Tratamento não operatório para apendicite aguda: mito ou realidade?

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Quando um paciente chega ao pronto socorro e fala “Doutor, começou com uma dor aqui no estômago e depois ela correu aqui para baixo”, apontando para a fossa ilíaca direita, qual é a primeira coisa que te vem à cabeça? Apendicite aguda! E qual é a segunda? Cirurgia!!! 

E se eu te falar que hoje em dia existem equipes que estão tratando este tipo de patologia sem o procedimento cirúrgico, qual seria a sua reação? É sobre este assunto que vamos conversar um pouco neste texto. Bora lá?

Pra começar: o que é apendicite aguda?

A apendicite aguda é uma das causas mais comuns do abdome agudo no mundo, frequentemente acometendo homens dentro da segunda e terceira décadas de vida. Inicia com uma quadro de obstrução da luz apendicular que evolui com inflamação do órgão, e potencial progressão para isquemia, perfuração, abscesso local ou peritonite generalizada

O quadro clínico da apendicite aguda é clássico e exames laboratoriais (principalmente leucocitose e aumento da proteína C reativa) e de imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada com contraste endovenoso ou ressonância magnética) são utilizados para fazer diagnóstico, avaliar presença de complicações e diminuir taxas de apendicites brancas.

Apendicite aguda não complicada

Aproximadamente 90% dos pacientes desenvolvem inflamação e possivelmente necrose do órgão nas primeiras 24 horas após o início dos sintomas, porém não evoluem com complicações. E são nestes casos que algumas equipes estão estudando a possibilidade do tratamento não operatório da apendicite aguda. 

A ideia deste tipo de abordagem vem de outra inflamação intra-abdominal, a diverticulite aguda, o qual, em casos iniciais e não complicados, é tratada de maneira clínica. Nas apendicites agudas, o tratamento não operatório é realizado com antibióticos endovenosos por 24 a 48 horas e completados via oral por mais 8 a 10 dias. 

Uma meta-análise de 2017 afirma que o tratamento em crianças é seguro e efetivo como tratamento inicial em 97% dos pacientes. Nos adultos, o tratamento também é relacionado à diminuição das complicações e do tempo de internação hospitalar.

Mas nem tudo são flores… 

O tratamento não operatório da apendicite aguda também é relacionado a menores taxas de eficácia e aumento da recidiva, com necessidade de indicação de procedimento cirúrgico, e aproximadamente um em cinco destes apresentam um quadro de apendicite complicada.

Além disso, para realização deste tipo de tratamento, o paciente deve ter um bom autoconhecimento de seus sintomas e disponibilidade de retorno rápido para atendimento médico de reavaliação caso necessário, coisas que sabemos que podem não ser tão fáceis no país em que vivemos.

As cirurgias, tanto aberta quanto via laparoscópica são amplamente realizadas nos serviços de cirurgia geral e são a felicidade dos R1s! São geralmente procedimentos rápidos e considerados seguros, eficazes e curativos para o tratamento da apendicite aguda. Porém estas grandes vantagens aumentaram o número de apendicectomias brancas, gerando um procedimento desnecessário e relacionado a morbidades.

Apendicite aguda complicada

Falamos tanto em apendicite não complicada, mas então o que seria uma apendicite aguda COMPLICADA? São aqueles casos no qual o apêndice cecal encontra-se gangrenoso, perfurado ou com abscesso, localizado ou disseminado.

A tabela 1 baseada no artigo de Bhangu e colaboradores divide as apendicites agudas simples e complicadas, cita seus achados macro e microscópicos e sua relevância clínica. 

Nestes casos, o procedimento cirúrgico envolve não apenas uma apendicectomia, mas sim um risco considerável para indicação de uma ressecção ileocecal ou até uma hemicolectomia direita. Devido a estas possibilidades, existem equipes que, em pacientes estáveis hemodinamicamente e com apendicite aguda complicada por abscesso localizado, indicam o que chamamos de apendicectomia intervalada.

Oi? Apendicectomia intervalada? Nunca nem ouvi falar!

 Calma meus queridos, a apendicectomia intervalada é um tratamento não operatório inicial, que consiste em antibioticoterapia endovenosa associada à drenagem percutânea do abscesso e posterior realização de apendicectomia. 

Condições necessárias para a apendicectomia intervalada são fácil acesso diagnóstico e disponibilidade de radiologia intervencionista. Quando este tipo de tratamento não é disponível, a cirurgia é indicada

Da mesma maneira que o tratamento não operatório para apendicite aguda não complicada, este envolve um aumento das taxas de recorrência, de complicação e também da possibilidade de um processo maligno estar presente.

 Diagnóstico macroscópicoDiagnóstico microscópicoRelevância clínica
Apendicite Simples, não perfurada (Fig. 1A)
Supurativa/ FlegmonosaCongestão, mudança de coloração, aumento de diâmetro, exsudato, pusInflamação transmural, ulceração ou trombose, com ou sem pus extramuralProvável causa dos sintomas
Apendicite complicada (Fig. 1B)
GangrenosaApêndice friável com coloração violácea, esverdeada ou enegrecida.Inflamação transmural com necrosePerfuração iminente
PerfuradaPerfuração visívelPerfuração, nem sempre visível no microscópio.Aumento do risco de complicações pós-operatórias
Abscesso (pélvico/ abdominal)Massa palpável ao exame físico ou abscesso visível no exame de imagem pré-operatório durante o intraoperatórioInflamação transmural com pus, com ou sem perfuração.Aumento do risco de complicações pós-operatórias
Fonte: Bhangu A, et al. Acute appendicitis : modern understanding of pathogenesis, diagnosis, and management. Lancet. 2015;386:1278–87
Tabela 1 – Classificação da apendicite aguda por Bhangu et al

Mas e aí? O que podemos concluir após tudo isso?

Acho que a única certeza é que, como em tudo na medicina, não existe nada absolutamente certo ou errado, mas sim experiências clínicas e evidências científicas. O ideal é a escolha individual  caso a caso e principalmente com consentimento e participação do paciente nesta decisão!

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Um abraço e até a próxima!

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ThaisNagano

Thais Nagano

Curitibana, nasceu em 93 e se formou em Medicina pela PUC-PR em 2018. Residência em Área Cirúrgica Básica. Experiência de estágio em Cirurgia do Aparelho Digestivo na FMABC.