Fala, galera! Tudo bem? O assunto que vamos destrinchar hoje é a urticária crônica. Mas, antes de conversarmos sobre a forma crônica da doença, vamos relembrar o que é urticária.
A urtica (Figura 1) é uma lesão elementar dermatológica e não deve ser confundida com a urtiga, que é um tipo de planta. Apresenta três características principais: edema central circundado por eritema reflexo, prurido (coceira) e caráter transitório, com a pele retornando ao aspecto normal em período inferior a 24 horas.
A urticária é, portanto, caracterizada pelo rápido surgimento de urticas (edema da derme superficial), que podem ser acompanhadas por angioedema (Figura 2), o qual corresponde ao edema da derme profunda, do tecido celular subcutâneo e do trato gastrointestinal.
É classificada de acordo com o tempo de evolução como aguda, com duração de até seis semanas, ou crônica, com curso clínico além de seis semanas.
Do ponto de vista etiológico, a urticária crônica pode ser subdividida em dois grandes grupos: urticária induzida e urticária espontânea.
Vamos entender por que essa doença não mata, mas tira a vida da pessoa?
Embora a urticária crônica não seja uma condição ameaçadora à vida, ela interfere de forma devastadora na qualidade de vida do paciente. Quem já teve sabe! A razão para este impacto é decorrente de vários aspectos que caracterizam a doença:
Agora que já vimos alguns motivos que justificam o impacto que esta doença causa na qualidade de vida do paciente, vamos conversar sobre o diagnóstico, tratamento e acompanhamento da urticária crônica.
Estima-se que a prevalência de urticária crônica seja em torno de 0,5 a 5% na população geral, sendo a forma mais comum de urticária não aguda (66-93%). Acomete predominantemente a faixa etária entre 20 e 40 anos e é mais observada no sexo feminino.
A urticária crônica espontânea é definida pela ausência de um gatilho específico para as lesões cutâneas, com evolução maior que seis semanas, resultante de causas desconhecidas ou de causas conhecidas, como a autorreatividade decorrente de mastócitos ativados por autoanticorpos.
Já a urticária crônica induzida indica que as lesões são ativadas por um estímulo específico. Dentre os possíveis desencadeantes, estão os estímulos físicos, como o dermografismo sintomático, a urticária secundária ao frio, a urticária de pressão tardia, a urticária solar, a urticária ao calor localizado e o angioedema vibratório; e os estímulos não físicos, como a urticária colinérgica, a urticária de contato e a urticária aquagênica.
A patogênese da urticária crônica induzida depende da liberação de histamina e de outros mediadores de mastócitos ativados. Acredita-se que são formados autoantígenos após estímulos ambientais, levando à formação de IgEs que os reconhecem e desencadeiam a cascata inflamatória.
Devido ao mecanismo fisiopatogênico distinto, outras condições que cursam com as mesmas lesões elementares de urtica e angioedema não são consideradas subtipos de urticária. Sendo assim, como diagnósticos diferenciais, é possível citar as síndromes autoinflamatórias (por exemplo, as síndromes periódicas associadas às criopirinas), a urticária vasculite, a urticária pigmentosa, a síndrome de Wells (celulite eosinofílica) e o angioedema hereditário.
A anamnese é fundamental para o diagnóstico de urticária crônica. Existem três objetivos principais: identificar agentes desencadeantes ou de exacerbação, determinar o grau de atividade da doença e excluir diagnósticos diferenciais.
A história clínica deve incluir os seguintes questionamentos:
A atividade da doença pode ser aferida com ferramentas respondidas pelo próprio paciente, como o Urticaria Activity Score 7 (UAS7), questionário de qualidade de vida, também conhecido como Questionário de Avaliação da Qualidade de Vida na Urticária Crônica (CU-Q2oL), e de controle da doença, o Urtical Control Test (UCT).
Os exames complementares auxiliam no diagnóstico da doença e na exclusão de diagnósticos diferenciais, como a pesquisa de agentes infecciosos (por exemplo, Helicobacter pylori), a investigação de doenças tireoidianas e a realização de teste intradérmico para descartar possíveis alergias.
A história natural da doença é muito variável. Cerca de metade dos pacientes seguem uma evolução autolimitada de três meses e, dentro de um ano, quase 80% deles apresentam remissão total da doença. No entanto, em mais de 10% dos pacientes, é esperada uma progressão de 5 anos ou mais.
A abordagem terapêutica envolve desde o tratamento farmacológico até o afastamento de possíveis fatores desencadeantes.
Os anti-histamínicos antagonistas dos receptores H1, como a cetirizina, fexofenadina, loratadina, ebastina e bilastina, são considerados a primeira linha de tratamento da urticária crônica. O objetivo é tratar a urticária até que ela entre em remissão.
Como segunda linha, é possível aumentar a dose dos anti-H1 de segunda geração em até quatro vezes a preconizada, sendo indicada a monitorização de enzimas hepáticas e orientação cautelosa dos pacientes quando esta conduta for adotada.
A melhora do quadro pode demorar de uma a quatro semanas após o início do tratamento farmacológico. No entanto, nem todos os pacientes atingem uma resposta satisfatória mesmo após ajuste de dose do medicamento, troca do agente anti-histamínico, uso de corticoesteroides por via oral e associação de diferentes fármacos. Nesses casos, terapias adjuvantes podem ser indicadas.
O omalizumabe (anticorpo monoclonal anti-imunoglobulina E) corresponde à terceira linha de tratamento e, após seis meses, se ainda sem resposta, a quarta linha de tratamento é a ciclosporina.
Outros tratamentos são relatados, porém com baixo nível de recomendação, como drogas anti-inflamatórias (dapsona, colchicina e montelucaste), imunossupressores (metotrexate, micofenolato de mofetila, sulfassalazina, azatioprina e tacrolimo), imunobiológicos (medicações anti-TNF – fator de necrose tumoral, antagonistas de interleucina 1 e rituximabe) e a imunoglobulina endovenosa.
Agora que você já sabe quando suspeitar e como manejar um paciente com urticária crônica, o objetivo maior é controlar a doença e alcançar a melhor qualidade de vida possível. Vamos juntos nessa? Até a próxima!
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Nascida em São Paulo e criada em Guarulhos até o momento de cortar o cordão umbilical para se aventurar na maravilhosa Campinas, onde se formou médica, dermatologista e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Divide a rotina entre a vida campineira, onde realiza o fellowship em Cirurgia Dermatológica, e a vida paulista, onde mora e exerce a área linda da dermatologia.