Bridas: tudo que você deve saber

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Fala, pessoal! Tudo bem? Hoje a gente vai falar um pouquinho sobre uma causa importante de abdome agudo obstrutivo e que cai bastante em provas de residência: as bridas!

Quer saber mais sobre o assunto? Embarque nesta leitura com a gente!

O que são bridas?

Bridas são aderências (traves fibróticas) que podem ser criadas dentro do nosso organismo após qualquer abordagem cirúrgica. A fisiopatologia da formação das bridas ainda não foi totalmente descoberta, porém há estudos que relatam ser uma reação exacerbada de citocinas a corpos estranhos, como talco, grampos e fios.

As bridas são importante foco de estudo porque podem pressionar os órgãos e causar obstrução no trânsito intestinal, evoluindo com abdome agudo obstrutivo. 

Imagem 1: Bridas ligando o intestino delgado com a parede abdominal. Fonte: Reparo intraperitoneal de defeitos da parede ventral do abdome com telas de poliéster com colágeno e polipropileno com ácido poliglicólico. Araujo, U.R.M.F. et al. Rev. Col. Bras. Cir. 36 (3) Jul 2009

Procedimentos na parte inferior do abdome, como apendicectomia, histerectomia, colectomia são as principais cirurgias que precedem as bridas. Isso acontece porque o intestino é mais móvel na pelve e mais fixo no abdome superior.

Em pacientes submetidos a laparotomia, cerca de 5% vão desenvolver bridas. Desses, de 10-30% vão ter sintomas adicionais causados pelas aderências.

Ah, e vale lembrar que as bridas são a principal causa de obstrução de intestino delgado! Elas são responsáveis por cerca de 60% dos casos. Seguido por neoplasia, 20%, hérnias, 10% e doença de crohn, 5%.

Quadro Clínico

Os sintomas que o paciente vai apresentar dependem da região anatômica em que que a brida está localizada.

Os quatro sintomas chave de abdome agudo obstrutivo são: 

  • dor abdominal;
  • vômitos; 
  • distensão abdominal;
  •  constipação. 

Pacientes com obstrução mais alta costumam ter náusea e vômitos logo após as refeições, sem distensão importante. Já os com obstrução baixa costumam ter vômitos fecaloides só em quadros mais prolongados, mas queixam muito de distensão e dor abdominal.

A constipação é um sintoma mais tardio. Alguns pacientes podem iniciar o quadro com diarreia pelo aumento da peristalse secundário a obstrução, como se o intestino estivesse lutando com mais força para enviar seu conteúdo adiante.

No exame físico, você pode encontrar abdome distendido, cicatrizes de cirurgias prévias e, se o paciente for magro, é possível visualizar os movimentos peristálticos exacerbados. 

No início do quadro a ausculta pode mostrar ruídos hidroaéreos aumentados pela peristalse, mas em quadros tardios pode ser que você não ausculte ruído algum (como se o intestino cansasse de ficar lutando contra a obstrução).

Diagnóstico de bridas

Diagnosticar abdome agudo obstrutivo ainda é um desafio. Temos que juntar todos os achados de exame físico descritos anteriormente com exames de imagem.

Aqui, os exames laboratoriais não têm muito espaço. O máximo seria um DHL aumentado, que pode indicar um processo já isquêmico ou necrótico.

No caso das bridas, o principal exame solicitado, e o mais disponível, é um raio X de abdome agudo (aquele com as três incidências, deitado, em pé e de tórax). 

Nele, é possível visualizar a distensão abdominal com o famoso sinal do empilhamento de moedas, diagnosticando cerca de 86% dos casos. Cerca de 20-30% apenas vão precisar de exames adicionais.

Imagem 2: Sinal do empilhamento de moedas, indicando obstrução de intestino delgado. Fonte: SABISTON: textbook of surgery: the biological basis of modern surgical practice, twenty first edition.

Raio-X utilizando contraste de bário para visualizar a obstrução também é uma opção, e tem a vantagem de evidenciar o nível exato da obstrução.

Em casos de maior dúvida diagnóstica e/ou etiológica, a tomografia pode ser solicitada. A ressonância magnética não traz mais benefícios que a tomografia, segundo estudos.

Imagem 3: Tomografia evidenciando a distensão de alças do delgado e, na seta, o ponto de obstrução (mudança de calibre das alças). Fonte: ResearchGate.

O ultrassom tem espaço aqui em pacientes grávidas, apenas.

Tratamento de bridas

Considerando que a própria cirurgia é um fator causador de bridas, o tratamento não operatório é a opção para 80% dos pacientes, que conseguem resolver sua obstrução dessa forma. 

A cirurgia imediata em abdome agudo obstrutivo por bridas em pacientes que não estão em alguma emergência provou reduzir em até 15% a recorrência de obstruções, porém não há estudos evidenciando que a abordagem cirúrgica na chegada do paciente traga mais benefícios do que o manejo inicial não operatório e cirurgia apenas se recorrência, isquemia ou paciente instável, por exemplo.

O tratamento inicial é feito com ressuscitação volêmica, passagem de sonda nasogástrica em drenagem, correção de eletrólitos e decúbito elevado. Essas medidas devem ser feitas por 48 horas, sempre avaliando de perto o paciente (taquicardia, vômitos, distúrbios hidroeletrolíticos, débito da sonda, eliminação de flatos e fezes, dor abdominal). 

A melhora desses parâmetros permite retirada da sonda e início de dieta para avaliar se a obstrução foi resolvida. A não melhora ou piora indicam cirurgia. 

Para pacientes instáveis, com sepse ou peritonite, laparotomia exploradora.

Prevenção

A prevenção da formação das bridas vem dos esforços e da técnica do cirurgião. Controle de hemostasia, técnica cirúrgica aplicada, evitar dissecção exagerada dos tecidos e o cuidado para remover qualquer tipo de material estranho. 

Além disso, já sabemos que cirurgias laparoscópicas diminuem a chance de formação das aderências, sendo mais uma vantagem da abordagem por vídeo.

Referências

Greenfield’s surgery : scientific principles and practice / editors, Michael W. Mulholland, Keith D. Lillemoe, Gerard Doherty, Gilbert R. Upchurch, Jr., Hasan B. Alam, Timothy M. Pawlik ; illustrations by Holly R. Fischer. Sixth edition. | Philadelphia : Wolters Kluwer, [2017]

SABISTON: textbook of surgery: the biological basis of modern surgical practice, twenty first edition

Reparo intraperitoneal de defeitos da parede ventral do abdome com telas de poliéster com colágeno e polipropileno com ácido poliglicólico. Araujo, U.R.M.F. et al. Rev. Col. Bras. Cir. 36 (3) Jul 2009

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LizandraRener Cavioli

Lizandra Rener Cavioli

Médica pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro com residência em Cirurgia Geral pela Unifesp.