Diagnóstico de comunicação interatrial: tudo que você precisa saber

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Hoje vamos falar sobre o diagnóstico de comunicação interatrial. Muitas vezes, quando pensamos em cardiopatias congênitas, só nos lembramos dos quadros mais dramáticos. Por exemplo: o recém-nascido está no alojamento conjunto forte e bonito. Então, tem um piripaque, fica roxo, cansado e choca. 

No entanto, dentre as cardiopatias congênitas mais comuns, algumas podem passar despercebidas nos primeiros anos de vida ou até mesmo na vida adulta. 

É o caso da gloriosa comunicação interatrial. As CIAs correspondem a mais ou menos 7% dos defeitos cardíacos congênitos. 

Esse número fica mais expressivo quando levamos em conta que 1 em cada 100 nascidos vivos terão alguma cardiopatia congênita. Além disso, podem ser diagnósticos diferenciais de doenças comuns na infância (daquela asma de difícil controle esquisita, por exemplo). 

Forame oval patente é a mesma coisa que comunicação interatrial?

Lembrem-se de que forame oval patente isolado não é uma doença. 

Ele pode vir a fazer parte de um quadro patológico quando associado a outros defeitos cardíacos, mas sozinho não é uma cardiopatia congênita e não precisa ser encaminhado para o cardiologista. Jeito bom de lembrar: “se fosse igual a CIA, chamava de CIA.” 

Como direcionar o raciocínio sobre a clínica do defeito cardíaco? 

Um jeito legal de pensar e que ajuda a imaginar como será a clínica do ser humano que tem uma CIA é sempre se perguntar: 

  • É uma doença de hiperfluxo ou hipofluxo pulmonar? 
  • Depende de canal arterial para sobreviver, seja para manter circulação sistêmica ou pulmonar? 

Eu sei que vocês podem estar pensando que é gastar neurônio, mas tudo que a gente sistematiza fica mais fácil, ainda mais quando as cardiopatias se misturam. 

Então vamos lá, uma criança que só tem CIA depende de canal arterial? Se eu comecei a conversa falando que poderia passar despercebido, já podem imaginar que não, não depende. 

Próximo passo: é hipofluxo ou hiperfluxo? A pressão nas câmaras esquerdas é mais alta, “direcionando” o fluxo de sangue da esquerda para direita. 

Quando o sangue que estava em átrio esquerdo escapa para átrio direito, ele desce para ventrículo direito e vai pro pulmão, ou seja, sangue que deveria estar indo pra circulação sistêmica volta e fica acumulado na circulação pulmonar. Logo, tem-se uma cardiopatia de hiperfluxo pulmonar. 

Vou abrir um rápido parênteses para lembrar vocês que a passagem de sangue pela CIA acontece durante todo o ciclo cardíaco, ou seja, na diástole e na sístole. Já na CIV, acontece principalmente na sístole.  

Clínica da comunicação interatrial 

Na infância e adolescência a maioria é assintomática. O que difere é o tamanho da CIA, uma CIA gigante pode trazer repercussão, mas é raro que lactentes precisem de intervenção cirúrgica ou por hemodinâmica por uma CIA isolada. 

No entanto, se tivermos uma CIA gigante, podemos encontrar clínica de hiperfluxo pulmonar, ou seja, taquipneia, dispneia, quadros de infecção pulmonar recorrente. 

Mas lembrem-se de que isso não é comum. As pessoas com uma CIA moderada podem ficar assintomáticas por muitos anos, então não culpem a CIA por tudo na vida da pessoa também. 

Não coloque na conta de uma CIA mequetrefe aquele lactente com sibilância recorrente. Já aquele adolescente com uma CIA moderada, que trata uma asma de difícil controle duvidosa, talvez possa ter relação. 

Nos adultos, as CIAs grandes têm clínica de insuficiência cardíaca (dispneia, cansaço aos esforços). E alguns pacientes podem evoluir com hipertensão pulmonar e com insuficiência cardíaca direita. 

Exame físico de alguém com CIA

O exame físico depende da importância da CIA. Pode haver:

  • desdobramento de segunda bulha (passa mais sangue, valva pulmonar leva mais tempo para fechar que a aórtica);
  • sopro diastólico (pelo aumento de fluxo que leva a uma estenose relativa de tricúspide – calma, respira – não é a valva que é ruim, é que proporcionalmente a quantidade de sangue que passa é maior, então a valva fica “pequena”);
  • sopro sistólico (a passagem de sangue pela CIA não sopra, os átrios são câmaras de baixa pressão, não turbilhona, mas a quantidade de sangue que é mandado pro pulmão é maior, então a pulmonar fica relativamente pequena – por isso, estenose relativa). 

O aumento de câmaras direitas pode levar a abaulamento precordial. Uma coisa legal de entender é que à medida que a pressão pulmonar aumenta, o sopro em área pulmonar diminui, por estar ficando mais difícil mandar sangue por lá pelo aumento de pressão. 

Exames

Quem pensou em ecocardiograma vai reiniciar o jogo, não vale. Vamos seguir a ordem mais lógica, primeiro o querido raio-X de tórax AP e Perfil. 

comunicação interatrial
Fonte: Cardiologia Pediátrica, 2ª edição Editora Manole 

Vamos lá, quem achou que esse Raio-X era normal levanta a mão. Vamos por partes: o sinal da seta aponta átrio direito (AD) aumentado, tronco pulmonar (TP). 

Lembra que tem o hiperfluxo pulmonar que leva à dilatação do tronco, e a região da artéria pulmonar direita (ADP). Quando olhamos no perfil, lembra que o ventrículo direito é mais anterior? Podemos observar o aumento do diâmetro ântero-posterior. 

Logo, os achados desse exame demonstram aumento de câmaras direita e de tronco pulmonar e são compatíveis com CIA. Esse Rx não aparenta, mas também pode haver aumento de trama pulmonar. 

Fonte: Cardiologia Pediátrica, 2ª edição Editora Manole 

Olhou o eletrocardiograma e teve até calafrio, certeza. Nesse ECG, observamos sobrecarga atrial direita (SAD), bloqueio de ramo direito (BRD) e sobrecarga de VD (SVD). 

Geralmente, o ritmo é sinusal (como esse acima), mas conforme evolui a dilatação de câmaras, pode surgir fibrilação atrial ou flutter. Além disso, também pode ser observado alargamento de PR e desvio de eixo para esquerda. 

Finalmente chegamos ao ecocardiograma!

É o padrão-ouro para o diagnóstico, sem dúvida. Podemos avaliar tamanho do defeito,  localização, fluxos e direção, além de julgar repercussão. 

Um adendo final: o cateterismo pode ser usado para investigar hipertensão pulmonar em um adulto com repercussão grave sem diagnóstico prévio, mas geralmente é indicado cateterismo no contexto de CIA isolada para tratamento e não puramente para diagnóstico. 

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Referências 

  • Cardiologia Pediátrica, 2ª edição Editora Manole 
  • Tratado de Pediatria, Nelson 18ª Edição 

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AmandaMendes Cruzera

Amanda Mendes Cruzera

Nascida em 1992 em São Paulo, médica formada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2018. Residência em Pediatria na mesma instituição