Mães médicas enfrentam um dos maiores desafios da carreira: conciliar a maternidade na Medicina. Afinal, essa é uma profissão marcada por plantões exaustivos, emergências inesperadas e jornadas que muitas vezes ultrapassam 60 horas semanais.
A maternidade, por sua vez, exige presença, cuidado e tempo, justamente os elementos que a rotina médica tende a consumir em excesso. Mas será que é possível conciliar tudo isso e ter sucesso em ambos os aspectos da vida?
Para responder a essa pergunta, mergulhamos no universo de médicas que escolheram ser mães e precisaram encontrar o equilíbrio possível entre as duas missões: cuidar da vida dos pacientes e criar seus próprios filhos. Confira!
Mas antes, é preciso mencionar que muita coisa tem mudado quando o assunto se volta para a presença de mulheres na Medicina. Dados da Demografia Médica 2025 apontam que, pela primeira vez na história, as mulheres passarão a ser maioria entre os médicos no Brasil.
Em 2025, elas devem representar 50,9% do total da categoria, um crescimento significativo em relação a 2010, quando respondiam por 41% dos profissionais. As estimativas apontam que, até 2035, esse percentual deve chegar a 56%.
Na formação médica, a presença feminina também tem aumentado de forma consistente. Em 2010, as mulheres correspondiam a 53,7% dos alunos de graduação em Medicina, número que subiu para 61,8% em 2023.
Apesar desse avanço, a predominância feminina ocorre em apenas 20 das 55 especialidades médicas. A área com maior participação delas é a Dermatologia, onde representam 80,6% dos especialistas.
Mesmo com números e perspectivas animadoras para as mulheres, quando se trata de maternidade na Medicina, como a jornada acontece? Para ilustrar essa realidade, entrevistamos três mulheres que trabalham na área e que têm diferentes especialidades, experiências e histórias de vida. São elas:
Elas enfrentaram seus próprios dilemas, venceram muitos obstáculos, se tornaram mães incríveis, e, é claro, reafirmaram a paixão pela profissão ao longo da vida. Uma inspiração e tanto, não é mesmo?
Para Liduina, por exemplo, a maternidade foi uma experiência marcante e desafiadora. Ter filhos sempre foi um sonho, mas sem a família por perto e sem rede de apoio, precisou se adaptar. Reduziu os dias de consultório, revezava plantões com o marido e contou com a ajuda de uma funcionária de longa data.
Ela lembra que, nos plantões noturnos, o marido dizia que cuidar das crianças em casa era mais cansativo que a maternidade. Apesar da rotina intensa em UTIs e consultório, Liduina acredita que a experiência como mãe a tornou uma Pediatra melhor, mais sensível e inspirada pelos cuidados com as filhas.
Sorane Alcântara também viu a maternidade como um grande desafio, mas acredita que ela trouxe benefícios para sua atuação médica. Desde a infância, sonhava em ser médica e mãe, e se emocionou ao ver a filha seguir os mesmos passos.
Mas ela reconhece que ser mãe mudou sua postura profissional, tornando-a mais empática e acolhedora. Sem essa vivência, acredita que teria uma abordagem mais rígida no consultório.
De acordo com dados do IBGE, em 2022, 56,6% das mulheres entre 25 e 54 anos com filhos estavam inseridas no mercado de trabalho. Entre aquelas sem filhos nessa mesma faixa etária, o índice era mais alto: 66,2%.
A diferença se torna ainda mais evidente quando comparada aos homens. No mesmo levantamento, 89% dos homens com filhos de até 6 anos estavam empregados, enquanto entre os que não tinham filhos a taxa era de 82,8%. Ou seja, além da diferença ser menor entre os homens, o padrão se inverte: entre eles, a presença de filhos pequenos está associada a uma maior inserção no mercado.
A idade das crianças também influencia diretamente a ocupação das mulheres. Em 2019, por exemplo, 54,6% das mulheres entre 25 e 49 anos com filhos de até 3 anos estavam trabalhando. Já entre aquelas da mesma faixa etária, mas sem filhos ou com filhos mais velhos, a taxa de ocupação era de 67,2%. Isso mostra uma diferença de 12,6 pontos percentuais, evidenciando como a maternidade, especialmente nos primeiros anos da criança, impacta significativamente a participação das mulheres no mercado de trabalho.
Apesar dos desafios, existem leis que garantem certos direitos às mães no mercado de trabalho. Entre os principais, estão:
No regime CLT, a mãe tem direito a 120 dias de licença, podendo ser estendida para 180 dias se a empresa estiver cadastrada no programa Empresa Cidadã.
Estabilidade no emprego: a trabalhadora não pode ser demitida desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Até os seis meses do bebê, a mãe tem direito a dois intervalos de 30 minutos durante o expediente para amamentar.
Embora não seja um direito garantido para todas, algumas categorias ou acordos coletivos preveem ajustes na jornada durante a primeira infância do bebê.
Esses direitos são fundamentais, mas, na prática, nem sempre são respeitados – especialmente quando falamos de profissionais autônomas ou em regime de plantão, como acontece com muitas médicas.
A Medicina é uma das profissões que mais exigem da rotina e da energia de quem a exerce. São horas em hospital, consultórios, viagens para congressos, atualização constante e, em muitos casos, uma jornada dupla ou tripla de trabalho.
A maternidade, nesse contexto, pode parecer incompatível ou, no mínimo, desafiadora. Afinal, além do tempo, há também o custo emocional.
Médicas muitas vezes se veem divididas entre a responsabilidade com os pacientes e a culpa por não estarem presentes em casa. Os plantões noturnos e as escalas de fim de semana dificultam a criação de uma rotina familiar estável, o que pode impactar tanto na vida da profissional quanto na do filho.
Outro ponto crítico é o financeiro. Médicas autônomas, que dependem de consultas particulares ou procedimentos, não contam com os benefícios de uma licença remunerada. Isso significa que muitas retornam ao trabalho precocemente, por necessidade.
Dessa forma, cada médica tem uma forma única de viver a maternidade dentro da carreira. Para algumas, é necessário mudar de especialidade, buscando áreas com horários mais previsíveis ou menor carga de plantões. Para outras, é preciso reduzir atendimentos ou reorganizar os objetivos profissionais a curto e médio prazo.
Não é raro que mães médicas desenvolvam quadros de ansiedade, estresse crônico e até depressão no pós-parto. A culpa por não estar com os filhos, o medo de perder espaço no mercado e a exaustão física se somam a um ambiente muitas vezes pouco acolhedor para a maternidade.
A cobrança – tanto interna quanto externa – é intensa. Há uma expectativa de excelência profissional, e, ao mesmo tempo, de total dedicação à maternidade. Esse cenário alimenta um ciclo de frustração e desgaste que, se não for reconhecido e tratado, pode comprometer seriamente a saúde mental da profissional.
Mesmo diante de tantos desafios, as médicas que entrevistamos encontraram estratégias para lidar com a sobrecarga. Por exemplo, Bruna Cesaretti reconhece que a experiência da maternidade transformou profundamente sua forma de atuar como médica.
Para ela, esse processo trouxe uma nova percepção sobre si mesma, revelando o quanto, antes, ela agia com certa arrogância ou endurecimento em algumas situações. A maternidade, segundo Bruna, ampliou sua empatia e sensibilidade no exercício da profissão, proporcionando um olhar mais humano e compreensivo diante dos pacientes e das demandas que são excessivas na rotina médica.
Embora não exista uma fórmula mágica, algumas estratégias ajudam a equilibrar os dois mundos. A seguir, destacamos algumas delas!
Organizar a rotina de forma realista é um dos pilares para conciliar a vida profissional e pessoal. Isso envolve montar escalas com antecedência, prever horários de alimentação e descanso para o bebê, combinar com o parceiro ou familiares os turnos de cuidado e até planejar momentos de pausa para si.
Além disso, Bruna Cesaretti destaca que ter um filho envolve responsabilidade financeira, já que a criança precisa de cuidados básicos, como fraldas, e merece receber o melhor possível:
“A criança vive, você precisa ter responsabilidade financeira, a criança precisa de fraude, a criança precisa de tudo de bom que você pode proporcionar para ela”, comenta Bruna.
Além disso, ela ressalta que, ao cursar uma faculdade como Medicina, a pessoa assume também uma responsabilidade intelectual maior, o que torna ainda mais inaceitável agir com irresponsabilidade diante da criação de um filho.
Para ela, não se pode colocar uma criança no mundo apenas por desejo, sem o devido preparo, e defende que, sempre que possível, a maternidade deve ser planejada: “a gente admite que quando, por exemplo, você tem um um ensino superior e fez uma faculdade como uma faculdade medicina, você tem uma responsabilidade intelectual maior. Então você não pode ser irresponsável com uma criança”.
Liduina conta que, ao relembrar sua rotina intensa, às vezes se surpreende por ter conseguido dar conta de tudo. Ela chegou a trabalhar simultaneamente em duas UTIs e ainda atender em consultório.
Reconhece que só foi possível conciliar tudo isso graças ao apoio do marido, que dividia as responsabilidades, e de uma funcionária que esteve com a família por mais de três décadas, oferecendo suporte essencial no dia a dia: “pensando agora, nem sei como consegui trabalhar em duas UTIs e no consultório. Sem a ajuda do meu marido não teria conseguido. Também tive a ajuda de uma funcionária que trabalhou 33 anos na nossa casa”, explica.
Hoje, ao ver suas filhas já adultas, formadas, íntegras e bem encaminhadas profissionalmente, Liduina sente um grande orgulho. Para ela, esse resultado é a confirmação de que, mesmo diante das dificuldades, fez as escolhas certas ao longo da vida.
Flexibilidade é essencial. Nem sempre será possível fazer tudo, e tudo bem. Saber priorizar tarefas, delegar o que for possível e aceitar que algumas metas precisarão ser adiadas são atitudes fundamentais para manter o equilíbrio.
A Bruna também relata que, todos os dias, ao acordar com o sorriso do filho e o carinho dele apertando sua bochecha, sente que já ganhou o dia — uma sensação que, segundo ela, não trocaria por dinheiro algum. Ela reconhece que a maternidade torna tudo mais desafiador, que os dias parecem ainda mais curtos, mas afirma que, para quem sonha em ser mãe, esse sonho vale a pena.
Para ela, é possível se reorganizar e rever prioridades, porque, embora o aspecto financeiro seja importante, o amor que se sente por um filho é tão intenso e verdadeiro que nada é comparável a ele.
Perguntamos às nossas entrevistadas que conselho elas dariam para médicas ou estudantes que desejam ser mães, mas têm medo de não conseguir conciliar as duas jornadas. As respostas foram inspiradoras.
Liduina afirma que, olhando para sua trajetória, sente que fez as escolhas certas. Para ela, o principal conselho para as médicas que desejam ser mães é não abrir mão dos próprios sonhos. Acredita que, com equilíbrio entre carreira e cuidados com os filhos, é possível realizar ambos. Ela também expressou gratidão à mãe, por todo o apoio e ensinamentos ao longo do caminho: “O conselho que daria para as médicas que sonham em ser mães seria para nunca desistir dos seus sonhos. O segredo é conciliar o trabalho e os cuidados com os filhos. Obrigada a minha mãe pelos ensinamentos”.
Já Sorane relatou que, por ter optado por atuar em consultório particular e seguir uma especialidade predominantemente feminina, a maternidade foi bem recebida no ambiente profissional. Segundo ela, sempre teve muito apoio, e sua filha era tão bem acolhida que chegou a ser apelidada de “mascote” pelos colegas. Ela reforça que nunca enfrentou dificuldades nesse aspecto e comenta que se esse é o seu sonho, vale muito a pena ir em frente.
Lidar com maternidade na Medicina é um desafio diário, mas também uma experiência transformadora. Com planejamento, apoio e empatia, é possível exercer ambas as funções com paixão e propósito.
Então, se você é estudante de Medicina, residente ou médica já atuante e pensa em ser mãe, esperamos que este conteúdo tenha trazido acolhimento, inspiração e informações úteis para sua jornada! No mais, continue acompanhando nosso blog para mais conteúdos sobre carreira médica, e prepare-se ainda melhor para seu futuro.
Professora da Medway. Formada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Catanduva (FAMECA), com residência em Pediatria pela Escola Paulista de Medicina/Univerisdade Federal de São Paulo (EMP-UNIFESP). Siga no Instagram: @pucca.medway