Como interpretar as sorologias e anticorpos da hepatite B?

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Ao nos depararmos com uma possibilidade diagnóstica de hepatite B, é importante saber em qual fase da doença ou infecção a pessoa se encontra. Cada anticorpo significa uma fase específica e, portanto, direciona para uma abordagem diferente. Além de saber interpretar o significado do anticorpo, é importante também entender o momento ideal para solicitação de cada tipo dosagem. 

E aí? Você já se encontrou confuso ao analisar as mais diversas sorologias e anticorpos da hepatite B? Neste texto, você vai tirar todas as suas dúvidas e sair dessa leitura pronto para arrasar quando o assunto é hepatite B. Bora? 

A hepatite B

As hepatites virais são causadas por vírus hepatotróficos, com características distintas entre eles. Vários vírus podem agredir o parênquima hepático, como herpes simples e citomegalovírus, mas não são considerados hepatotróficos puros, porque estão em um contexto de doença sistêmica. Os principais agentes hepatotróficos são os vírus da hepatite A, B, C, D e E.

A hepatite B é considerada até mais transmissível que o HIV, já que pode ser transmitida por todos os fluidos do corpo, exceto pela urina. A forma de transmissão mais importante é pela via sexual.

Em 70% dos casos de infecção aguda em adultos, o paciente está anictérico, assintomático ou apresenta sintomas leves. O quadro clínico se apresenta de forma aguda ou crônica, geralmente manifestando com o seguinte pródromo:

  • febre baixa;
  • dor de cabeça;
  • mialgia;
  • artralgia;
  • vômito;
  • dor e desconforto no hipocôndrio direito.

Após o pródromo, aparece colúria, que precede o aparecimento da icterícia. Segue-se então a icterícia, que pode vir acompanhada de prurido e acolia fecal. A duração dos sintomas até 6 meses significam um quadro agudo, seguida de melhora clínica e laboratorial após essa fase. Sintomas que ultrapassam os 6 meses podem caracterizar um quadro crônico.

O vírus da hepatite B tem uma tendência maior de agudização e cura no adulto, em relação ao vírus da hepatite C. Assim, também é o que tem maior chance de evoluir para a chamada hepatite fulminante. O que determina a cronicidade e a gravidade é o sistema imunológico, e não a virulência. Por exemplo, na hepatite B congênita, a evolução para hepatite crônica é de 95%. No adulto, é o contrário: a chance de evoluir para hepatite crônica é de 5%.

Essa diferença está relacionada ao sistema imunológico. Em 1% dos casos, há hepatite fulminante, quando o sistema imunológico foi exacerbadamente ativado. Ela aparece com encefalopatia nas primeiras 8 semanas do início do quadro de hepatite. A mortalidade média nesses casos vai de 30 a 50%

Dos 5% de pacientes que cronificam, 50% podem evoluir para cirrose e 5% para hepatocarcinoma. O DNA se incorpora ao material nucleico do hepatócito, existindo um risco de evoluir diretamente para o câncer, mesmo na ausência de cirrose. A hepatite B é o vírus que mais leva ao câncer!

Antes de falarmos sobre os antígenos virais, quero aproveitar para te contar que você pode saber mais sobre como lidar com a cirrose e suas complicações, de forma prática, no nosso e-book Cirrose hepática e suas complicações, que traz as principais informações que você precisa saber na hora de diagnosticar e manejar um paciente hepatopata. Clique AQUI para fazer o download gratuito!

Os antígenos virais

Imagem ilustrativa do vírus da hepatite B.
Fonte: Brasil, 2014. 

Antes de falarmos dos anticorpos da hepatite B, vamos falar sobre os antígenos. O vírus da hepatite B é detectado através de seus antígenos liberados. O primeiro marcador a surgir no organismo é o DNA do vírus, que pode ser detectado 15 dias depois com PCR.

Em seguida, o marcador mais reconhecido é o chamado antígeno Austrália – HbsAg, que aparece de 30 a 45 dias após a infecção pelo vírus. Ele está presente nas infecções agudas e crônicas, e não se encontra mais após a resolução da infecção. É com ele que sabemos se a pessoa tem a infecção atual. 

O anti-Hbc são anticorpos da hepatite B, IgG, produzidos contra o antígeno do núcleo do vírus da hepatite B. Esse marcador indica contato prévio com o vírus. Portanto, está presente no momento da infecção ou após a resolução da infecção. É através dele que sabemos se a pessoa já teve contato com o vírus, mas não indica se a infecção está presente ou não.

Já o anti-Hbc IgM indica infecção recente, nos últimos 6 meses. O anti-Hbc, quando solicitado, pode vir apenas a dosagem IgG. Alguns laboratórios já liberam resultado com diferenciação de IgM/IgG e em outros deve haver solicitação da discriminação pelo médico. 

Portanto, o anti-HbsAg e o anti-Hbc são os dois exames solicitados no screening para hepatite B. Isso quer dizer que se você suspeita de infecção, houve alguma exposição de risco, ou está solicitando por exame de rotina, deverão ser solicitados esses dois exames. 

Assim, a interpretação seria: 

HBsAg Anti-HBc Interpretação/conduta
+Início de fase aguda ou falso positivo/Repetir sorologia após 15 dias
++Hepatite aguda ou crônica/Solicitar anti-HBc IgM
+Janela imunológica ou falso-positivo ou cura/Solicitar anti-HBs
Ausência de infecção 

O anti-HBs é o anticorpo produzido contra o antígeno de superfície do vírus da hepatite B. Ele significa que a pessoa tem imunidade contra o vírus. É detectado geralmente entre 1 a 10 semanas após o desaparecimento do HBsAg e indica bom prognóstico. É encontrado isoladamente em pacientes vacinados. 

Veja bem: esse exame não é solicitado no screening para hepatite B. O resultado dele na presença do screening negativo não gera mudança de conduta. Como visto no quadro acima, ele é solicitado a depender do resultado do HbsAg e anti-Hbc. 

E existe ainda o antígeno HBeAg. Ele é produzido apenas em situações de replicação viral. Portanto, quando é positivo na infecção crônica, indica maiores chances de evolução para cirrose. Ao passo que quando é detectado o anti-HbeAg (o anticorpo), indica ausência de replicação viral e menor chance de evolução para cirrose. Nos casos agudos, o anti-HbeAg significa alta chance de cura da doença. 

Um resumo 

Para uma consulta rápida, deixamos para vocês um resumo das principais combinações dos marcadores abaixo:

SorologiaHBsAgAnti-HBcAnti-HBc IgMHBeAgAnti-HBeAnti-HBs
Susceptível 
Incubação– ou + 
Hepatite B aguda+++– ou + – ou +
Final da fase aguda/janela imunológica++
Hepatite B fase crônica++– ou + – ou + 
Hepatite B curada+-++
Imunizado por vacinação+

Existe, ainda, o B oculto, em que após a infecção, o HbsAg é negativado, mesmo na presença de replicação viral. Some o HbsAg, some o E e o anti-E e fica só o anti-Hbc – e mesmo assim o vírus pode estar provocando doença no fígado. E não tem AgHbs! O único marcador que se tem é o anti-Hbc. Isso se chama infecção oculta pelo vírus B. Por isso, para todo anti-hbc com anti-HbsAg negativo deve-se dosar a carga viral, para verificar se há infecção. 

E aí, gostou de saber mais sobre os anticorpos da hepatite B? O Ministério da Saúde tem um guia com as principais doenças infectocontagiosas e os detalhes de tudo o que falamos aqui. Existe também um protocolo específico para infecção pela hepatite B e coinfecções. Vale a pena conferir!

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PollyannaCristine Dias Ferreira

Pollyanna Cristine Dias Ferreira

Mineira, nascida em Uberlândia em 1994, Formada pela Universidade Federal de Uberlândia em 2017, com residência em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (conclusão em 2019). Experiência em USBF na cidade de Uberlândia. Por uma prática médica responsável e de qualidade.