Hemorragia digestiva varicosa no plantão: e agora?

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Hoje é dia de falar sobre a hemorragia digestiva varicosa. Imagine: você está de plantão e, de repente, chega um paciente com hematêmese volumosa. Os familiares chegam desesperados até você com a informação de que o doente é cirrótico. 

De pronto, você imagina: deve-se tratar de uma hemorragia digestiva alta (HDA) por sangramento varicoso. Certo, mas o que fazer? Vamos, agora, discutir o passo a passo do tratamento.

Por que a hemorragia digestiva varicosa ocorre?

Primeiro, é importante entender por que as varizes ocorrem. Bem, no paciente cirrótico, temos uma hipertensão portal decorrente da compressão dos vasos pelos nódulos de regeneração, pela neoangiogênese desenfreada e pela ativação viciosa do sistema renina-angiotensina-aldosterona. 

Consequentemente, são criados vários “novos caminhos” para o fluxo sanguíneo através de shunts e circulações colaterais porto-sistêmicas, resultando em varizes em diversos sítios.

Hemorragia digestiva varicosa no plantão: e agora?
Imagem 1: Fígado cirrótico induzindo a formação de varizes esofágicas e gástricas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/esophageal-varices-128826988 Tradução: Esophageal Varices: varizes esofágicas. Esophagus: esôfago. Liver with cirrhosis: Fígado com cirrose. Stomach: estômago. Portal vein: veia porta.

A formação de varizes e risco de rompimento delas depende do grau de hipertensão portal associado. A pressão portal normal é entre 5 e 10 mmHg. Valores mais elevados são definidos como hipertensão portal. 

O surgimento de varizes geralmente se relaciona a valores acima de 10 mmHg e o risco de rotura e sangramento varicoso ocorre quando a pressão atinge níveis superiores a 12 mmHg.

Aproximadamente metade dos pacientes com cirrose tem varizes esofágicas, e um terço de todos os pacientes com varizes desenvolverá hemorragia varicosa, uma das principais causas de morbidade e mortalidade nestes doentes. 

Por isso, é fundamental saber tratar a HDA varicosa. Vamos, então, conhecer o passo a passo do tratamento.

Tratamento da hemorragia digestiva varicosa

Estabilize o doente

O paciente com HDA varicosa tem altíssimo potencial de mortalidade, então, preste atenção nele! Providencie acessos venosos calibrosos, monitorize o doente, forneça oxigênio se necessário e, se houver rebaixamento do nível de consciência com alto risco de broncoaspiração, proceda à intubação orotraqueal.

Realize o quanto antes também uma ressuscitação volêmica, conforme os valores de pressão arterial média (PAM). Visamos, nestes doentes, uma PAM em torno de 65 mmHg, com uma PAS em torno de 90 mmHg. 

Lembre-se de que valores muito superiores tendem a aumentar a pressão esplâncnica e, consequentemente, perpetuar o sangramento varicoso. Portanto, garanta que o paciente esteja com PAM em torno de 65 mmHg, mas não muito acima disso. 

Inicie a expansão volêmica com cristaloides, 20 mL/kg ou 1 L da solução. Se o doente persistir instável, considere a transfusão de hemácias. De modo geral, indicamos transfusão de hemácias quando os níveis de hemoglobina são <7 g/dL para a maioria dos pacientes, com o objetivo de manter a hemoglobina em um nível entre ≥7 g/dL e < 9 g/dL. 

No entanto, para pacientes com risco aumentado de sofrer eventos adversos no contexto de anemia (ou seja, aqueles com doença arterial coronariana instável ou sangramento ativo contínuo), nosso objetivo é manter a hemoglobina em um nível ≥ 9 g/dL.

Considere ainda transfundir plaquetas se os níveis forem inferiores a 50 mil (usualmente 1 unidade a cada 10 kg de peso). A transfusão de plasma e outros componentes hemostáticos deve ser avaliada nos casos de transfusão maciça e sangramento incoercível.

Controle o sangramento

O controle efetivo do sangramento é feito por terapia endoscópica – ligaduras elásticas em varizes esofágicas e cianoacrilato nas gástricas. Portanto, entre em contato com o endoscopista ou centro de referência o mais rápido possível. 

O ideal é que esse paciente seja submetido a terapia endoscópica nas primeiras 12 horas. Você pode ajudar o endoscopista prescrevendo eritromicina ou algum outro pró cinético que auxilie no esvaziamento gástrico e, assim, permita melhor visualização das varizes.

Antes da endoscopia, porém, podemos tentar controlar o sangramento ainda na sala vermelha com os vasoconstritores análogos de somatostatina, que geram vasoconstrição dos leitos vasculares esplâncnicos, reduzindo o fluxo portal e, consequentemente, a pressão venosa nas varizes. 

As medicações mais usadas são a terlipressina e o octreotide. Elas reduzem a mortalidade, promovem uma melhora hemodinâmica e reduzem o risco de ressangramento. 

No Brasil, o vasoconstritor mais disponível é a terlipressina, que deve ser administrada em uma dose inicial de 2 mg IV a cada quatro horas e pode ser titulada até 1 mg IV a cada quatro horas uma vez que a hemorragia esteja controlada. 

A terapia farmacológica é tipicamente continuada por três a cinco dias após a cessação do sangramento. Se indisponíveis, podemos ainda fazer uso da noradrenalina, embora os resultados sejam piores com esta droga.

Na persistência do sangramento sem possibilidade de terapia endoscópica, uma opção terapêutica de emergência é o uso de balões endoscópicos. Eles visam estancar diretamente o sangramento. Seu funcionamento é variável, dependente da técnica e o risco de complicações é alto e, portanto, seu uso deve ser evitado ao máximo.

Existem três tipos diferentes: o tubo de Sengstaken-Blakemore (que possui um balão gástrico de 250 cc, um balão esofágico e uma única porta de sucção gástrica), o tubo de Minnesota (um tubo de Sengstaken-Blakemore modificado com uma porta de sucção esofágica acima da balão), e o tubo Linton-Nachlas (que possui um único balão gástrico de 600 cc).

Se por uma situação de exceção você tiver que utilizar um destes, faça o seguinte: 

  1. Intube o paciente para garantir a proteção de via aérea; 
  2. Teste o balão antes de inseri-lo; 
  3. Insira o balão até 50 cm pela narina ou boca, idealmente com xilocaína geléia; 
  4. Insufle 100 mL de ar e confira com a radiografia de abdomen se o balão se encontra no estômago (abaixo do diafragma); 
  5. Após confirmação de posição, preencha o balão com mais 350mL de ar e campleie a entrada; 
  6. Puxe levemente o tubo até sentir resistência, deixando o balão na junção gastroesofágica e prenda firmemente o tubo mantendo leve tensão; 
  7. Se o sangramento não parar e o tubo usado for o Sengstaken Blakemore, insufle o balão esofágico até 30 mmHg; 
  8. O tubo deve permanecer por no máximo 24-48h, devendo-se desinsuflar a via esofágica de 12/12h para verificar ressangramentos. 
Imagem 2: Balão esofágico. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/weiss-tear-upper-gastric-ulcer-portal-2138928339. Tradução: Esophageal port: Via esofágica. Gastric aspiration port: via de aspiração gástrica. Gastric baloon port: via do balão gástrico. Esophagus: esôfago. Esophageal baloon: balão esofágico. Gastric baloon: balão gástrico. Stomach: estômago. Sengstaken blakemore balloon tamponade: Tamponamento por balão de Sengstaken-Blakemore . Esophageal varices: varizes esofágicas. Bleeding: sangramento
Imagem 2: Balão esofágico. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/weiss-tear-upper-gastric-ulcer-portal-2138928339. Tradução: Esophageal port: Via esofágica. Gastric aspiration port: via de aspiração gástrica. Gastric baloon port: via do balão gástrico. Esophagus: esôfago. Esophageal baloon: balão esofágico. Gastric baloon: balão gástrico. Stomach: estômago. Sengstaken blakemore balloon tamponade: Tamponamento por balão de Sengstaken-Blakemore . Esophageal varices: varizes esofágicas. Bleeding: sangramento.

Se o sangramento não puder ser controlado endoscopicamente (10-20% dos pacientes), as opções de tratamento incluem a colocação de derivação portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS) ou derivação cirúrgica. 

O TIPS é geralmente preferido como terapia definitiva porque está associado a uma alta taxa de sucesso (90 a 100 por cento dos pacientes atingirão a hemostasia).

Prescreva antibiótico

O paciente com hemorragia varicosa é muito propenso a infecções, especialmente peritonite bacteriana espontânea. Assim, todos devem receber profilaxia antibiótica, antes mesmo da endoscopia digestiva alta. 

Normalmente, usamos um antibiótico de amplo espectro, como a ceftriaxona (1 g por via intravenosa diariamente por sete dias).

Para pacientes que recebem alta antes de sete dias de antibioticoterapia intravenosa, fazemos a transição para um antibiótico oral, como ciprofloxacina (500 mg a cada 12 horas), para completar um total de sete dias de antibioticoterapia. Além de reduzir infecções, seu uso parece reduzir o risco de ressangramentos!

Curtiu saber mais sobre a hemorragia digestiva varicosa?

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Hoje ficamos por aqui, pessoal! Até a próxima!

Referências

  1. Uptodate: Overview of the management of patients with varicela bleeding.

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Gabriela CarolinaBorges

Gabriela Carolina Borges

Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Clínica Média pela mesma instituição e Gastroenterologia pela USP-RP.