Síndrome genitourinária da menopausa: os efeitos da idade na saúde urogenital

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Fala, pessoal! O assunto de hoje é a síndrome genitourinária da menopausa. O climatério, como sabemos, é o período da vida da mulher caracterizado por alguns sintomas relacionados à redução dos hormônios produzidos durante o menacme. É comum observarmos uma mulher de meia-idade, por volta dos 50 anos, queixando-se dos “calorões”, os fogachos, que são a expressão clínica dos sintomas vasomotores relacionados à redução do estrogênio decorrente da depleção dos folículos ovarianos.

Mas e a longo prazo, quais as repercussões da menor concentração de estrogênio sistêmica? Como isso afeta a qualidade de vida das mulheres que já passaram pela menopausa há alguns anos? Vamos juntos ver os efeitos do hipoestrogenismo na região genital e como isso pode afetar o dia-a-dia das mulheres. E claro, o que podemos fazer para contornar esses problemas.

Antes de falarmos da síndrome genitourinária, vamos às definições

Em primeiro lugar, vamos fazer algumas definições. 

Menopausa

A menopausa é uma data definida de forma retrospectiva. Podemos determinar a menopausa quando uma mulher permaneceu 1 ano sem menstruar, sem que haja associação de outras condições fisiológicas ou patológicas que possam explicar essa ocorrência. Em média, ela ocorre aos 51,4 anos de idade e está relacionada à depleção folicular dos ovários e à elevação do hormônio folículo estimulante (FSH)

Climatério

O climatério corresponde a um período de tempo, que se inicia antes da menopausa e se mantém após ela (perimenopausa). Esse período é caracterizado por ciclos menstruais irregulares, alterações endocrinológicas, labilidade emocional e os fogachos tão característicos.

Menopausa precoce

Consideramos a menopausa como “precoce” quando ela ocorre antes dos 

40 anos, o que pode acontecer em até 1% das mulheres. Atualmente, denominamos essa condição de Insuficiência Ovariana Prematura (IOP) – mas isso dá pano para um outro texto aqui deste blog.

Síndrome Urogenital (ou Genitourinária) da Menopausa (SUM)

A Síndrome Urogenital (ou Genitourinária) da Menopausa é um conjunto de sintomas relacionados à falta de exposição ao estrogênio nos pequenos e grandes lábios, vestíbulo vaginal, canal vaginal, uretra e bexiga. A sua principal manifestação clínica ocorre a partir da identificação de ressecamento vaginal, que pode estar associado a sintomas irritativos, como polaciúria e prurido vulvar. E é sobre esses sintomas que vamos conversar aqui mais a fundo!

Fisiopatologia: por que esses sintomas da síndrome genitourinária são tão comuns?

O epitélio vaginal estratificado e não-queratinizado possui receptores para estrogênio ao longo de toda a sua apresentação. Durante o menacme, os níveis de estradiol são variáveis a depender do momento do ciclo menstrual, porém se mantém constantemente elevados – há um pico pré-ovulatório (350 pg/ml) e níveis mais reduzidos durante o período da menstruação (30 pg/ml).

Com a depleção folicular da menopausa, a produção de estradiol é minimizada, havendo uma redução de 95% nos níveis de estradiol, que se mantém continuamente por volta de 5 pg/ml. Quem sofre com isso é o trofismo genital!

O estrogênio é responsável por manter o epitélio vaginal multiestratificado, espesso e produzindo glicogênio. Uma vez que o glicogênio é produzido, ele pode ser convertido em ácido láctico pelos bacilos de Döderlein, presentes na microbiota normal da vagina. Com isso, ocorre a acidificação do meio vaginal, que é mantido com um ph entre 3,5-4,5, o que permite o desenvolvimento de uma flora vaginal normal e equilibrada, que atua protegendo a região urogenital e vaginal de microorganismos patogênicos.

A súbita redução desse estímulo estrogênico na pós-menopausa, ao longo dos anos, gera afinamento das camadas superficiais do epitélio vaginal, ocasionando a atrofia tão característica dessa fase da vida. Com isso, há também perda do pregueado mucoso vaginal, redução de sua elasticidade e redução da secreção vaginal. Como não há mais produção de glicogênio e ácido lático, o pH vaginal se eleva acima de 5, alterando a microbiota local.

atrofia vaginal, sintoma de Síndrome genitourinária da menopausa

Mas quais as consequências dessa atrofia?

Com o epitélio menos espesso, há uma maior suscetibilidade à traumas locais, que podem levar a sangramentos e ulcerações. Além disso, o tecido fica mais exposto à infecções, especialmente àquelas bactérias que crescem em pH mais alcalino, como é o caso de espécies de Streptococci e Staphylococci.

Agora imaginem tudo isso acontecendo também no epitélio urinário, que recobre a uretra, por exemplo. Essa atuação concomitante ocorre devido à semelhança desses dois tecidos epitelial, o vaginal e o urinário, ambos com a mesma origem embrionária. Com camadas mais finas, mais terminações nervosas ficam expostas, gerando sintomas irritativos, como prurido, urgência miccional e polaciúria.

Apresentação clínica da síndrome urogenital ou genitourinária

Depois de toda essa explicação, fica muito fácil entender quais são os sintomas da Síndrome Urogenital da Menopausa! Em pacientes pós-menopausa, ou com algum fator que gere hipoestrogenismo, nós iremos observá-lo frequentemente.

Queixas vaginais

Como sintomas vaginais, as pacientes apresentam queixas de ressecamento vaginal, prurido e irritação local, bem como redução da lubrificação vaginal durante a relação sexual. Isto pode gerar desconforto e dispareunia de penetração e até sangramentos (sinusorragia). Com relações dolorosas, cria-se um ciclo de evitação da atividade sexual, que se soma à redução do desejo e da excitação decorrentes das quedas hormonais típicas dessa faixa etária. 

Outra queixa bastante comum é a leucorreia, que pode ser fétida e amarelada, decorrente do crescimento de microorganismos patogênicos.

Queixas urinárias

Quanto aos sintomas urinários, é bastante típico a paciente queixar-se de “infecções urinárias de repetição” que não melhoram mesmo após antibiótico. Alguma sugestão do porquê essas “infecções” não melhoram? Acertou quem respondeu que é porque isso não é uma infecção de urina!

Os sintomas são bastante semelhantes, com disúria, polaciúria, hematúria e urgência miccional, porém as uroculturas volta e meia vem negativas. Nesses casos, não há dúvida que a causa dos sintomas é decorrente da atrofia vaginal, que deve ser tratada para melhorar a qualidade de vida dessa mulher. Porém, cuidado. Essas mulheres estão sim mais sujeitas a infecções urinárias, visto que o epitélio genital está mais vulnerável, fino e com defesas reduzidas.

Tratamento da síndrome genitourinária da menopausa

Bom, quanto à identificação dessa síndrome não há mais dúvidas! Vamos ver o que nós podemos fazer para melhorar esses sintomas!

Sintomas sistêmicos associados

Para as mulheres que apresentam fogachos em associação com sintomas urogenitais, não há dúvidas que a terapia de reposição hormonal (TRH) sistêmica será a melhor forma de abordagem. Claro, sempre respeitando as suas indicações e contraindicações, bem como sua via de aplicação e regimes terapêuticos – avaliar via oral vs. transdérmica; estrogênio isolado vs. estrogênio + progesterona. 

Nessas mulheres, a manutenção de níveis sistêmicos mais elevados de estradiol levará a um maior trofismo genital, tratando os sintomas.

Sintomas Genitourinários isolados

Por outro lado, em pacientes que têm queixas somente locais, sem fogachos, não há indicação de TRH sistêmica. Para estes casos, devemos reservar o uso de terapias tópicas locais.

Hidratantes e lubrificantes vaginais: duas coisas; dois usos diferentes!

O uso de hidratantes e lubrificantes vaginais não-hormonais é considerada primeira linha no tratamento da Síndrome Genitourinária da Menopausa. 

Os lubrificantes vaginais devem ser usados de forma constante, 2 ou 3 vezes durante a semana. Em sua composição, contêm polímeros, como a policarbofila, que agregam moléculas de água, retendo-as na camada epitelial por mais tempo.

Fazendo uma analogia com os hidratantes de pele, que devem ser usados cronicamente para aumentar a retenção de líquido pelo tecido e, dessa forma, melhorar o seu trofismo, os hidratantes vaginais atuam aumentando a concentração de líquido na mucosa vaginal, melhorando sua elasticidade, mesmo sem levar a proliferação das camadas celulares.

Por outro lado, os lubrificantes agem como uma barreira lubrificante temporária, devendo ser utilizados somente durante a atividade sexual, para trazer mais conforto às relações e minimizar o trauma na mucosa atrófica. Por isso, são uma terapia adjuvante aos hidratantes vaginais e à terapia hormonal tópica ou sistêmica.

Terapia estrogênica tópica 

Em casos moderados a severos ou naqueles em que não há melhora com o uso de hidratantes vaginais, preparações tópicas com estrogênios em baixa dose são as mais indicadas. Para indicar essas medicações, devemos atentar a algumas contraindicações, como, por exemplo, o histórico prévio de alguns tumores hormônio-dependentes – mesmo que a absorção sistêmica do estradiol seja mínima quando aplicado por via vaginal.

No Brasil, temos preparações com dois princípios ativos, o estradiol e o promestrieno, ambos estrogênios, sendo o segundo com um efeito um pouco mais brando que o primeiro. De forma similar aos hidratantes, eles devem ser usados cronicamente, de 2 a 3 vezes por semana.

Com a adequação dos níveis estrogênicos no epitélio vaginal, há uma reestabilização do pH ácido vaginal, proliferação e espessamento epitelial, aumento da vascularização vaginal com consequente aumento de sua lubrificação, que irá resultar na redução do ressecamento e da dispareunia. No trato urinário, há redução dos sintomas irritativos e das infecções de repetição, devido ao aumento das defesas locais.

Outras medicações

Ospemifeno: é um SERM, ou seja, um modulador seletivo do receptor de estrogênio, que atua como agonista estrogênico no epitélio vaginal, sem apresentar efeitos mamários ou endometriais. Dessa forma, foi aprovado pelo como tratamento da dispareunia causada por atrofia vuvlovaginal em pacientes na pós-menopausa. Apesar disso, ainda não está disponível no Brasil.

Testosterona: algumas preparações tópicas de testosterona são utilizadas off-label para tratamento de atrofia vulvovaginal, com certa evidência demonstrando efeitos benéficos na espessura da mucosa e na redução dos sintomas associados. Devido ao seu efeito na libido, pode ser uma boa forma de associação terapêutica em pacientes que apresenta desejo sexual hipoativo em associação com os sintomas da Síndrome Genitourinária da Menopausa. 

Conclusão

Ficou claro que a atrofia vulvovaginal é um problema que afeta uma grande parcela das mulheres, especialmente na pós-menopausa. Atualmente, com  aumento da expectativa de vida, esse período da vida pode se estender por dezenas de anos e não deve, de forma alguma, ser negligenciado. A saúde genital e sexual são parte fundamental da qualidade de vida; manter uma vagina lubrificada pode ser a resposta para se ter uma longevidade mais feliz!

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MarceloLucchesi Montenegro

Marcelo Lucchesi Montenegro

Paranaense, nascido em Curitiba em 1991. Formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2016, com residência em Ginecologia e Obstetrícia na UNICAMP, concluída em 2019. Especialização em Ginecologia Endócrina e Reprodução Humana pela USP-RP em 2019 até 2020. Tem experiência como fellow em Reprodução Humana pela clínica NeoVita, em São Paulo (SP). Nada vem de graça, os resultados refletem a sua dedicação! Siga no Instagram: @dr.marcelomontenegro