O papel do escore MASCC na neutropenia febril: domine sua aplicação prática

Conteúdo / Medicina de Emergência / O papel do escore MASCC na neutropenia febril: domine sua aplicação prática

Fala galera, tudo bem? Espero que sim, porque o tema do texto de hoje está inserido dentro do manejo de uma condição que demanda muita atenção dos médicos e médicas que atendem nos Pronto Atendimentos: a neutropenia febril. Este quadro determina morbimortalidade significativa nos pacientes oncológicos e saber como manejar tais casos é essencial. Isso muda o desfecho das pessoas nessa situação!

Só que hoje trataremos especificamente de um escore usado na abordagem desses pacientes: o escore MASCC. Então fiquem tranquilos(as), é um texto mais breve, mais direcionado, mas que já entrega conceitos muito importantes! Bora juntos?

Rapidamente, vamos definir o que é neutropenia febril? 

Todo paciente com os dois seguintes critérios, no contexto de tratamento oncológico, deve ser abordado como portador da condição de que estamos falando:

  • Neutropenia: neutrófilos < 500/mm³ ou < 1000/mm³, com previsão de queda para < 500/mm³ nas próximas 48h. 
  • Febre: temperatura ≥ 38ºC por 1 hora ou ≥ 38,3ºC em pico único.

Detalhe: esses valores de temperaturas são definidos para aferição em cavidade oral ou em membrana timpânica. Considerando que, na realidade brasileira, afere-se a temperatura mais frequentemente na axila, pode-se usar a temperatura axilar ≥ 37,8º. Para diagnóstico, numa extrapolação que considera que a medição nesse local é, normalmente, cerca de 0,3 a 0,5ºC menor em comparação às aferidas nos sítios citados nas referências internacionais.

Beleza, então em paciente pós-quimioterapia, com febre, vamos pedir hemograma e esperar para conferir os neutrófilos?

Negativo! Diante de quimioterapia recente, não espere o hemograma para começar a tratar o indivíduo! Se há febre, assuma se tratar de um caso de neutropenia febril e inicie o antibiótico! Essa conduta pode evitar a evolução para um quadro séptico e até para óbito! 

Qual o tempo máximo que uma quimioterapia deve me preocupar quanto ao surgimento de neutropenia febril?

imagem ilustrativa de eutropenia febril
Por quanto tempo deve haver preocupação em relação à neutropenia febril?

Galera, em geral, tais quadros ocorrem entre 10 a 14 dias após a QT, período em que mais comumente se vê o nadir de neutrófilos provocado pela cito e mielotoxicidade do tratamento. Entretanto, recomenda-se que todo paciente que recebeu QT nas últimas 6 semanas deva ser manejado como portador de neutropenia febril se preencher os critérios listados acima.

De onde saem as bactérias responsáveis pela neutropenia febril? 

Pensando de forma prática, a quimioterapia gera um efeito citotóxico difuso e todo tecido que possui alta taxa de renovação celular será afetado de forma significativa. É o que ocorre na medula, daí a neutropenia (e eventual pancitopenia), mas também é o que se observa na mucosa do trato gastrointestinal. Uma vez fragilizada, essa barreira não mais oferece uma proteção adequada contra as bactérias presentes nesse local. Elas passam a translocar de forma mais fácil, causando a infecção que determina o quadro da neutropenia febril.

Saiba de onde vêm as bactérias responsáveis pela neutropenia febril?

Nesse contexto, a Pseudomonas aeruginosa ganha muita importância. Então, surge a necessidade de incluir cobertura antimicrobiana contra esse patógeno, independentemente do sítio suspeito de ser o foco da infecção.

Beleza, mas nesse assunto de neutropenia febril, onde entra o escore MASCC? 

Primeiro, antes de respondermos essa pergunta, existem avaliações que podemos fazer para definir “riscos” em geral, diante do processo de cuidado de um paciente em tratamento oncológico.

Uma das análises se presta a determinar o risco de desenvolvimento de neutropenia febril, a depender de três grandes parâmetros. O primeiro diz respeito ao perfil de paciente: esta condição é mais comum em idosos, mulheres e em obesos, por exemplo. Também se infere tal risco considerando o próprio impacto do câncer naquele indivíduo: lactato desidrogenase elevada, linfopenia e a ocorrência de mieloftise configuram cenários de maior propensão à neutropenia febril. Por último, também se analisa a intensidade do tratamento proposto, com a percepção de que há relação direta entre o aumento da potência da QT e o risco dessa entidade clínica.

Em outra abordagem, avaliamos o risco do paciente que já se encontra em neutropenia febril desenvolver complicações graves decorrentes deste quadro. É nesse ponto que entra o MASCC. 

Por fim, podemos avaliar o risco de má resposta ao tratamento, usando parâmetros como idade (pior resposta em adultos comparados às crianças), atraso até diagnóstico, uso de antibiótico diferente dos preconizados, etc.

Então, como focaremos no MASCC, o objetivo deste texto é te dar elementos para caracterizar o risco da Neutropenia Febril evoluir com com complicações, fechado?

A partir dessa análise, poderemos, inclusive, direcionar o regime de tratamento e a segurança em liberar um paciente com neutropenia febril para tratamento em casa, por exemplo. Daí a relevância desse tema, pegou?

Primeiro, o que significa a sigla MASCC? 

Trata-se de um escore criado pela “Multinational Association Supportive Care in Cancer”. Mas pra que ele serve, afinal?

O MASCC, assim como outros escores já criados, auxilia na definição do que é uma neutropenia febril de alto risco para complicações graves e o que se enquadra nas de baixo risco para tal evolução. Essa diferenciação é essencial, pois pode determinar quem deverá ser necessariamente tratado em regime hospitalar por um maior período e quem pode receber alta, com tratamento ambulatorial, após uma breve avaliação hospitalar, como já introduzido no tópico acima.

Quais são os parâmetros avaliados pelo MASCC?

Se liga na tabela:

Elementos avaliadosPontuação
“Grau” de acometimento / de sintomasAssintomático: 6 ptsSintomas leves: 5 ptsSintomas moderado a graves: 4pts
Ausência de hipotensão5 pts
Ausência de DPOC4 pts
Portador de tumor sólido ou hematológico na ausência de infecção fúngica4 pts
Ausência de desidratação que requer fluidoterapia EV3 pts
Não hospitalizado ao aparecimento da febre3 pts
Idade < 60 anos 2 pts 

Tabela confeccionada com base nos conceitos presentes em: BOW E.; MARR K. A.; BOND. S.; Risk assessment of adults with chemotherapy-induced neutropenia. Uptodate. Revisão de literatura vigente até Setembro de 2021, última edição de conteúdo em: 2 de Janeiro de 2020.

Na avaliação, a pontuação máxima é 26. 

Se  ≥ 21 pontos → Baixo risco

Se < 21 pontos → Alto Risco

Tal análise deve ser feita no momento do diagnóstico da neutropenia febril, mas cabem reavaliações seriadas, conforme julgamento clínico. 

O que dizem os estudos sobre o MASCC?

Em resumo, trata-se tal escore como uma das ferramentas para predição desse risco, sem que ele configure uma peça-chave ou absoluta nesse sentido. Deve ser analisado em associação a outros parâmetros

Trazendo para termos práticos, um MASCC < 21 pontos, especialmente se associado à Proteína C Reativa e procalcitonina elevadas, foi preditor de risco de morte em 30 dias e de bacteremia, respectivamente, em estudos retrospectivos. Esses dados tiveram significância estatística, portanto, como fatores de risco para evolução desfavorável nesses pacientes.

Quais são os desfechos negativos preditos por um MASCC baixo?

Podemos citar vários, mas para sermos objetivos, listo alguns: hipotensão, IC com congestão que demande tratamento, alterações de nível e conteúdo de consciência, insuficiência respiratória, arritmias, CIVD, diátese hemorrágica que requer transfusão sanguínea, etc.

É, então, um parâmetro perfeito?

Negativo! Como já esperado, há críticas sobre alguns aspectos. As principais incluem: 

  • O que é este “grau de sintomas” trazido já como primeiro critério? Concorda que isso é subjetivo e não caracterizado de forma precisa? 
  • A validação do escore foi feita para grupos heterogêneos, o que pode comprometer a sensibilidade dessa ferramenta.

Como exemplo, não utilizamos tal escore para casos em que há quimio de alta intensidade, como indução de remissão em leucemias agudas, ou em casos de transplante alogênico de medula. Neutropenia febril, nesses contextos, já é de alto risco, independentemente do MASCC. 

A sensibilidade na predição de desfecho desfavorável, no grupo de pacientes com tumores sólidos que trataram em esquema ambulatorial, foi afetada negativamente pela ausência de parâmetros de gravidade que compõem os critérios do MASCC, como hipotensão, em avaliação inicial. Isso reforça a importância de reavaliações periódicas naqueles pacientes tidos como baixo risco

Entender que ele não é um parâmetro sem defeitos faz toda a diferença!

Sim, pessoal, e te digo o porquê: na distinção entre pacientes que poderão ser tratados ambulatorialmente daqueles que merecem internação e maior cautela, utilizamos não só o MASCC. É o que defende as abordagens elaboradas pela Infection Society Disease of America (IDSA) e pela National Comprehensive Cancer Network. 

Para essas referências, devemos nos valer de outros parâmetros na definição do risco desses pacientes, além do MASCC. Busquei fazer uma síntese para vocês do que é defendido por elas.

Se liga em como fica a sistematização:

  1. A neutropenia Febril de alto risco engloba qualquer um dos critérios abaixo: 
  • a. Todo paciente em indução de remissão de leucemia aguda;
  • b. Todo paciente em tratamento quimioterápico para realização de transplante alogênico de medula óssea;
  • c.  Expectativa de neutropenia por > 7 dias. Aqui, se enquadram boa parte dos casos de neutropenia febril em cânceres hematológicos;
  • d.  Instabilidade hemodinâmica;
  • e.  Comorbidade prévia em atividade: DPOC, IC, DRC;
  • f.   Infecção de foco localizado em pele ou cateter;
  • g.  Mucosite grave: lesões graves, com comprometimento de deglutição ou diarreia importante (o que algumas fontes descrevem como mucosite grau 3 e 4);
  • h.  Escore MASCC  < 21 pontos;
  • i.   Neutropenia < 100/mm³.
  1. Na neutropenia Febril de baixo risco, todos os critérios abaixo devem estar presentes (percebeu como é mais rígido?):
  • a.    Neoplasias e esquemas quimioterápicos cuja expectativa de neutropenia seja < 7 dias;
  • b.     Ausência de comorbidades sistêmicas prévias;
  • c.      Ausência de critérios de instabilidade clínica-hemodinâmica;
  • d.      Ausência de mucosite grave;
  • e.      MASC ≥ 21 pontos;
  • f.   Garantia de acesso fácil ao sistema de saúde para reavaliação em 48h-72h ou imediatamente, se houver piora clínica. 

É isso…

Em resumo, pacientes classificados como de alto risco serão tratados em regime de internação, com antibioticoterapia endovenosa

Aqueles que se enquadram no grupo de baixo risco podem ser tratados de forma ambulatorial, após avaliação hospitalar inicial, na qual já será feita uma primeira dose de antibióticos e, a princípio, endovenosa. Posteriormente, poderão ter alta para regime ambulatorial e antibioticoterapia por via oral.

Por fim, percebeu que eu falei que podem ser tratados de forma ambulatorial? Isso não é regra. Especialmente no Brasil, em que muitos pacientes não preenchem o critério “f” para baixo risco, que diz respeito à certeza de chegada rápida ao serviço médico para reavaliação. Não negligencie isso, beleza?

Dominado? Entendeu a razão para ter sido criado, o contexto de aplicação, vantagens, desvantagens, bem como o significado do Escore MASCC? Espero, de coração, que sim!

Ficou curioso sobre como manejar em definitivo a neutropenia febril? Então se liga no texto que traz a abordagem completa sobre o assunto, já presente lá no nosso blog.

Dúvidas ou comentários? Deixem aqui embaixo! Será um prazer respondê-los!

Ah, e só mais uma coisa: quer ver conteúdos 100% gratuitos de medicina de emergência? Confira a Academia Medway! Por lá, disponibilizamos diversos e-books e minicursos. Enquanto isso, que tal dar uma olhada no nosso Guia de Prescrições? Com ele, você vai estar muito mais preparado para atuar em qualquer sala de emergência do Brasil!

Forte abraço e até a próxima! 

Referências

BOW E.; MARR K. A.; BOND. S.: Risk assessment of adults with chemotherapy-induced neutropenia. Uptodate. Revisão de literatura atual até Setembro de 2021, última edição de conteúdo em 2 de Janeiro de 2020.

É médico e quer contribuir para o blog da Medway?

Cadastre-se
LucasFaria

Lucas Faria

Mineiro de Uberlândia, nascido em 1995, formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Residência em Clínica Médica no Hospital de Clínicas da USP de Ribeirão Preto.