Se você está na fase final da sua formação médica ou acaba de se formar, provavelmente já ouviu falar do GINA (Global Initiative for Asthma) – aquele guia que é referência mundial para o manejo da asma. Pois bem, a edição 2025 acaba de ser lançada e traz mudanças significativas que podem impactar diretamente a forma como você diagnostica e trata seus pacientes asmáticos.
Vamos conversar sobre as novidades do GINA 2025 e entender como aplicá-las na nossa realidade brasileira?
Uma das maiores novidades do GINA 2025 é a inclusão de um apêndice exclusivo sobre biomarcadores tipo 2. Finalmente temos uma padronização clara sobre como coletar, interpretar e usar FeNO e eosinófilos sanguíneos!
Você já se pegou na dúvida sobre o que fazer com aquele paciente que tem um FeNO elevado, mas está assintomático? Ou como interpretar a eosinofilia em alguém que faz uso irregular de corticoides? O novo apêndice traz orientações detalhadas sobre essas situações.
É importante lembrar: os biomarcadores têm variação circadiana – eosinófilos costumam estar mais elevados pela manhã, enquanto o FeNO tende a aumentar ao longo do dia. Por isso, a recomendação é sempre fazer mais de uma coleta, em momentos diferentes, antes de tomar decisões importantes como iniciar um biológico.
Na nossa realidade brasileira, onde o acesso ao FeNO ainda é restrito fora dos grandes centros, muitas vezes teremos que nos apoiar apenas na eosinofilia periférica. Mesmo assim, o importante é não tomar decisões baseadas em valores isolados e sempre contextualizar com a clínica.
Essa mudança pode parecer apenas semântica, mas tem um impacto conceitual importante. O GINA 2025 substituiu o termo “limitação variável do fluxo expiratório” por “variabilidade do fluxo expiratório”.
Por que isso importa? Porque reforça que a asma é caracterizada por flutuações na obstrução do fluxo aéreo ao longo do tempo – e não necessariamente pela presença de obstrução no momento do exame. Ou seja, seu paciente pode ter uma espirometria normal hoje, mas ainda assim ter asma.
Para documentar essa variabilidade, além da resposta ao broncodilatador (≥12% e ≥200 mL no VEF1), agora também são aceitos:
Esta última opção é particularmente útil para todos nós que trabalhamos em serviços onde a espirometria não está prontamente disponível. E não são poucos, certo?
Falando nisso, o GINA 2025 formalizou algo que muitos de nós já fazíamos na prática: usar a resposta terapêutica a corticosteroides inalatórios como critério diagnóstico em casos incertos.
Agora você tem respaldo oficial para iniciar um curso de 2 a 3 meses de ICS-formoterol (ou outro ICS disponível) em pacientes com suspeita de asma, mas sem confirmação funcional. A melhora objetiva dos sintomas, da função pulmonar ou da qualidade de vida é considerada evidência indireta de inflamação tipo 2 subjacente.
Isso é especialmente útil para nós que trabalhamos em UBSs ou ambulatórios pediátricos onde a espirometria não está disponível. E falando em pediatria…
Esta é uma mudança paradigmática. O GINA 2025 reconhece oficialmente que o diagnóstico de asma pode – e deve – ser considerado em crianças menores de 5 anos, desde que critérios clínicos apropriados estejam presentes.
Lembra daquelas crianças que ficavam anos sendo rotuladas apenas como “sibilantes recorrentes”? Agora o diagnóstico pode ser feito com base em três elementos:
O capítulo pediátrico foi completamente reescrito e traz orientações mais claras sobre condução terapêutica de acordo com a gravidade e frequência dos sintomas. Uma mudança que pode transformar o prognóstico de muitas crianças brasileiras que, até então, ficavam no limbo diagnóstico.
Sempre teve dúvidas sobre como comparar a fluticasona furoato com outros corticoides inalatórios? O GINA 2025 estabelece que 100 mcg de fluticasona furoato seja considerada dose baixa-média, enquanto 200 mcg corresponde a dose média-alta.
Essa padronização facilita a equivalência entre diferentes esquemas terapêuticos e a escolha da dose mais apropriada para cada step terapêutico. Na prática, isso evita tanto o sub quanto o super-tratamento.
O GINA 2025 reduziu a dose recomendada no Step 4 do Track 2 (aquele que usa SABA como medicação de alívio e ICS-LABA como manutenção). Agora, a orientação é usar exclusivamente doses médias de ICS-LABA, e não mais doses médias a altas como antes.
Essa mudança reflete uma preocupação crescente com os efeitos adversos cumulativos dos corticosteroides inalatórios em altas doses: supressão adrenal, redução de densidade mineral óssea, glaucoma, catarata e, em crianças, atraso de crescimento.
O uso de doses altas deve ser limitado a curto prazo (idealmente 3-6 meses), seguido de reavaliação criteriosa. Quantos pacientes você conhece que estão em doses altas há anos sem revisão? É hora de rever esses casos!
O GINA 2025 retirou formalmente o fenoterol da lista de broncodilatadores recomendados para alívio de sintomas em pacientes com asma, classificando-o como opção não segura devido ao risco aumentado de eventos adversos cardiovasculares.
Embora seu uso tenha diminuído nas últimas décadas, o fenoterol ainda está disponível no Brasil, frequentemente associado a ipratrópio em nebulizações. Em muitos serviços de urgência, especialmente na atenção básica, ele continua sendo utilizado como broncodilatador de escolha.
A recomendação agora é clara: o salbutamol (albuterol) deve ser o agente preferencial para alívio sintomático, seja em dispositivos dosimetrados com espaçador ou em nebulização.
O GINA 2025 introduz uma árvore decisória completamente reorganizada para o diagnóstico e manejo da asma grave. A mudança fundamental? A confirmação formal de asma grave agora deve ocorrer somente após avaliação especializada, posicionada explicitamente no Step 5.
Isso corrige uma falha comum: pacientes classificados precocemente como portadores de asma grave, sem investigação suficiente das causas modificáveis de má resposta terapêutica.
Antes de confirmar o diagnóstico de asma grave, é necessário reavaliar minuciosamente:
Só depois dessa triagem estruturada e de uma tentativa documentada de otimização da terapia, o paciente deve ser considerado candidato ao diagnóstico de asma grave.
Outra novidade importante é a atualização da figura da decisão compartilhada para escolha do dispositivo inalador. O GINA estabelece uma hierarquia de fatores a serem considerados no momento da prescrição, priorizando:
Essa abordagem representa um passo importante em direção à individualização do tratamento e ao empoderamento do paciente.
Biomarcadores e monitoramento contínuo: O GINA 2025 orienta explicitamente que os biomarcadores inflamatórios tipo 2 — como FeNO e eosinófilos sanguíneos — devem ser reavaliados sempre que houver uma alteração significativa no estado clínico do paciente. Isso faz todo sentido, já que as variações nos biomarcadores podem ser influenciadas por múltiplos fatores transitórios, como infecções virais, uso recente de corticosteroides e alterações na adesão ao tratamento.
Na prática, você deve considerar que um paciente previamente classificado como não inflamatório pode apresentar perfil tipo 2 em outra fase da doença, alterando completamente a elegibilidade para terapias direcionadas. Embora no Brasil o acesso sistemático a esses exames ainda seja limitado, quando possível, priorize a repetição da eosinofilia sanguínea antes de decisões terapêuticas importantes.
Planos de ação personalizados: Agora o GINA orienta que os planos de ação escritos para pacientes com asma sejam construídos de acordo com a trilha terapêutica utilizada. Se seu paciente está no Track 1 (ICS-formoterol como manutenção e alívio), o plano deve prever aumento da frequência do mesmo inalador durante crises. Já no Track 2 (ICS fixo + SABA), o plano deve orientar sobre o aumento da dose de SABA, mas com cautela.
Na prática brasileira, muitos planos ainda são genéricos e padronizados — está na hora de revisá-los e personalizá-los, especialmente para pacientes que frequentam repetidamente os serviços de urgência.
Adeus ao magnésio nebulizado: O GINA 2025 exclui de forma definitiva o sulfato de magnésio nebulizado das recomendações para exacerbações de asma, tanto em adultos quanto em crianças. Essa decisão é baseada em evidências que demonstram ausência de benefício significativo em desfechos relevantes.
Nos serviços de emergência brasileiros, o magnésio nebulizado ainda é utilizado em muitos protocolos como parte de esquemas para casos “resistentes” — agora temos embasamento sólido para simplificar esses fluxogramas, focando no que realmente funciona: broncodilatadores adequados e corticosteroides sistêmicos oportunos.
Clima como fator de risco: Pela primeira vez, o GINA reconhece formalmente os eventos climáticos extremos — como ondas de calor e frio intenso — como gatilhos relevantes para exacerbações. No Brasil, com nossa diversidade climática, isso é particularmente importante.
Comece a orientar seus pacientes sobre os riscos associados a variações abruptas de temperatura, especialmente em regiões que experimentam frios intensos e secos, ou durante as crescentes ondas de calor. Considere reforçar o tratamento de manutenção em períodos de maior vulnerabilidade climática, especialmente para pacientes com histórico de descompensação sazonal.
Oxigenação pediátrica repensada: O GINA 2025 altera a recomendação de saturação de oxigênio em crianças com exacerbação asmática. O intervalo antes recomendado de 94–98% foi substituído por um alvo único de ≥94%, reconhecendo explicitamente que o valor da oximetria pode variar de acordo com a cor da pele e a altitude.
Essa mudança é particularmente relevante no Brasil, com nossa diversidade étnica e disparidades no acesso a equipamentos de alta precisão. Na prática, lembre-se sempre de que a oximetria é apenas uma parte da avaliação — o conjunto de sinais clínicos, esforço respiratório e resposta ao tratamento deve guiar suas decisões na emergência pediátrica.
As mudanças do GINA 2025 trazem implicações diretas para sua prática clínica, especialmente se você trabalha em contextos com recursos limitados, como muitos de nós no Brasil:
Embora algumas recomendações do GINA possam parecer desafiadoras em nossa realidade (como o uso regular de FeNO), a diretriz traz avanços importantes na direção de uma medicina mais personalizada e acessível.
O que achou dessas mudanças? Compartilhe suas experiências e vamos construir juntos uma prática mais atualizada e eficiente!
Paraense e professor de Clínica Médica da Medway. Formado pelo Centro Universitário do Estado do Pará, com Residência em Clínica Médica pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Siga no Instagram: @ro.medway