A cefaleia em salvas (cluster headache) é um dos tipos mais intensos que o ser humano pode sentir. Ela faz parte do grupo trigêmino-autonômicas, caracterizado por dor unilateral acompanhada por sintomas autonômicos.
Antes de partir para a definição, confira uma vinheta clínica: um homem de 38 anos, sem comorbidades prévias, chega ao PS alegando que começou a apresentar episódios muito fortes de cefaleia periorbitária à direita há três dias.
Ele relata que até tem vontade de bater a cabeça na parede e apresenta lacrimejamento, vermelhidão ocular, queda palpebral e coriza ipsilateral. A esposa do paciente diz que ele fica desesperado, andando pela casa, extremamente agitado e inquieto.
Nesses últimos dias, a dor o despertou diariamente às 2h30 da madrugada, como se fosse um “despertador”. Cada episódio durava cerca de 1h, com cessação espontânea. Chegou a sair de casa para ir ao PS, mas, antes de chegar, a dor passou completamente.
Hoje, ele vem ao PS porque, minutos após tomar uma taça de vinho, a dor começou novamente e persiste há 2h. Você tenta atendê-lo, mas ele não para de andar de um lado para o outro e só consegue pedir por algo para passar essa dor. Você sabe como conduzir adequadamente esse caso?
A prevalência na população geral é baixa (menos que 1%). Como é uma dor muito intensa, praticamente todos esses pacientes vão passar por algum PS em algum momento da vida. Porém, afinal, você sabe o que é cefaleia?
Basicamente, o tipo em salvas é uma cefaleia primária, trigêmino-autonômica, de etiologia desconhecida, que acomete principalmente homens (proporção 4:1). É caracterizada por crises de dor excruciante, unilateral, localizada na região orbitária, supraorbitária e/ou temporal.
A condição é acompanhada por fenômenos autonômicos ipsilaterais (lacrimejamento, ptose, miose, coriza, injeção conjuntival, obstrução nasal e sudorese) e/ou agitação/inquietação. Cada episódio dura de 15 min a 180 min e ocorre 1 vez a cada 2 dias, podendo acontecer até 8 vezes ao dia.
Outra marca muito importante é a periodicidade: é comum que os pacientes tenham crises de dor que seguem um “relógio biológico”. Por exemplo: crises de dor em todo o outono, que começam às 2h da manhã.
Nos casos, de 80 a 90% dos casos que duram de 7 dias a 12 meses e, logo depois, remitem por pelo menos 3 meses são classificados como salvas episódicas. O restante compreende a cefaleia em salvas crônicas.
O diagnóstico é feito com pelo menos cinco episódios de dor conforme descrição acima (intensa, unilateral, orbitária, supraorbitária ou temporal, de 15 min a 180 min). Somado a isso, deve haver presença de qualquer fenômeno autonômico ou agitação e inquietação.
Sendo assim, o diagnóstico é clínico. Porém, algumas patologias potencialmente graves (do seio cavernoso ou da hipófise) podem ser a causa (nesse caso, chamada secundária). Então, recomenda-se exame de imagem para excluir patologias secundárias como etiologias do quadro.
Agora que a suspeita diagnóstica foi feita, veja como ela deve ser tratada da melhor maneira possível. O tratamento depende do momento em que o paciente se encontra.
A primeira tentativa deve sempre ser feita com oxigênio em alto fluxo (12 L/min, com máscara reinalante, por 15 min ou 20 min), mas atenção: não é tramadol ou morfina. Uma alternativa é o uso de sumatriptano de 6 mg via subcutânea, que, se estiver indisponível, pode ser trocado pela via intranasal.
Vale lembrar que a via oral demora mais tempo para fazer efeito e, como as crises não são demoradas, talvez passem sozinhas antes da medicação agir. Outras opções para casos refratários são derivados do ergot por via oral, lidocaína tópica ou octreotide subcutâneo.
Nos tratamentos para cefaleia em salvas, indica-se prednisona na dose de 60 a 100 mg ao dia, com desmame gradual, para episódios curtos (menores de 2 meses). Já para episódios prolongados ou em salvas crônicas, indica-se verapamil na dose de 240 a 960 mg/dia.
Outras opções com menor grau de evidência são lítio, topiramato, galcanezumabe, bloqueios anestésicos, valproato, entre outros. A respeito da simulação de caso apresentada, temos um paciente do sexo masculino, adulto, com as manifestações clínicas características de cefaleia em salvas.
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Paranaense nascido em 1990. Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) de Curitiba em 2014. Residência em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Palo (HCFM-USP), concluída em 2019. No HCFM-USP, experiência como preceptor dos residentes entre 2019-2020. Concluiu um fellowship em Neuroimunologia em 2021. Experiência como médico assistente do departamento de Neuropsiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). "As doenças são da antiguidade e nada se altera sobre elas. Somos nós que mudamos na medida em que estudamos e aprendemos a reconhecer o que antes era imperceptível."