Apendicite supurada: para você não perder esse diagnóstico

Conteúdo / Medicina de Emergência / Apendicite supurada: para você não perder esse diagnóstico

Fala, pessoal! Hoje trataremos de um assunto importantíssimo dentro do vasto capítulo da dor abdominal e seus diagnósticos diferenciais: a temida apendicite. Além disso, vamos dar ênfase na sua temida complicação: a apendicite supurada.

Então, papel e caneta na mão e vem tranquilo!

Qual a relevância da apendicite em nossa prática diária?

Longe de uma possível discussão teórica da importância do apêndice num passado remoto ou seu papel coadjuvante no sistema imunológico, uma questão é fato: temos uma bomba entre nós.

Você sabia que a apendicite é a causa mais comum de abdome agudo com desfecho cirúrgico no PS? 

O apêndice é dito muitas vezes como um órgão resquicial e sem função
O apêndice é dito muitas vezes como um órgão resquicial e sem função

Então, segura esses dados: a incidência geral para apendicite não complicada está na ordem de 100 novos casos a cada 100.000 habitantes, segundo informações do UpToDate. 

Entretanto, quando falamos em perfuração, os dados estão na faixa de 29 para 100.000, ou seja, é uma condição muito frequente em nossa prática diária. 

Como ocorre a apendicite? 

Na medicina, podemos pensar que uma grande parte das patologias tem sua gênese decorrente de uma quebra na homeostase.

Apêndice: uma bomba que vive entre nós
Apêndice: uma bomba que vive entre nós

“Mas que viagem é essa? Pode me explicar melhor isso aí, meu chapa?”

“– Calma,segue esse raciocínio!”

Imagine um órgão que num dado momento para de receber suprimento necessário para manter suas funções adequadas. Logicamente, haverá, em consequência disso, uma resposta compensatória com o intuito de manter as funções preservadas. Com o passar do tempo, tal resposta começa a não dar conta da necessidade do órgão, ocorrendo então um dano secundário.

É uma maneira simples e geral de entender, por exemplo, um IAM ou AVC, em que a perda de suprimento sanguíneo abrupto gera morte tecidual.

“Legal, cara, mas o que isso tem a ver com apendicite?”

Bom, na apendicite, o que ocorre é o mesmo. Resumidamente, a obstrução intraluminal desse órgão, seja ela causada por um fecalito, hiperplasia linfoide, processos infecciosos ou até tumores, dará início à cascata inflamatória local, podendo evoluir para isquemia local, perfuração, abscesso contido e até peritonite generalizada.

Como identificar a apendicite?

Vamos exercitar aqui o pensamento probabilístico, ou seja, quais os sinais e sintomas, alterações no exame físico e exames laboratoriais que o paciente pode apresentar, que serão fortes preditores para o diagnóstico de apendicite aguda. E mais, quando vamos suspeitar de que ele pode estar apresentando uma perfuração?

Devemos estar atentos que a apresentação clássica – que nos é ensinada e provavelmente nos leva a suspeitar de apendicite em nossa prática como a presença de dor em quadrante inferior direito associado associado a náuseas, vômitos e anorexia – está presente em menos de 50% dos casos

Portanto, precisamos de mais ferramentas para embasar nosso raciocínio;

  • Na história, a dor abdominal, que inicia em região periumbilical e migra para região de fossa ilíaca direita nas primeiras 12-24horas, é o dado isolado de maior preditor para apendicite aguda.
  • Sintomas acompanhados, como anorexia, náusea, vômitos e febre, apesar de descritos como manifestações clássicas, não possuem sensibilidade e especificidade expressivas para cravar esse diagnóstico.
  • As manobras do exame físico que podemos realizar, como sinal de blumberg, sinal de rovsing e sinal do psoas, possuem baixa sensibilidade e mediana especificidade. Portanto, sozinhos não conseguem confirmar ou excluir esse diagnóstico.
  • Atentar-se para sinais de defesa abdominal, peritonite paciente em mau estado geral, com pele fria, pegajosa, aumento da frequência respiratória, taquicardia, aumento do tempo de preenchimento capilar, pois podemos estar diante de um caso de apendicite supurada.
  • Seria interessante, então, realizar um exame de imagem, e o padrão ouro seria a TC com Contraste IV. Contudo, você, aluno PSMedway, não irá pedir tomo pra geral. Afinal, precisamos de um critério para isso.

Para melhor escolhermos quem precisará de uma avaliação do cirurgião, solicitar exame de imagem e pedir exames complementares, podemos lançar mão da Escala de Alvarado modificada.

Escala de AlvaradoPontuação
Dor que migra para FID 1 ponto
Anorexia1 ponto
Náuseas e vômitos1 ponto
Febre 1 ponto
Leucocitose2 ponto
Dor a palpação de FID 1 ponto
DB dolorosa em FID2 pontos

Aqui, um resultado menor que 4 pontos diminui a probabilidade de se tratar de apendicite. O limbo está entre 4-7 pontos, quando precisaremos de maiores dados. Daí entra a nossa investigação complementar com exame laboratorial e exame de imagem. Já uma pontuação maior que 7 requer uma avaliação mais rápida da equipe cirúrgica, pois a probabilidade de se tratar de estarmos diante de uma apendicite aumenta muito. 

Os exames laboratoriais indicados nesse caso são hemograma, urina 1 e PCR, que já conseguem ajudar e muito na elucidação do caso. 

Pense comigo: um dado paciente com Alvarado de 5, com PCR aumentado associado a leucocitose com neutrofilia e alteração no exame de imagem como dilatação do apêndice irá precisar de abordagem cirúrgica.

E a apendicite supurada?

Bom, agora que você entendeu como o paciente com apendicite não complicada irá se apresentar, será mais fácil entender os sinais de complicação. Isso porque além do que discutimos acima, haverá alterações mais gritantes no exame físico.

Esse paciente provavelmente será triado como amarelo ou vermelho em seu serviço, pois irá apresentar alteração como:

  • mau estado geral;
  • febre > 39,4°C;
  • sinais de desidratação;
  • sintomas persistentes há mais de 24 horas.

Após avaliação e exames iniciais, podemos suspeitar de perfuração quando há presença de defesa abdominal com peritonite generalizada e leucocitoses expressivas e sinais de perfuração ao exame de imagem.

Como devo proceder se diagnosticado a apendicite supurada?

  • Quando falamos em apendicite supurada, estamos nos referindo à perfuração com sinais de instabilidade e, portanto, o tratamento é cirúrgico.
  • Devido aos sinais apresentados, o paciente já deverá estar em sala de emergência, monitorizado, com acesso venoso pelo menos
  • Nesse caso, 1 hora antes do paciente entrar em cirurgia, recomenda-se iniciar com a antibioticoterapia. Um exemplo de esquema recomendado é :
    • Ceftriaxona 2g IV (24/24horas)
    • Metronidazol 500mg IV (8/8horas)
  • Lembrando que a antibioticoterapia deve ser iniciada para casos complicados e não complicados.

É isso!

Ufa! Bastante coisa, hein? O objetivo aqui foi explicar um apanhado geral sobre a apendicite aguda para que no final fosse especificado como proceder frente a uma apendicite supurada. Lembre-se dos sinais de instabilidade hemodinâmica e alteração laboratorial.

Saber reconhecer a apendicite e seus sinais de complicação é de extrema importância, uma vez que é a principal causa de abdome agudo cirúrgico no mundo!

Agora que você está mais informado sobre apendicite supurada, confira mais conteúdos de Medicina de Emergência, dá uma passada na Academia Medway. Por lá disponibilizamos diversos e-books e minicursos completamente gratuitos! Por exemplo, o nosso e-book ECG Sem Mistérios ou o nosso minicurso Semana da Emergência são ótimas opções pra você estar preparado para qualquer plantão no país.

Caso você queira estar completamente preparado para lidar com a Sala de Emergência, temos uma outra dica que pode te interessar. No nosso curso PSMedway, através de aulas teóricas, interativas e simulações realísticas, ensinamos como conduzir as patologias mais graves dentro do departamento de emergência!

Então, missão cumprida! Agora sabemos um pouco mais sobre a apendicite supurada. Tranquilidade, mente afiada, PS dominado!

É médico e quer contribuir para o blog da Medway?

Cadastre-se
LuizCésar

Luiz César

Nascido em 1990, em Cuiabá-MT, formado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2020. Experiência como oficial médico temporário no 37° Batalhão de infantaria leve. Residência em Medicina de Emergência na Universidade de São Paulo (USP - SP). Amante da adrenalina se interessa por resgate aeromédico, usg-point of care e medicina de áreas remotas.