Escala RASS na UTI: o que você precisa saber

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O manejo da sedação em pacientes críticos é um dos desafios centrais da terapia intensiva. Sedar pouco pode levar à agitação, risco de autoextubação e sofrimento. Sedar demais aumenta o risco de delirium, infecções e tempo prolongado de ventilação mecânica. Nesse cenário, a escala RASS (Richmond Agitation-Sedation Scale) surge como uma ferramenta clínica valiosa, validada e de fácil aplicação.

Mas, afinal, o que é a escala RASS? Para que ela serve? Quando devemos buscar uma sedação mais profunda? E quais são suas limitações? Vamos responder a essas perguntas com base nos principais estudos e nas diretrizes atuais de cuidado ao paciente crítico.

O que é a escala RASS?

A Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS) é uma escala desenvolvida para avaliar de forma padronizada o nível de agitação e sedação de pacientes hospitalizados, especialmente em ambientes de terapia intensiva. Foi descrita originalmente por Sessler et al., em 2002, e validada tanto para pacientes com suporte ventilatório quanto para aqueles sem.

A escala varia de +4 a -5, abrangendo desde um estado de extrema agitação até o coma profundo:

NívelDescrição
+4Combativo, violento, perigo para a equipe
+3Muito agitado, tenta arrancar tubos
+2Agitado, movimentos frequentes não agressivos
+1Inquieto, ansioso, mas não agressivo
0Alerta e calmo
-1Sonolento, acorda à voz (contato visual >10s)
-2Levemente sedado, acorda brevemente (contato visual <10s)
-3Sedado moderadamente, movimento ao comando verbal
-4Sedado profundamente, movimento apenas ao estímulo físico
-5Não responsivo a qualquer estímulo

A aplicação da escala é simples, rápida (leva cerca de 30 a 60 segundos) e pode ser feita por qualquer profissional treinado. Primeiro, o paciente é observado por agitação ou comportamento combativo. Se não houver agitação, o avaliador tenta acordá-lo com voz normal e depois, se necessário, com estímulo físico.

Para que serve a escala RASS?

A escala RASS é usada para: 

Monitorar a profundidade da sedação

A escala RASS ajuda a evitar tanto a sub-sedação (com risco de autoextubação, lesão e agitação) quanto o excesso (com risco de delirium, hipotensão, infecção e internação prolongada). 

Ajustar doses de sedativos com base em um alvo predefinido 

Permite calibrar a sedação conforme o objetivo terapêutico estabelecido, sendo especialmente útil em protocolos com interrupção diária da sedação.

Detectar agitação precoce 

Facilita a identificação precoce de estados de agitação que podem indicar dor, hipoxemia, síndrome de abstinência ou falha na sedação.

Apoiar a decisão clínica de extubação

Contribui para a avaliação do nível de consciência adequado ao desmame ventilatório, apoiando decisões mais seguras de extubação.

Integrar o diagnóstico de delirium

Quando combinada com outras ferramentas, como a CAM-ICU, a RASS auxilia na detecção de delirium em pacientes críticos.

Além disso, a escala é um componente fundamental nas diretrizes internacionais de sedação e analgesia em pacientes críticos, como as da Society of Critical Care Medicine.

Qual o alvo de sedação ideal?

A resposta curta é: depende do contexto clínico. No entanto, as diretrizes internacionais e evidências atuais apontam que na maioria dos casos, o alvo ideal está entre -2 e 0 na escala RASS, o que representa um paciente levemente sedado, responsivo a estímulos verbais, com facilidade de interação com a equipe.

Esse alvo favorece o chamado modelo de sedação leve, que está associado a:

  • Menor tempo de ventilação mecânica;
  • Redução da incidência de delirium;
  • Redução do tempo de internação na UTI;
  • Melhores desfechos funcionais a longo prazo.

Doses elevadas de sedativos, com alvos de sedação mais profunda (-4 ou -5), estão relacionadas a maiores taxas de pneumonia associada à ventilação, sepse secundária, imobilidade prolongada e complicações neurológicas.

Enquanto o escore -1 (sonolento, acorda à voz) apresenta melhor associação com a capacidade de seguir comandos, um marcador importante de prontidão para desmame e recuperação neurológica.

Por isso, a abordagem atual prioriza o conceito de sedação mínima necessária: o suficiente para manter conforto e segurança, sem comprometer a avaliação neurológica ou dificultar o desmame.

Em que situações a sedação profunda é necessária?

Apesar da preferência pela sedação leve, existem situações clínicas bem definidas em que uma sedação profunda (RASS -3 a -5) é necessária:

  • Hipertensão intracraniana ou TCE grave: a sedação reduz o consumo cerebral de oxigênio, evita picos hipertensivos e ajuda a controlar a pressão intracraniana;
  • Ventilação protetora na SDRA grave com hipóxia refratária: quando há necessidade de controle rigoroso da mecânica respiratória;
  • Uso de bloqueadores neuromusculares: para garantir conforto e evitar sofrimento inadvertido;
  • Estado de Mal refratário: onde o coma induzido pode ser necessário para cessar a atividade elétrica anormal.

E situações onde ela pode ser avaliada:

  • Risco iminente de autoextubação ou agressividade, especialmente em pacientes sem boa resposta a sedativos em doses usuais.
  • Ventilação com sincronia difícil, em que a luta contra o ventilador compromete a oxigenação ou a estabilidade hemodinâmica; Mas ATENÇÃO! A causa da assincronia pode ser justamente o oposto – excesso de sedação.

Nesses casos, o objetivo é garantir segurança clínica e controle de parâmetros fisiológicos. No entanto, deve-se monitorar constantemente a necessidade dessa sedação profunda e buscar reduzi-la assim que possível.

Limitações da escala RASS

Apesar de ser amplamente utilizada, a escala RASS não está isenta de limitações:

Avaliação subjetiva do profissional

A aplicação da escala RASS depende da observação clínica, o que pode introduzir variações subjetivas entre profissionais. No entanto, o uso de protocolos padronizados ajuda a reduzir essas diferenças.

Não avalia analgesia ou delirium

A RASS não mensura analgesia nem delirium. Assim, um paciente pode estar adequadamente sedado segundo a escala, mas ainda sentir dor ou apresentar quadro confusional. Por isso, recomenda-se a utilização combinada com outras ferramentas, como a BPS (Behavioral Pain Scale) ou CPOT (Critical Care Pain Observation Tool) para dor, e a CAM-ICU para delirium.

Ineficácia após bloqueio neuromuscular

Em pacientes submetidos a bloqueio neuromuscular, a RASS se torna inutilizável, pois não é possível observar os parâmetros motores necessários para sua aplicação.

Interferências clínicas na interpretação

Condições como encefalopatias, distúrbios metabólicos ou lesões neurológicas podem alterar o nível de consciência e interferir na interpretação dos escores da RASS, dificultando a avaliação precisa da sedação.

Mesmo com essas limitações, a escala continua sendo um dos melhores instrumentos disponíveis para avaliação da sedação em tempo real.

Conclusão

A escala RASS é uma ferramenta essencial para o cuidado intensivo moderno. Simples, validada e de fácil aplicação, ela permite uma avaliação objetiva do nível de sedação, auxiliando na titulação de fármacos e na tomada de decisão clínica.

O entendimento adequado da RASS — seus níveis, indicações, limites e alvos terapêuticos — é indispensável para garantir segurança, eficácia e humanização no cuidado ao paciente crítico.

Na UTI, os pontos na escala podem significar menos tempo de tubo, menos delirium, mais segurança e, principalmente, mais qualidade no cuidado.

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Ana Karoline Bittencourt Alves

Ana Karoline Bittencourt Alves

Professora da Medway. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com Residência em Clínica Médica (2019-2021) e Medicina Intensiva (2022-2025) pela Universidade de São Paulo (USP - SP). Siga no Instagram: @anakabittencourt