Toracocentese: tudo que você precisa saber

Conteúdo / Medicina de Emergência / Toracocentese: tudo que você precisa saber

Ao avaliar um paciente com queixa de tosse ou dispneia, é comum identificar um derrame pleural nos exames de imagem. Nesse caso, a toracocentese é um procedimento médico, não sendo competência exclusiva de cirurgiões ou clínicos

Então, não deixe de saber todos os detalhes. Além de serem superimportantes para a vida, eles aparecem bastante em provas de residência! A seguir, entenda uma série de detalhes sobre o que é toracocentese.

O que é derrame pleural?

O líquido pleural fisiológico é incolor, viscoso, de função lubrificante, produzido pela pleura parietal e reabsorvido pela pleura visceral, com um volume residual de cerca de 20 mL.

Diversas células e proteínas são responsáveis pela manutenção da pressão oncótica em equilíbrio com a pressão hidrostática. Quando algum desses componentes sai do equilíbrio, é possível que um derrame pleural se forme.

Propedêutica

Na suspeita de um derrame pleural, faça um exame físico do tórax bem completo e com bastante atenção. À inspeção e à palpação, observe assimetria da expansibilidade torácica, estando diminuída, geralmente, na base do hemitórax acometido.

À percussão, em vez de som claro pulmonar, note uma macicez no hemitórax acometido, que pode ir da base até o ápice (em casos volumosos), dependendo do tamanho do derrame.

A ausculta é semelhante: encontre assimetria do murmúrio vesicular, com diminuição ou abolição no hemitórax acometido. Com relação aos sintomas, o paciente pode ser desde assintomático até referir dor torácica do tipo pleurítica, dispneia, taquipneia, tosse, febre, entre outros.

Exames de imagem

Para ajudar no diagnóstico de derrame pleural, o principal exame é o raio x de tórax, que pode ser solicitado nas incidências PA, perfil e famoso “Laurel” (decúbito lateral com raios horizontais).

O raio x do derrame pleural pode mostrar o velamento do seio costofrênico e a parábola (linha ou curva) de Damoiseau (ou sinal do menisco).

De forma geral, estima-se que, em derrames com menos de 200 mL, encontra-se apenas a opacificação dos seios costofrênicos posteriores, vista no raio x em perfil (daí a importância de solicitar ao menos 2 incidências, sempre que possível).

Já em derrames com volume de 200 mL a 300 mL, encontra-se a opacificação dos seios costofrênicos laterais. Em derrames volumosos, com 5 L, tem-se a opacificação de todo o hemitórax.

Ultrassonografia

Outro exame complementar que ganha cada vez mais importância é a ultrassonografia (USG), que evidencia o Sinal da Água Viva (ou Jellyfish, como algumas bibliografias gostam de falar): a “ponta” do lobo inferior pulmonar “boiando” no derrame. A USG tem uma importância enorme na realização da toracocentese e é considerada superior à radiografia em diagnosticar e quantificar derrames. 

A tomografia computadorizada (TC) de tórax é outro exame possível. Se for realizada na posição supina, ela mostra o derrame acumulado nos recessos pleurais posteriores. No entanto, nenhum desses exames de imagem conseguem isoladamente distinguir o tipo do derrame pleural, sendo indicada a toracocentese para essa finalidade.

Vale lembrar de não precisar puncionar casos em que o derrame pleural é classicamente secundário a uma insuficiência cardíaca descompensada! Parta para o tratamento clínico inicialmente. Se não houver resposta ou fatores atípicos na história clínica, saiba quando fazer toracocentese.

O que é toracocentese?

O procedimento da toracocentese (do grego kéntesis, perfuração) é invasivo, envolvendo a introdução de agulha no espaço pleural para remover fluidos ou ar acumulado (é importante diferenciar de drenagem pleural: inserção de um dreno tubular na cavidade pleural).

A toracocentese pode ter função diagnóstica ou terapêutica. De forma terapêutica, as indicações de toracocentese ocorrem, principalmente, no derrame pleural volumoso e no pneumotórax (especialmente, o hipertensivo).

Como diagnóstico, ela é usada como coleta de material para anatomia patológica, para análise bioquímica e para diferenciação de transudato x exsudato. Como contraindicações relativas à toracocentese, há:

  • coagulopatias;
  • infecção cutânea no sítio da punção;
  • paciente não cooperativo (avalie fazer sob anestesia);
  • paciente com tosse descompensada;
  • instabilidade hemodinâmica (de forma geral, tente estabilizar o paciente antes do procedimento, exceto nos casos de pneumotórax hipertensivo, em que a punção é terapêutica, por exemplo).

Também se atente para o volume puncionado: é necessário ao menos 10 mm de espessura do derrame visualizado por exame de imagem para ser passível de punção. A seguir, veja as possíveis complicações da toracocentese:

  • pneumotórax;
  • hemotórax por lesão de vasos intercostais;
  • edema de reexpansão (por isso, não é recomendado drenar mais de 1.500 mL em uma única toracocentese);
  • dor no local da punção;
  • empiema;
  • infecção de tecidos moles;
  • punção acidental de vísceras abdominais, como fígado e baço.

Como a toracocentese é feita?

Afinal, como fazer Toracocentese? Ela pode ser realizada à beira-leito ou em regime ambulatorial, com segurança. Pode ser necessário monitoramento com oximetria e eletrocardiograma, por exemplo, em pacientes com alto risco de descompensação.

Como todo procedimento, sempre inicie se apresentando, explicando a técnica e as complicações, além da permissão para realizar ao paciente e/ou ao acompanhante.

Confirme a lateralidade e a identificação do paciente utilizando os protocolos de cirurgia segura. Oriente toda a equipe sobre o procedimento e separe o material para toracocentese:

Antisséptico, gazes e pinça para antissepsia
Campo estéril
Anestésico local (por exemplo, lidocaína 1-2%), seringa e agulhas para aplicação da anestesia
Cateter agulhado (“Abocath”), de 14 a 18 Gauge, e seringa para coleta (10 ou 20 mL)
Tubos para coleta do material
Torneira (válvula de controle) de 3 vias
Equipo do tipo macrogotas e frasco coletor (no caso de toracocentese terapêutica)

Aproveite e verifique se há USG disponível, o que vai tornar o procedimento bem mais fácil e seguro. A seguir, aprenda a técnica sem USG, pois nem sempre ele estará disponível, mas é essencial saber utilizá-lo. Vale lembrar que o USG apresenta uma taxa de sucesso de quase 90% dos casos que tiveram falha prévia da punção!

É necessário deixar o paciente na posição que facilite o procedimento, antes de estar “estéril”, porque aí não dá mais para mexer na posição dele sem a possibilidade de contaminação!

Posições recomendadas

A posição mais recomendada para a técnica da toracocentese é o paciente sentado, com os braços cruzados na frente do corpo e apoiados confortavelmente sobre um suporte, deixando o tórax o mais ereto possível.

A opção para pacientes que não podem abandonar o leito ou se sentar (por exemplo, em ventilação mecânica) é o decúbito dorsal com a cabeceira elevada a 45º — puncione na linha axilar média.

Há diversas formas de determinar o sítio da punção: existem literaturas que falam para palpar a ponta da escápula e fazer a punção dois espaços intercostais abaixo dela. Outras recomendam a radiografia torácica pré-procedimento para revisão da localização do derrame. 

Existem recomendações de puncionar de um a dois espaços intercostais abaixo do nível em que a alteração no exame físico for detectada (a redução dos murmúrios vesiculares ou a mudança da percussão de som claro pulmonar para macicez). Nunca puncione abaixo da nona costela (o risco de puncionar a cavidade abdominal é bem mais significativo).

Além disso, é importante lembrar que, assim como a drenagem pleural, vale usar a borda superior da costela inferior na toracocentese, já que, na margem inferior da costela, fica a passagem do feixe vásculo-nervoso, com chance de lesão.

Como o procedimento é estéril, siga todas as técnicas assépticas. Coloque máscara, gorro, óculos de proteção (não é obrigatório, mas é sempre bom para a segurança), faça a lavagem cirúrgica das mãos, vista avental e luvas estéreis. Realize a antissepsia e coloque os campos estéreis.

Anestesia local

Na anestesia local, siga os princípios básicos e sempre se lembre dos três Ps dos planos dolorosos da cavidade torácica: pele, periósteo e pleura parietal. 

Quando o fluido pleural entrar na seringa, observe a profundidade da agulha, recue um pouco e administre anestésico na pleura parietal. É importante não injetar anestésico local no espaço pleural, pois a lidocaína pode ser bactericida para alguns microrganismos, podendo falsear o exame.

Depois, parta para a punção. Palpe o espaço intercostal em que irá entrar, conecte o cateter agulhado à torneirinha de três vias (caso esteja disponível) e a uma seringa. Proceda à inserção no trajeto anestesiado previamente, observando a profundidade e aspirando continuamente. Quando observar a aspiração do líquido pleural, retire a agulha e insira o cateter no espaço pleural.

É muito importante cobrir a abertura da agulha ou do cateter (quando estiver sem seringa) durante a inspiração para evitar a entrada de ar no espaço pleural (formando um pneumotórax iatrogênico).

Caso tenha finalidade apenas diagnóstica, cerca de 50 mL são suficientes. Distribua nos frascos e envie para análise. Inicialmente, faça a inspeção macroscópica do líquido, que pode se encontrar citrino, hemático, quiloso, purulento, achocolatado, entre outros.

Além disso, solicite a análise laboratorial: proteínas totais, LDH, albumina, glicose, pH, celularidade total e diferencial, cultura. A depender da suspeita clínica, podem ser solicitados exames adicionais no líquido pleural, como citologia oncótica (neoplasia), baciloscopia/cultura/PCR para BK e ADA (tuberculose), triglicérides (quilotórax), ureia, creatinina (urinotórax), FAN, fator reumatoide (colagenoses), entre outros.

Caso seja terapêutica, conecte o equipo à torneirinha de 3 vias e a outra ponta em frasco coletor. Preste muita atenção, pois não é recomendado retirar mais que 1.200-1.500 mL, devido ao risco de edema de reexpansão pulmonar (alguns autores citam que há poucas evidências de que o risco de edema seja proporcional ao volume de líquido removido). Após a retirada do líquido, retire o cateter em pausa respiratória e faça um curativo oclusivo.

Radiografia

Não é recomendado fazer radiografia de tórax de controle de rotina após o procedimento (para excluir pneumotórax, documentar o volume de líquido removido e observar os campos pulmonares previamente obscurecidos por líquido) para todos os pacientes. 

Isso só é válido caso ocorra alguma complicação ou dificuldade técnica no procedimento (especialmente pacientes sob ventilação mecânica, se a agulha foi introduzida mais de uma vez, se houve aspiração de ar ou se o paciente desenvolve sinais e sintomas de pneumotórax).

O diagnóstico de pneumotórax hipertensivo é clínico (dor torácica, taquipneia, taquicardia, hipotensão, desvio de traqueia, murmúrio vesicular abolido no hemitórax acometido, distensão venosa no pescoço, hemitórax elevado sem movimentos respiratórios, etc)

Antigamente, fazia-se a punção no segundo espaço intercostal, na linha hemiclavicular do hemitórax acometido. Atualmente, o ATLS preconiza a realização no quinto espaço intercostal imediatamente anterior à linha axilar média (no mesmo local da drenagem pleural).

Antissepsia e anestesia local

Faça a antissepsia e a anestesia local se houver tempo hábil para isso. Insira um cateter agulhado de número 14 ou 16 na borda superior da costela inferior. Se não a técnica for bem-sucedida, tente uma descompressão digital.

Perceba a saída de ar e a melhora clínica do paciente, mas ainda não relaxe por achar que o problema acabou. Com a punção descompressiva, você apenas transformou o pneumotórax hipertensivo em pneumotórax aberto (com fluxo pelo cateter).

Quer aprender mais sobre Medicina de Emergência?

Se você gostou de saber como a toracocentese ocorre e quer aprender muito mais sobre diversos outros temas, o PSMedway, nosso curso de Medicina de Emergência, prepara para a atuação médica na Sala de Emergência. Inscreva-se!

É médico e quer contribuir para o blog da Medway?

Cadastre-se
LaraCochete

Lara Cochete

Nascida em Belém do Pará no ano de 1992. Formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2017, com residência em Cirurgia Geral pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) no Paraná, concluída em 2020. Residência em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Santa Casa de Limeira-SP. "Lembre-se: seu foco determina a sua realidade" (Qui-Gon Jinn em 'Star Wars: A Ameaça Fantasma'). Siga no Instagram: @laracochete