e no intraoperatório a surpresa: apêndice normal. O quadro não se resolve no pós operatório e, após um ultrassom, fechamos o diagnóstico de abscesso ovariano à direita. Muito inconveniente, não acham?

Por isso, a indicação de apendicectomia sem exame de imagem em pacientes com Alvarado maior ou igual a 7 não se aplica a mulheres. 

Outro fator a ser considerado são os extremos de idade. Imagine só como é difícil extrair das crianças os sintomas que sentem e realizar um exame físico confiável. Por outro lado, idosos tendem a ser oligossintomáticos, mascarando o quadro de apendicite aguda e diminuindo a acurácia diagnóstica do Alvarado. De maneira similar, também não indicaremos apendicectomia sem exame de imagem para estes pacientes.

Por fim, outra situação que exige exame de imagem antes da indicação cirúrgica é a suspeita de complicação: evolução acima de 72h, quadro clínico grave, plastrão palpável…

Portanto, só vamos indicar a apendicectomia sem exames de imagem em pacientes com Alvarado maior ou igual a 7 se estivermos diante de um homem jovem e sem sinais de complicação.

Percebeu? As condutas clássicas dos 3 cortes da pontuação do Alvarado não são absolutas. É preciso individualizar!

*Pessoal, a taxa de apendicectomia branca na indicação sem exame de imagem gira em torno de 10%. Com a tecnologia atual, considera-se um valor consideravelmente alto. Por isso, apesar de nas provas de residência adotarmos a indicação sem imagens nos casos discutidos acima, na prática, é comum solicitarmos exame de imagem para todos os doentes. Não podemos deixar a prática do internato nos fazer errar questões na prova! 

Um pouco de estatística dos testes

Pessoal, em linguagem técnica, tudo que discutimos converge para o conceito de que a escala de Alvarado apresenta alta sensibilidade. Isso quer dizer que ela apresenta um limiar baixo para se tornar positiva, fazendo com que etiologias distintas de apendicite tenham também um resultado positivo no teste. Logo, a escala conta com muitos resultados falsos positivos. 

Na prática, isso significa que podemos excluir o diagnóstico de apendicite em resultados negativos com um nível considerável de certeza. Por isso a pontuação 0-4 exige pensar em diagnósticos diferenciais. Porém, um Alvarado alto pode, na verdade, ser um falso positivo e ter por trás uma doença diferente da apendicite. Daí vem a importância do exame de imagem, principalmente em paciente com probabilidade pré-teste reduzida para apendicite (novamente: mulheres, crianças e idosos).

Para se ter uma ideia, o consenso de Jerusalém, o principal guideline sobre apendicite aguda, traz a seguinte recomendação:

“We suggest against the use of Alvarado score to positively confirm the clinical suspicion of acute appendicitis in adults”.

“Contraindicamos o uso da escala de Alvarado para confirmar a suspeita clínica de apendicite aguda no adulto”.

Em poucas palavras: o resultado negativo exclui, mas o positivo não necessariamente confirma.

Nesse contexto, existem outros escores que apresentam maior especificidade para confirmar a apendicite aguda, como o AIR (Appendicitis Inflammatory Response) ou o AAS (Adult Appendicitis Score). 

Mas esses escores são assuntos para um próximo artigo.

Concluindo sobre a escala de Alvarado!

A escala de Alvarado apresenta alta sensibilidade, afastando com propriedade o diagnóstico de apendicite nos resultados negativos, mas não confirma com tanta certeza o resultado positivo. A indicação de apendicectomia sem exames de imagem em pontuações ≥ 7 só se aplica a homens jovens e sem sinais de complicação.

Pra cima!

A Redação

A Redação