A saúde mental dos profissionais de saúde durante a pandemia

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É mais do que notório que a experiência com a qual estamos passando com a situação atual por conta do novo coronavírus é potencialmente estressante e inédita. Todas as pessoas se veem em um momento de suscetibilidade, em que devemos nos precaver de um vírus altamente transmissível, que afeta não apenas a saúde física dos brasileiros, mas a saúde mental, a economia, o trabalho, os estudos e a forma como nos relacionamos. A partir disso tudo, surge um questionamento: como está a saúde mental dos profissionais da saúde durante a pandemia?

É fato que todo esse estresse crônico tem sido percebido também entre aqueles que têm como função cuidar de outras pessoas, principalmente da saúde de outros indivíduos, é o caso dos médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e demais profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à pandemia e que muitas vezes, lidam frequentemente com o medo da infecção, a carência de recursos e equipamentos de proteção além de serem privados do convívio de amigos e familiares por causa dos altos riscos de contaminação da COVID-19.

80% dos profissionais de saúde tiverem problemas de saúde mental na pandemia de COVID-19

Para começar a falar da saúde mental dos profissionais da saúde: segundo uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que ouviu cerca de 1.829 profissionais atuantes na área da saúde, como os agentes de saúde, os médicos e os enfermeiros, constatou-se que a maior parte deles, aproximadamente 80% dos participantes, de algum modo, tiveram problemas e se sentiram atingidos em sua saúde mental ao longo do último ano por causa dos efeitos da pandemia.  

Iniciada em 2020, é importante frisar que essa é a quarta etapa da pesquisa que a FGV tem feito com o intuito de acompanhar mais de perto as percepções e anseios dessa parcela da população. E os resultados não têm sido nada animadores: a situação psicológica dos profissionais de saúde é desastrosa. Muitos deles estão há quase 2 anos atuando na ativa no combate e controle do vírus, sem a possibilidade de licença e ainda sem todos os equipamentos e recursos básicos necessários para trabalharem com segurança. A pesquisa ainda aponta que mesmo lidando há mais de 18 meses com pacientes acometidos pelo novo coronavírus, 69% dos profissionais de saúde que participaram da pesquisa, ou seja dois terços deles, ainda não se sentem preparados para lidar com o vírus ou os desdobramentos da pandemia

Os números são realmente alarmantes: a maior parte dos entrevistados – que fazem parte do recorte de amostragem entre os profissionais de saúde – dizem ainda sentir medo, cerca de 87% e 67% deles afirmam sofrer de ansiedade. Mas muitos outros sentimentos também foram relatados, como por exemplo cansaço extremo com 58% e tristeza, com 50% das respostas. 

Sem nenhum tipo de suporte ou apoio psicológico, muitos médicos, técnicos e enfermeiros estão em constante sofrimento, já que a pesquisa mostra que apenas 19% puderam confirmar que a empresa ou família ofereceram esse tipo de recurso. 

Nesse cenário, a gente logo percebe que houve ainda pouco avanço no que diz respeito à preparação dos profissionais para lidarem com as situações de risco, ao suporte às demandas psicológicas deles, treinamentos adequados e ainda há carência no que tange à distribuição de EPI’s (Equipamentos de Proteção Individuais). Sob o risco constante de morte, os profissionais de saúde sofrem em silêncio e continuam na batalha, isso porque 31% já tiveram Covid-19 apesar de cerca de 86% deles terem sido vacinados contra a doença. 

Como são as condições de trabalho dos profissionais de saúde na pandemia?

O impacto da pandemia nos profissionais de saúde tem sido grande. A exaustão que afeta o bem-estar e a saúde mental desses trabalhadores está intimamente ligada ao excesso de trabalho e jornadas de trabalho que ultrapassam 40 horas semanais e que muitos deles têm mais de um emprego para dar conta de suprir suas despesas.

Confira: como ficou o estado da saúde mental dos profissionais da saúde durante a pandemia?
Confira: como ficou o estado da saúde mental dos profissionais da saúde durante a pandemia?

A gente sabe disso porque são resultados de uma pesquisa chamada “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19” realizada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) com médicos, fisioterapeutas, odontólogos, farmacêuticos,   enfermeiros e outros profissionais de saúde que estão atuando em todo o país: ao todo foram mais de 25 mil pessoas participantes, dentre os quais 16 mil representam os campos de atuação na saúde, segundo o Conselho Nacional de Saúde. As demais categorias incluem técnicos, auxiliares e além dos trabalhadores de nível médio que atuam de alguma forma relacionados à saúde, como condutores de ambulância, atendentes, recepcionistas e seguranças. 

Excesso de trabalho 

Levando em consideração a jornada semanal, o tipo de vínculo empregatício e a vida do profissional antes da pandemia, esse estudo da Fiocruz pode ser considerado o mais amplo e completo levantamento sobre as reais condições laborais desses trabalhadores desde o princípio da pandemia e aponta as consequências físicas, emocionais e psíquicas que todo esse estresse tem causado naqueles que trabalham na área da saúde. 

Assim como relatado na pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a realidade entre os participantes da pesquisa da Fiocruz é bastante extenuante, marcada pela tristeza, cansaço e sensação de impotência, medo de contaminação e ainda, perda dos direitos e precarização do trabalho. Isso sem falar nos gastos extras com EPI’s (equipamentos de proteção individuais), transporte alternativo e alimentação que tem sido muito impactantes no orçamento dessas pessoas. 

E mesmo com todos os cuidados, os dados da pesquisa da Fiocruz indicam que mais de 43% dos trabalhadores de saúde não se sentem protegidos e temem a contaminação no ambiente de trabalho e com isso, tomam para si a responsabilidade dos EPI’s. E pra piorar a situação exaustiva, 11,8% sentem-se despreparados para atuar e mais de 10% reclamam da falta de apoio e sensibilidade dos gestores no que diz respeito às necessidades profissionais. 

Esgotamento mental

É evidente que as consequências à saúde mental de todos os profissionais que trabalham na assistência aos infectados pela COVID-19 são graves e prejudicam não apenas a vida pessoal, mas também, o seu desempenho nas atividades laborais.

A pesquisa da Fiocruz aponta alterações comuns no dia a dia deles, tais como perturbação de sono, irritabilidade e choro frequente acometem cerca de 29% dos trabalhadores da saúde, além de alterações no apetite e dificuldades de concentração. É ainda mais preocupante que 8,3% dos entrevistados tenham uma constante sensação de negatividade perante o futuro e pensamentos suicidas. Isso porque quando questionados sobre as mudanças na sua rotina, mais de 20% alegam que a alta jornada de trabalho e a alteração drástica de seu cotidiano são os principais fatores de agravamento dos sintomas de exaustão e desesperança. 

Fake News 

Outro fator preponderante na saúde mental de quem está na linha de frente contra o coronavírus são as fake news, as informações sem embasamento científico que se alastram pelas redes sociais, contaminam a população e promovem a falta de reconhecimento aos profissionais. Muitas dessas crenças não têm nenhuma fundamentação da ciência e são um obstáculo ao trabalho de médicos e demais profissionais de saúde, impulsionando a adoção de medicamentos ineficazes para prevenção e tratamento da COVID-19.  

A repercussão de notícias falsas evidencia um cenário desolador de violência, já que perpetua a certeza de que um profissional de saúde pode transportar o vírus. A pesquisa da Fiocruz aponta que mais de 50% destes já se sentiram discriminados por vizinhos e pacientes ou sofreram algum tipo de violência no trajeto trabalho/casa.

Esses fatores corroboram a sensação de solidão e privação do convívio que esses profissionais também relataram na pesquisa da FGV, além de se tornarem um obstáculo ao combate à doença. Um dado importante na pesquisa da Fiocruz é que entre os 25 mil participantes, uma porcentagem expressiva discorda dos posicionamentos das autoridades sanitárias sobre a COVID-19 e os caracterizam como inconsistentes e pouco esclarecedores. 

Outros profissionais da área da saúde também são impactados

Não apenas os médicos e enfermeiros têm sido afetados pelo stress e pelas condições difíceis de trabalho durante a pandemia do novo coronavírus, mas também todos os outros profissionais envolvidos na área de saúde. Aqui podemos englobar os técnicos de radiologia e enfermagem, cuidadores, recepcionistas de hospitais e clínicas e condutores de ambulância.

Uma pesquisa da Fiocruz ainda não publicada revela que essa parcela de trabalhadores que atuam também efetivamente no enfrentamento da COVID-19 têm sofrido bastante com as péssimas condições de trabalho. A pesquisa ainda está em andamento e a Fundação Oswaldo Cruz a tem conduzido de forma online, para também estabelecer os parâmetros que podem mapear a saúde mental desses trabalhadores, muitas vezes tratados como invisíveis aos olhos da sociedade. Assim como os graduados, esses profissionais do campo da saúde também reclamam da falta de apoio, de insumos, de equipamentos de proteção e da alta jornada de trabalho que desgasta e estressa diariamente, além da sensação de impotência e tristeza que assola sua saúde mental. 

Como a pandemia afetou a residência médica?

A pandemia não trouxe apenas desconforto psicológico e sobrecarga de trabalho aos profissionais de saúde, mas também problemas socioeconômicos pra toda a população. E nessa gama de implicações negativas está todo o sistema de saúde em relação aos protocolos de médicos, enfermeiros e outros profissionais que atuam na linha de enfrentamento a COVID-19.

E os processos seletivos para a residência médica também foram atingidos. Por conta da obrigatoriedade do distanciamento social motivados pelas altas taxas de letalidade, muitas instituições adotaram novos modelos de provas, com uso de recursos multimídia ou online.

E não é só isso! Em um outro contexto, os médicos já residentes tiveram que se virar pra dar conta de protocolos, aprendendo e se responsabilizando socialmente às necessidades de saúde da população, se comprometendo também com o combate ao vírus sem comprometer a condução do processo de formação nas suas especialidades.

Isso sem falar que os residentes também sofreram impactos negativos à sua saúde física e emocional, numa sobrecarga de trabalho absurda, aliada no entanto à experiência dos serviços e competências dos professores e preceptores que de alguma forma, auxiliou nos processos de aquisição de conhecimentos. Mas apesar do apoio e atuação em conjunto, todos, nesse sentido, foram igualmente prejudicados. 

A gente também fez um artigo bacana sobre a residência médica em tempos de COVID-19. Confere lá! 

Quais são os efeitos que permanecem até hoje nos médicos residentes?

Um pesquisador da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP que estuda Saúde Coletiva, o psicólogo social e coordenador no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), profissional da Rede de Reabilitação Lucy Montoro e do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Ricardo Massuda Oyama, iniciou uma investigação para compreender de que maneira os médicos residentes estão absorvendo as experiências de trabalho durante a crise sanitária atual.

O que a gente tem visto é que muitas pesquisas, como a da FGV e da Fiocruz que apresentamos aqui, nos mostram o preocupante cenário de estresse e exaustão por que passam os profissionais de saúde. Mas o foco do pesquisador Oyama é saber “quais sentidos estão sendo atribuídos pelos residentes através da experiência em se trabalhar e estudar durante o período de pandemia e também as implicações em sua vida no geral.”

Mesmo ainda em fase de análise da pesquisa, percebeu-se um alto nível de frustração dos residentes, “tanto em relação às expectativas que tinham ao ingressar nos programas de residência, onde os residentes foram pegos desprevenidos e não tiveram tempo para se preparar emocionalmente para o que estavam prestes a enfrentar em sua formação devido ao medo gerado na atuação da linha de frente no combate à pandemia, quanto às diferentes formas de enfrentamento por cada profissional de saúde residente”, afirma o psicólogo Ricardo Oyama, responsável pela pesquisa

No entanto, o pesquisador arrisca dizer que apesar do risco de infecção e as muitas adaptações dos programas de residência médica, a pandemia tem sido uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional dos médicos residentes, além de contribuir para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

E aí? Curtiu saber mais sobre a saúde mental dos profissionais da saúde na pandemia? 

É muito importante acompanhar o estado da saúde mental dos profissionais da saúde na pandemia. E já que você leu o texto até aqui, deixe um comentário sobre o que acha desse assunto!

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JoãoVitor

João Vitor

Capixaba, nascido em 90. Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e com formação em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) e Administração em Saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Apaixonado por aprender e ensinar. Siga no Instagram: @joaovitorsfernando