Lesão renal aguda: como tratar?

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Olá! Hoje vamos discutir um pouco sobre o tratamento da lesão renal aguda. Com certeza, em algum momento, você já deve ter se deparado com pacientes apresentando creatininas elevadas ou com queda da diurese. 

Quando enviar esses pacientes para a emergência? Como tratar? Vamos conhecer agora um pouco mais sobre o tema. Vem com a gente!

O que é lesão renal aguda?

Por definição, a lesão renal aguda compreende qualquer declínio abrupto e geralmente reversível na taxa de filtração glomerular (TFG), que se manifesta pelo aumento de escórias e redução do débito urinário. 

Diante de um paciente com esses critérios, devemos sempre começar tentando estabelecer a causa da LRA e sua gravidade.

As causas de LRA são múltiplas e serão discutidas separadamente. É importante, sempre que possível, a sua identificação para que o fator agressor seja corrigido ou retirado. 

Em linhas gerais, existem causas de lesão que provocam: 

  • hipoperfusão renal, sendo por isso denominadas “pré renais” (desidratação, sangramentos, sepse, etc); 
  • lesão renal direta, chamadas de “renais” (medicamentos nefrotóxicos, contrastes, glomerulonefrites, etc); 
  • obstrução do fluxo urinário, recebendo o termo de “pós renais” (nefrolitíases, massas intra abdominais ou pélvicas, etc). 

Assim, o doente deve ser minuciosamente avaliado a fim de tentarmos identificar a causa de base e tentar sua reversão.

Outro passo fundamental é a classificação da lesão renal aguda. Isso porque a gravidade determina o prognóstico e, consequentemente, o tratamento. 

Pacientes em estágio 1 de disfunção usualmente podem ser acompanhados ambulatorialmente enquanto aqueles em estágios 2 e 3 podem requerer atendimento emergencial ou até mesmo intensivo. 

A definição mais utilizada é derivada do “Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) que define lesão renal aguda como:

  • aumento da creatinina sérica em ≥0,3 mg/dL (≥26,5 micromol/L) em 48 horas;
  • aumento da creatinina sérica para ≥1,5 vezes a linha de base, que se sabe ou se presume ter ocorrido nos sete dias anteriores;
  • volume de urina <0,5 mL/kg/hora por seis horas.

Desde que realizada a correção de potenciais hipovolemias e de obstruções do fluxo urinário, o doente deve ser classificado segundo a definição de AKIN, que é baseada nas definições já descritas e define os seguintes estágios de LRA:

  • Estágio 1: aumento da creatinina sérica para 1,5 a 1,9 vezes a linha de base, ou aumento da creatinina sérica em ≥0,3 mg/dL (≥26,5 micromol/L), ou redução na produção de urina para <0,5 mL/kg/hora por 6 a 12 horas.
  • Estágio 2: aumento da creatinina sérica para 2,0 a 2,9 vezes o valor basal ou redução do débito urinário para <0,5 mL/kg/hora por ≥12 horas.
  • estágio 3: aumento da creatinina sérica para 3,0 vezes a linha de base, ou aumento da creatinina sérica para ≥4,0 mg/dL (≥353,6 micromol/L), ou redução do débito urinário para <0,3 mL/kg/hora por ≥24 horas, ou anúria por ≥12 horas, ou o início da terapia de substituição renal, ou , em pacientes <18 anos, diminuição da taxa de filtração glomerular (TFGe) estimada para <35 mL/min/1,73 m 2.

Como você deve ter percebido, devemos sempre solicitar ureia e creatinina sérica dos doentes suspeitos de LRA. Além desses exames, é importante também a investigação de distúrbios hidroeletrolíticos (principalmente a calemia) e distúrbios ácido-básicos, pelo risco de acidose metabólica grave.

Quais pacientes necessitam de tratamento urgente?

Alguns distúrbios que decorrem da LRA podem levar a risco de morte iminente e, portanto, devem ser tratados com urgência dialítica. Veja abaixo quais são estas condições:

Hipervolemia refratária: pacientes com oligoanúria grave podem progredir com edema pulmonar grave, ocupação do espaço alveolar por transudato e, consequentemente, hipoxemia grave. 

Esses doentes devem ser submetidos à ventilação não invasiva para auxiliar no recrutamento alveolar e à diureticoterapia, usualmente com furosemida 0,5-2mg/kg. 

Caso não haja resposta diurética satisfatória (>0,5mL/kg/h) e normalização do padrão oximétrico e respiratório, a hemodiálise de urgência deve ser indicada.

Hipercalemia refratária: calemias > 6,5mEq/L associadas a anormalidades eletrocardiográficas ou fraqueza muscular intensa, ou ainda pacientes com hipercalemia leve com tendência à piora (sangramentos intestinais que gerarão absorção contínua de potássio ou rabdomiólise). 

Podemos citar, também, os pacientes que não respondem ao uso de medidas clínicas (solução polarizante com insulina e glicose para induzir a entrada de potássio no meio intracelular; diuréticos de alça; resinas de troca iônica que absorvem potássio no trato digestivo). 

Síndrome urêmica: pacientes com sinais de uremia grave como pericardite, ou um declínio inexplicável do estado mental.

Acidose metabólica refratária: usualmente pacientes com pH<7,1 ou bicarbonato < 10.

Intoxicações agudas por substâncias dialisáveis: pacientes com intoxicações exógenas por lítio, metanol e metformina, por exemplo, devem ser dialisados.

Quais pacientes precisam ser encaminhados imediatamente ao nefrologista?

Lembre-se sempre de que o encaminhamento ao especialista é uma conduta fundamental e pode salvar a vida do doente! Não sabemos tudo de clínica médica e o especialista sempre pode contribuir aos cuidados do paciente. 

Assim, devemos encaminhar todo paciente que apresentar falha às tentativas iniciais de manejo da lesão renal aguda ou apresentar forte suspeita de glomerulonefrite (como em um paciente com LRA, hematúria e proteinúria).

Causas reversíveis de lesão renal aguda que devo identificar e tratar?

Para organizar didaticamente seu raciocínio sobre o tratamento das LRA, siga o passo a passo:

  1. Revise a prescrição e elimine possíveis insultos: é muito comum o uso de medicamentos que geram LRA. 

Ao identificar um aumento de escórias no seu doente, suspenda sempre que possível medicamentos como antiinflamatórios não esteroides (AINEs), inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRAs) e nefrotoxinas (por exemplo, antibióticos aminoglicosídeos, piperacilina-tazobactam, anfotericina, tenofovir, quimioterapia nefrotóxica), pelo menos na fase aguda da LRA. 

Se possível, substitua medicamentos por outros menos lesivos aos rins e sempre corrija as doses pela função renal. Se disponível, solicite o nível sérico dos medicamentos para melhor ajuste da dosagem. 

Lembre-se de que a taxa de filtração é subestimada nos quadros de LRA, assim, mais que a TGF em si, observe a tendência da creatinina. Se a creatinina sérica estiver subindo rapidamente (ou se apenas um único valor inicial estiver disponível), a TFG deve ser presumida como 0 mL/min e os medicamentos devem ser dosados ​​de acordo. 

Se a creatinina atingiu um platô e está estável por vários dias ou mais, a creatinina sérica pode ser usada para estimar a TFG (usando uma equação de estimativa).

  1. Corrija hipotensão ou hipovolemia: pressões arteriais médias abaixo de 65-70 mmHg tendem a provocar LRA e devem ser corrigidas. Estabilize seu doente, com realização de expansão volêmica ou uso de drogas vasoativas, a depender do status volêmico do paciente. 

Identificar o paciente “hipovolêmico” pode ser um desafio, especialmente naqueles pacientes crônicos, com múltiplas comorbidades, anasarca e má distribuição de volume. 

Neles, vale uma somatória de estratégias para determinar a volemia do doente: utilize a ultrassonografia da veia cava inferior (se disponível), a análise do débito cardíaco por métodos minimamente invasivos como EV1000 e testes como leg raise. 

O objetivo geral da fluidoterapia é aumentar o débito cardíaco e melhorar a oxigenação tecidual em pacientes que são dependentes da pré-carga ou responsivos ao volume. 

Se a hipovolemia for confirmada por avaliação clínica, administramos 1 a 3 litros de cristaloide (de preferência cristaloide tamponado) com avaliação da resposta clínica. 

Para pacientes responsivos ao volume com uma resposta robusta no débito urinário e melhora na TFG, e com evidência persistente de hipovolemia ou incapacidade de manter o equilíbrio hídrico, continuamos com fluidos isotônicos de manutenção a 75 mL/hora ou mais, dependendo das perdas contínuas. 

Pacientes que não respondem ao volume administrado com aumento do débito urinário ou diminuição da creatinina sérica provavelmente não têm doença pré-renal e são mais propensos a ter necrose tubular aguda.

  1. Evite exames contrastados: após uma LRA, o uso de contrastes iodados deve ser limitado. Devemos solicitar tais exames apenas em casos excepcionais, como a realização de cateterismo em um doente com infarto agudo do miocárdio. 

Nesses casos, deve-se usar a menor dose possível de agente de contraste e medidas profiláticas padrão devem ser administradas, principalmente com hidratação antes do procedimento.

  1. Corrija hipervolemia, se houver: a hipervolemia pode estar presente na avaliação inicial ou ocorrer devido à administração excessiva de líquidos no contexto de capacidade prejudicada de excretar sódio e água. 

Isso é especialmente verdadeiro para pacientes com sepse que geralmente recebem ressuscitação agressiva com fluidos intravenosos. Nestas condições, a congestão renal é quem prejudica a filtração. Portanto, diuréticos, especialmente os de alça, devem ser utilizados.

Como tratar as consequências da lesão renal aguda?

A LRA, quando não cursa com as urgências dialíticas já citadas, determina uma série de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos que devem ser manejados pelo médico assistente. Vamos abordar os mais comuns:

Hipercalemia: conforme já vimos, a hipercalemia pode ser manejada clinicamente na ausência de urgências (alterações eletrocardiográficas ou musculares graves). 

O tratamento específico da hipercalemia é direcionado a antagonizar os efeitos do potássio na membrana, direcionando o potássio extracelular para dentro das células ou removendo o excesso de potássio do corpo, através das soluções polarizantes, membranas de troca iônica e diuréticos.

Hiperfosfatemia: devemos restringir o fósforo dietético a <2 g por dia em todos os pacientes com LRA. 

Os aglutinantes de fosfato (carbonato de cálcio, sevelamer, hidróxido de alumínio) podem ser prescritos em pacientes com fósforo <5,5 mg/dL ou hipocalcemia grave, ou ainda aqueles com tendência a liberação de fósforo prolongadamente (casos de rabdomiólise e síndrome de lise tumoral).

Acidose metabólica: podemos administrar bicarbonato naqueles pacientes sem urgência dialítica. Os diuréticos podem ser usados ​​em pacientes não oligúricos para prevenir a hipervolemia e aumentar a excreção de ácido. 

A meta de nível sérico de bicarbonato é de 20 a 22 mEq/L e a meta de pH é >7,2. A taxa de administração de bicarbonato depende da gravidade da acidose e do estado do volume do paciente. 

Uma estratégia razoável é administrar 3 ampolas (ou 150 mEq) de bicarbonato de sódio em 1 L de Glicose 5% a uma taxa que é determinada pela gravidade da acidose e pela capacidade do paciente de tolerar a carga de volume. 

Comprimidos orais de bicarbonato de sódio ou solução de citrato de sódio também podem ser usados ​​em pacientes que são capazes de tolerar a administração oral de medicamentos e que apresentam acidose leve (bicarbonato > 18 mEq/L). 

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Referências

  1. Uptodate: Overview of the management of acute kidney injury (AKI) in adults
  2. Uptodate: Evaluation of acute kidney injury among hospitalized adult patients

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Gabriela CarolinaBorges

Gabriela Carolina Borges

Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Clínica Média pela mesma instituição e Gastroenterologia pela USP-RP.