Trauma penetrante em flanco: o que você precisa saber

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E aí, pessoal! Tudo bem? Hoje a gente vai conversar um pouco sobre o trauma penetrante na região dos flancos, vamos lá? Primeiro de tudo, vamos usar a imagem abaixo para nos localizarmos nas regiões do abdome e sabermos onde fica o flanco:

Divisão do abdome. Fonte: ResearchGate.

O trauma penetrante é aquele em que há penetração da parede abdominal. Os principais tipos são os causados por arma de fogo e por arma branca (mais comumente faca), e na região dos flancos as estruturas mais acometidas são os intestinos e rins e vias urinárias.

Os causados por arma branca costumam ter acometimentos mais locais e restritos ao trajeto do objeto. Já os causados por projéteis, pela alta energia cinética envolvida, podem causar lesões adicionais.

Por onde começar o atendimento

Bom, é um paciente vítima de trauma, certo? Então siga o protocolo do ATLS (Advanced Trauma Life Support) com o famoso ABCDE!

Como você não consegue ver o que o objeto lesou, é um paciente que pode ter todas as complicações possíveis!

Em traumas penetrantes é importante sabermos em que posição a vítima estava quando foi atingida e qual o trajeto do objeto que causou a lesão, pois isso pode direcionar o nosso exame físico e escolha de exames complementares para promover um melhor tratamento.

Lembrem-se: os ferimentos externos não correspondem aos internos! Não menospreze um trauma penetrante porque o corte na pele é pequeno, pois ele pode ter atingido alguma região nobre do corpo, e levar o paciente a óbito rapidamente.

Nesses pacientes devemos realizar o toque retal, pois sangue em dedo de luva pode indicar lesão de víscera oca, o que indica tratamento cirúrgico.

E uma curiosidade pra vocês: 75% dos pacientes com traumas penetrantes têm lesão à esquerda, 23% à direita e 2% em ambos os lados. Isso está relacionado a prevalência de agressores destros.

Trauma Penetrante em flanco esquerdo. Fonte: DocPlayer.com

Podemos observar também no exame físico de alguns pacientes o enfisema subcutâneo, causado pela entrada de ar nesse espaço pelo trauma.

Enfisema subcutâneo apontado pela seta azul. Fonte: Greenfield’s Surgery : Scientific Principles and Practice. Philadelphia, PA :Lippincott Williams & Wilkins, 2006.

Diagnóstico de lesões

O grande desafio de traumas penetrantes é que o exame físico pode ser normal em até 45% dos pacientes com lesões significativas, assim como os achados radiológicos. Muitos acabam tendo diagnóstico apenas no ato operatório.

Pacientes estáveis devem ser avaliados em busca de um diagnóstico mais preciso das lesões, para depois ser estabelecido a melhor forma de tratamento.

O raio-x de abdome agudo (aquele em três posições, lembram? Em pé, em decúbito dorsal e de tórax) é um exame inicial importante a ser solicitado, se as condições do paciente permitirem, e amplamente disponível. 

Apesar da maioria ter como resultado exame normal, alguns achados são fortemente indicativos de lesão com necessidade de abordagem cirúrgica, como pneumoperitônio ou retropneumoperitônio. 

Pneumoperitônio indicado pela seta azul. Fonte: ResearchGate.

Em alguns casos, se objeto penetrante longo ou projétil que percorre um caminho ascendente, pode haver lesão de diafragma e se tornar um trauma toracoabdominal, que pode trazer achados no raio x como hérnia diafragmática, pneumotórax e hemotórax.

Hérnia diafragmática, com estômago na cavidade torácica. Fonte: Emergency radiology (Soto) | Requisites in radiology. | Requisites series. Second edition. | Philadelphia, PA : Elsevier, [2017]

A tomografia também é um bom exame a ser solicitado. Apesar de não ser o melhor exame para visualizar vísceras ocas e diafragma, ela pode nos dar o trajeto do objeto penetrante e a detecção de lesões de outros órgãos, como rins, fígado, baço, hérnias e acúmulo de líquido intracavitário.

Isso tudo para pacientes estáveis, beleza? Os instáveis, com peritonite ou com evisceração vão direto pra mesa cirúrgica com indicação de laparotomia exploradora!

Trajeto de arma de fogo passando pelo fígado e rim direito. Fonte: Tratamento não operatório das lesões renais por arma de fogo. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2013, v. 40, n. 4  pp. 330-334

Tratamento do trauma penetrante

Aqui mora o grande dilema do trauma penetrante. Lapar ou não lapar aquele paciente estável que eu tenho dúvida se há acometimento de algum órgão que, se eu não operar, possa causar uma morbimortalidade aumentada?

Vale ressaltar um dado importante: no grupo de pacientes em que a penetração da cavidade peritoneal não é evidente, cerca de metade deles não apresenta lesões que deveriam ser tratadas por laparotomia.

Por isso, com o aumento da qualidade das imagens e o crescente número de estudos e evidências, há um importante acréscimo de médicos indicando tratamentos não operatórios para esses pacientes a depender das circunstâncias. 

Visto que não há potencial aumento da morbidade em não operar, e uma cirurgia mal indicada (ainda mais uma laparotomia) pode trazer consequências ainda piores. Colocando em números, a morbidade atribuída a uma laparotomia branca é maior que 20%, apesar da mortalidade ser baixa.

Mas é claro que uma parcela desses pacientes submetidos a tratamento não operatório vão acabar indo para cirurgia. Não é porque não foi indicada de imediato que ela nunca será feita! 

O manejo conservador dos traumas penetrantes envolve observação clínica em ambientes com preparo para caso o paciente entre em situação de emergência e instabilidade, com equipe médica capacitada. 

O que deve ser avaliado com frequência é a dor abdominal, taquicardia, febre e anormalidades laboratoriais, como aumento de leucócitos e de DHL e queda de hemoglobina. 

A duração do tempo de observação depende de cada caso, mas geralmente pacientes que vão precisar de cirurgia ficam em tratamento conservador apenas de 12 a 24 horas.

Só uma ressalva importante: pacientes que, além do trauma penetrante abdominal possuem traumatismo crânio encefálico, trauma de coluna ou precisam entrar em cirurgia por alguma outra lesão que não a abdominal, não são candidatos ao tratamento não operatório!

Gostou desse conteúdo?

É isso, pessoal! Espero que tenham aproveitado nosso conteúdo de trauma penetrante! E só pra reforçar o que já foi dito: se instável, com evisceração ou peritonite, laparotomia!

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Pra cima!

Referências

Cesar, Bruna Pozzi, Starling, Sizenando Vieira e Drumond, Domingos André Fernandes Tratamento não operatório das lesões renais por arma de fogo. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões [online]. 2013, v. 40, n. 4 [Acessado 7 Maio 2022] , pp. 330-334. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-69912013000400013>. 

Doença trauma : fisiopatogenia, desafios e aplicação prática / editores Hamilton Petry de Souza, Ricardo Breigeiron, Daniel Weiss Vilhordo ; editor internacional Raul Coimbra. — São Paulo : Editora Atheneu, 2015.

Emergency radiology (Soto) | Requisites in radiology. | Requisites series. Second edition. | Philadelphia, PA : Elsevier, [2017]

Greenfield’s Surgery : Scientific Principles and Practice. Philadelphia, PA :Lippincott Williams & Wilkins, 2006.

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LizandraRener Cavioli

Lizandra Rener Cavioli

Médica pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro com residência em Cirurgia Geral pela Unifesp.