No cenário da medicina de emergência, onde o tempo é fator determinante entre a vida e a morte, ferramentas diagnósticas rápidas e eficazes fazem toda a diferença. O Protocolo FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) surgiu como uma das principais estratégias na triagem de pacientes vítimas de trauma, especialmente aqueles instáveis hemodinamicamente.
Utilizando a ultrassonografia à beira-leito, o protocolo permite, em poucos minutos, identificar a presença de líquido livre em cavidades como peritônio, pericárdio e, em sua versão estendida (E-FAST), na cavidade pleural.
Neste artigo, você entenderá o que é o FAST, como ele funciona, quais janelas são avaliadas, suas indicações, limitações e evidências, além de ver como esse conhecimento é frequentemente cobrado nas provas de residência médica.
Vamos nessa?
O que é o Protocolo FAST?
O FAST é um exame ultrassonográfico point-of-care, não invasivo e de execução rápida, voltado à triagem inicial de pacientes com trauma abdominal ou torácico. Seu objetivo principal é detectar líquido livre em cavidades corporais, o que pode representar:
É amplamente utilizado em pronto-socorros e UTIs, tornando-se parte integrante do atendimento ao trauma grave, principalmente em pacientes instáveis que não podem ser encaminhados imediatamente para tomografia.
Indicações do FAST
O protocolo é utilizado como ferramenta de triagem em protocolos como o ATLS (Advanced Trauma Life Support), sendo indicado, principalmente, em contextos de:
Trauma abdominal fechado com instabilidade hemodinâmica;
Trauma penetrante toracoabdominal, com suspeita de sangramento interno;
Trauma torácico com suspeita de tamponamento cardíaco;
Avaliação seriada do paciente politraumatizado;
Situações em que o paciente não pode ser transportado para exames complementares.
Técnica e janelas do FAST
O exame é realizado com transdutor convexo (geralmente de 2–5 MHz), com o paciente em decúbito dorsal, podendo ser adaptado conforme as condições clínicas.
Janelas do protocolo FAST e E-FAST
O FAST clássico envolve quatro janelas ultrassonográficas principais:
1. Janela pericárdica (subxifoide ou paraesternal)
Avalia a presença de líquido pericárdico.
Diagnóstico de tamponamento cardíaco.
Técnica: transdutor posicionado subxifoide com orientação cranial e angulação posterior.
Linha médica, abaixo do apêndice xifóide (subcostal)Sem alterações do pericárdioPresença de líquido anecóico pericárdico (seta), no cenário de trauma, compatível com hemopericárdio
2. Quadrante superior direito (QSD)
Avalia o espaço hepatorrenal (espaço de Morrison) e o diafragma.
Diagnóstico de hemoperitônio entre fígado e rim direito.
Linha axilar média (8º a 11º arcos costais). Espaço hepatorrenal no tórax lateralLíquido livre no espaço hepatorrenal
3. Quadrante superior esquerdo (QSE)
Avalia o espaço esplenorrenal e o diafragma.
Importante na detecção de sangramento próximo ao baço.
Linha axilar posterior (6 a 9º arcos costais). Espaço esplenorrenal no tórax lateralEspaço pleural normal. Ausência de líquido no espaço periesplênico ou espleno-renal (FAST negativo)Presença de líquido no espaço periesplênico e espleno-renal (FAST positivo)
4. Janela suprapúbica
Avaliação transversal e sagital do fundo de saco: Vesicouterino (mulheres) e Vesicorretal (homens)
Identifica líquido na cavidade pélvica.
Linha medial, supra-púbicaPresença de líquido apenas na bexiga (FAST negativo)Presença de líquido livre posterior (fora) à bexiga (FAST positivo)Presença de líquido livre posterior (fora) à bexiga (FAST positivo)
Essas janelas são organizadas de forma a cobrir os principais pontos de acúmulo de sangue livre nas posições de repouso do paciente.
E-FAST: o que muda?
O E-FAST (Extended FAST) adiciona duas janelas torácicas ao protocolo original, permitindo a investigação de:
5. Hemotórax
Detecção de líquido pleural nas bases pulmonares (mesma janela de visualização dos espaços hepatorrenal e esplenorrenal)
Avaliado com o transdutor nas linhas axilares médias.
Derrame pleural, que no contexto de trauma deve caracterizar hemotórax direito (líquido acima de diafragma)
6. Pneumotórax
Identificado pela ausência de deslizamento pleural (o normal seria identificar as pleuras visceral e parietal movendo-se uma contra a outra, mas isso não acontece no pneumotórax)
Pode ser confirmado pelo uso do modo M: O deslizamento normal do pulmão cria um artefato granulado sob a linha pleural, é o “sinal da praia”. No cenário de um pneumotórax, a imagem fica estática e sem granulações (como o subcutâneo) caracterizando a ausência de deslizamento pleural – conhecido como sinal de “código de barras” ou “estratosfera”.
Pode ser feito com transdutor linear ou convexo em áreas anteriores do tórax (geralmente 2º ao 4º espaço intercostal nas linhas hemiclaviculares)
Linha hemiclavicular bilateralmenteAvaliação de deslizamento pleuralModo M (unidimensional) – A demonstra a granulação do parênquima pulmonar em um exame normal (sinal da praia); B temos a ausência de deslizamento pleural – conhecido como sinal de “código de barras” ou “estratosfera”
Dessa forma, o E-FAST se torna uma ferramenta ainda mais abrangente, incluindo o tórax nas investigações rápidas à beira-leito.
Benefícios do protocolo FAST
Rapidez: pode ser realizado em menos de 5 minutos.
Repetibilidade: pode ser feito em série para acompanhar evolução clínica.
Portátil: feito à beira-leito com aparelhos de ultrassom portáteis.
Seguro: não utiliza radiação ionizante.
Alta especificidade: excelente para confirmar presença de líquido livre.
Autonomia médica: pode ser realizado por médicos não radiologistas, desde que treinados.
Limitações e cuidados na interpretação
Estudos mostram que o FAST tem especificidade entre 91-100%, o que o torna confiável para decisão cirúrgica em pacientes instáveis. No entanto, apesar das vantagens, o FAST não está isento de limitações:
Sensibilidade moderada: varia entre 47–69% para cavidade abdominal e pericárdica, menor para pneumotórax e hemotórax em trauma penetrante. Pode ser ainda menor para pequenos volumes de líquido;
Pouca eficácia em lesões retroperitoneais;
Dificuldade em pacientes com: obesidade, enfisema subcutâneo e trauma penetrante com múltiplas cavidades lesadas.
Dependência do operador: a qualidade da imagem e da interpretação está diretamente ligada à experiência do médico.
Por isso, o FAST é considerado mais útil como exame de “rule-in” (confirmar suspeita), e não de exclusão diagnóstica. Exames seriados (repetidos ao longo da evolução clínica) aumentam a sensibilidade e ajudam na monitorização da resposta terapêutica.
O FAST também pode ser particularmente valioso em ambientes com restrição de acesso à tomografia, como em hospitais de pequeno porte, ou em contextos militares e pré-hospitalares.
FAST nas provas de residência
Sim, o FAST e o E-FAST são frequentemente cobrados em provas de residência médica. Aparecem principalmente em:
Interpretação de imagens ultrassonográficas (ex: líquido anecóico em bolsão de Morrison).
Identificação das janelas do protocolo.
Discussão das vantagens e limitações do método (especialmente para sangramentos de retroperitônio)
Dominar o protocolo FAST é, portanto, essencial não apenas na prática clínica, mas também para quem está se preparando para concursos médicos.
Conclusão
O protocolo FAST representa uma das ferramentas mais valiosas na abordagem inicial do trauma. Sua rapidez, segurança e aplicabilidade à beira-leito permitem que decisões críticas sejam tomadas com maior embasamento e agilidade. Apesar de suas limitações, o FAST, especialmente em sua forma estendida (E-FAST), é um pilar da medicina de emergência moderna.
Para médicos, estudantes e profissionais que atuam no atendimento ao trauma, entender o que é o FAST, como aplicá-lo e quais são suas indicações e limitações é fundamental — tanto para salvar vidas, quanto para garantir um bom desempenho em provas de residência. E aí, o que achou do conteúdo? Para ter acesso a mais posts sobre a prática médica e se preparar para as provas de residência, continue acompanhando nosso blog!
Professora da Medway. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com Residência em Clínica Médica (2019-2021) e Medicina Intensiva (2022-2025) pela Universidade de São Paulo (USP - SP). Siga no Instagram: @anakabittencourt