Síndrome simpatomimética: da clínica ao tratamento

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Intoxicações exógenas são causas recorrentes no PS com graus variados de gravidade e a cocaína está entre as principais substâncias responsáveis pela síndrome simpatomimética, uma das manifestações de intoxicação exógena

A cocaína, as anfetaminas e os derivados das anfetaminas, além de descongestionantes nasais e cafeínas, são chamados simpaticomiméticos e têm como efeito a estimulação do sistema nervoso central, dentre outras consequências fisiológicas adrenérgicas.

Síndrome simpatomimética: fisiopatologia

Os agentes simpatomiméticos promovem estimulação da atividade simpática através de: aumento de liberação de catecolaminas, bloqueio da recaptação e interferência no metabolismo de estimulação direta de receptores adrenérgicos B1 e A1.

Clínica da síndrome simpatomimética

Os principais efeitos clínicos dos simpatomiméticos são:

  • estimulação do sistema nevoso central;
  • diaforese;
  • hipertensão;
  • hipertermia;
  • aumento do tônus motor;
  • midríase;
  • taquicardia (pode levar a arritmia);
  • alucinações.

Atenção!

A apresentação clínica irá depender da dose, via de administração e tempo de apresentação após o uso de drogas.

Em todo paciente com síndrome simpatomimética devemos suspeitar de intoxicação por cocaína e crack. A presença de pó nas narinas, lesões na mucosa nasal e queimaduras nos dedos são fortes indicativos. 

Como citado no começo do texto, a morte por overdose aguda de cocaína é significativamente maior em dias com temperaturas superiores a 31 graus, possivelmente como resultado da capacidade prejudicada do indivíduo de se esfriar em temperaturas mais quentes. 

A diaforese profunda associada à cocaína pode estar ausente ou limitada em ambientes mais frios, ou se o paciente estiver excessivamente desidratado.

Manejo

As ações tomadas durante estas primeiras etapas do atendimento são cruciais. Como a etiologia da condição do paciente muitas vezes não é clara, a prioridade inicial é reconhecer e tratar o delírio e a agitação que ameaçam a vida. 

Os pacientes, geralmente, estão inconscientes ou não cooperativos, logo, é importante tentar obter histórico com familiares e paramédicos. 

A avaliação inicial deve focar em complicações rapidamente fatais, especificamente hipertermia, emergências hipertensivas e arritmias cardíacas

Logo, se atente a esses itens:

  1. avaliação rápida de sinais vitais e estabilização. A hipertermia é um evento de alto risco, e a temperatura corporal deve ser reduzida rapidamente;
  2. monitorização;
  3. punção de acessos venosos periféricos calibrosos;
  4. avaliação de vias aéreas. Em caso de ausência de via aérea, proceder à via aérea definitiva. Em caso de necessidade de intubação, evitar o uso de quetamina, por seu efeito hipertensivo e de succinilcolina, pois essa pode prolongar o efeito;
  5. avaliação da respiração: se presença de hipoxemia, o2 suplementar;
  6. avaliação cardiovascular. Em caso de hipotensão, realizar expansão volêmica com 10-20 ml/kg de solução cristaloide; se hipotensão refratária, adicionar droga vasopressora precocemente;
  7. avaliação do nível de consciência: atente-se também à avaliação das pupilas, movimentos anormais e  síncope
  8. sedação farmacológica com benzodiazepínicos. Diazepam 5 a 10 mg endovenoso a cada 5-10 minutos;
  9. exposição total do paciente;
  10. realizar medidas de descontaminação;
  11. coleta de exames. A pesquisa de drogas na urina auxilia no diagnóstico e a CK, por exemplo, um marcador não específico para lesão muscular, é muitas vezes elevada com o uso de cocaína;
  12. solicitar eletrocardiograma. É realizado para arritmias e anormalidades de condução por isquemia, hipercalemia ou, mais precipitadamente, prolongamento do QRS a partir do bloqueio dos canais de sódio.
  13. excluir hipoglicemia e hiponatremia;
  14. medidas de para aumento de eliminação do fármaco ou tóxico.

Atenção!

A hipertermia deve ser tratada com arrefecimento rápido, pois os pacientes que sustentam temperaturas elevadas, acima de 41 °C por mais de 20 minutos, ficam suscetíveis a evoluir com falência múltipla de órgãos. 

O manejo da hipertermia se baseia em dois pilares: resfriamento e monitorização.

O resfriamento é realizado com infusão rápida de cristaloide, já a monitorização ocorre por sonda retal e exames laboratoriais. 

Os exames, além de auxiliarem no controle da hipertermia, podem direcionar o tratamento e a realização de outros mais específicos. Em intoxicações, exames complementares indicados incluem: 

  • hemograma completo;
  • bioquímica completa com eletrólitos de sódio;
  • potássio e função renal;
  • exames de função hepática;
  • urina 1;
  • teste de gravidez;
  • toxicológico de urina;
  • gasometria arterial;
  • se suspeita de acidose, lactato sérico e glicemia capilar.

Tratamento da síndrome sinpatomimética

Tenha em mente: o tratamento empírico começa antes dos resultados laboratoriais. Além disso, em conjunto com a avaliação inicial e estabilização, é preciso impedir a absorção sistêmica do tóxico no organismo é primordial.

Para escolha da medida de descontaminação , tudo irá depender da via de exposição. As principais medidas de descontaminação são:

  • descontaminação cutânea: o paciente deve ser despido e a pele lavada em quantidade abundante de água;
  • descontaminação ocular: realizar anestesia local com anestésico tópico e proceder à lavagem com soro fisiológico (0,9%);
  • descontaminação gástrica: pode ser realizada por três métodos principais: lavagem gástrica, carvão ativado e lavagem intestinal. Em diretrizes passadas, era indicado xarope de ipeca para a descontaminação, mas não é mais indicado devido à sua eficácia limitada

Apesar das medidas de descontaminação, os pacientes podem aparecer ao pronto-socorro com mais de duas horas de exposição ou com tempo de exposição incerto. 

Esse grupo é ainda mais relevante a identificação a substância exógena para o manejo adequado. Alguns compostos vão ser eliminados naturalmente pelo corpo, outros, se eliminados por via urinária ou hepática irão causar prejuízos. 

Dessa forma, existem métodos externos para isso, como a alcalinização hepática, métodos dialíticos e emulsão intravenosa de lípides.

Por fim, o tratamento também irá variar de acordo com os sintomas. Por exemplo: se houver agitação ou convulsão, usaremos diazepam. Em caso de hipertensão, devemos evitar betabloqueadores, pois eles provocam hipertensão paradoxal e aumentam a vasoconstrição coronariana. Para tratar taquicardia, precisaremos de lidocaína e bicarbonato de sódio.

Angina: nitratos, bloqueador canal cálcio

Casos de IAM: conduta padrão (exceto quanto aos beta-bloqueadores)

Pacientes com intoxicação aguda leve ou moderada devem ser mantidos em observação entre 6-8 horas. Em caso de dor torácica, obter marcadores de necrose seriados antes da alta, e hipertermia ou sintomas neurológicos realizar observação prolongada.

É isso!

Esperamos ter esclarecido as dúvidas em torno da síndrome sinpatomimética e qual é o manejo correto dessa condição. Aqui, no nosso blog, disponibilizamos uma série de conteúdos sobre Medicina de Emergência e residência médica para contribuir com sua preparação.

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Referências

VELASCO, I.; BRANDÃO NETO, R; SOUZA, H.; MARINO, L.; MARCHINI, J; ALENCAR, J. MEDICINA DE EMERGÊNCIA: ABORDAGEM PRÁTICA. MANOLE. 2020 

WALLS, R., HOCKBERGER, R., GAUSCHE-HILL, M. Rosen Medicina de Emergência: Conceitos e Prática Médica. GEN Guanabara Koogan. 2019.

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AmandaMazetto

Amanda Mazetto

Formação em Medicina na Universidade Nove de Julho pelo FIES. Pesquisa no Instituto do Coração de São Paulo da Faculdade de Medicina da USP.