Doença celíaca: tudo que você precisa saber

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Se você quer saber mais sobre a doença celíaca, este texto é ideal. Em tempos de terrorismo nutricional, é obrigação do profissional de saúde saber realizar orientações com base em conhecimento de qualidade e encerrar a cadeia de mitos e achismos alimentares.

Pensando nessa atualização, hoje vamos revisar os principais conceitos da doença celíaca (DC), uma enteropatia que é muito abordada nas mídias, mas ainda pouco diagnosticada na prática clínica.

Estima-se que a DC atinja cerca de 1% da população mundial.  Ela é especialmente importante na pediatria, já que os sintomas costumam se iniciar na exposição alimentar ao glúten, iniciada idealmente aos seis meses de vida.

Vamos lá?

Como a doença celíaca acontece?

O glúten é uma proteína presente no trigo, centeio e cevada. A exposição a esses alimentos pode desencadear uma resposta inflamatória direcionada às células intestinais de pessoas predispostas geneticamente (com expressão de moléculas MHC classe II HLA DR3-DQ2 e HLA DR4-DQ8).

Resumindo, ao entrar em contato com o glúten, essas pessoas vão gerar uma resposta imunológica anormal, que cursa com inflamação e, consequentemente, atrofia da mucosa intestinal

Quanto maior for o grau de atrofia das vilosidades, menor será a capacidade de absorção de nutrientes, tanto macro como micro, ocasionando os sintomas decorrentes da doença.

A DC é uma enteropatia crônica do intestino delgado, mais frequentemente observada nas mulheres, e por ter caráter genético e hereditário, os familiares de primeiro e segundo grau do paciente com diagnóstico também devem ser investigados.

Quando desconfiar?

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Agora, voltando ao assunto, são conhecidas três formas clínicas distintas: clássica, não gastrointestinal e assintomática.

A forma clássica também é chamada de típica. Nesses casos, os pacientes apresentam diarreia crônica com esteatorreia, perda de peso e distensão abdominal. 

Pode evoluir com formas clínicas graves e infecção bacteriana secundária. Em alguns casos, há chance até mesmo de ser fatal com desidratação hipotônica grave e hipopotasemia.

A forma não gastrointestinal, anteriormente também chamada de atípica, cursa com sintomas inespecíficos e quadro gastrintestinal não exuberante, com queixas extra-TGI. 

A DC pode estar “camuflada” diante de queixas como baixa estatura, anemia ferropriva refratária, deficiências de folato e B12, alterações ósseas, dentárias, dores articulares, alterações hormonais, metabólicas e de sistema nervoso central e periférico, ou seja, qualquer coisa.

A forma assintomática ou silenciosa é o reconhecimento de alteração sorológica e histológica da mucosa do intestino delgado compatíveis com DC, sem nenhum sintoma associado.

Diagnóstico da doença celíaca

O diagnóstico inclui sintomas clínicos + sorologia + histologia de biópsia de mucosa de intestino delgado.

Os pacientes podem, inicialmente, ser triados por métodos sorológicos para avaliar a indicação de biópsia intestinal.

As sorologias utilizadas são o anticorpo antigliadina, o anticorpo antiendomísio e o anticorpo antitransglutaminase (TTG). 

As sorologias são realizadas, preferencialmente, com imunoglobulinas da classe IgA, proteína abundante em mucosas,  então é importante saber que esse paciente não tenha deficiência de IgA,  cursando com possível falso negativo

Nos casos em que se confirme a deficiência de IgA, iniciaremos a investigação com a coleta de anticorpos da classe IgG. 

Esses marcadores sorológicos também são utilizados no seguimento do paciente, já que a negativação dos anticorpos pode ser usada como parâmetro de avaliação da adesão ao tratamento.

O anticorpo Antigliadina IgA é realizado pelo método ELISA e apresenta sensibilidade muito variável e especificidade > 92% em crianças (92-97%), diminuindo um pouco em adultos, 71 – 97%.

O anticorpo Antiendomísio apresenta alta especificidade e sensibilidade, porém, é realizado por um método mais trabalhoso, a imunofluorescência indireta, apresentando um custo benefício ruim.

O TTG também é realizado pelo método ELISA, com ótimos valores de Sensibilidade (92-100%) e Especificidade (91-100%), sendo o método de escolha para avaliação inicial do paciente suspeito.

Assim, para avaliação laboratorial inicial dos casos suspeitos, solicitaremos dosagem de IgA total mais a dosagem de TTG-IgA. É importante lembrar que a criança tem que ingerir glúten em sua dieta para a dosagem dos anticorpos. 

Além disso, se vamos dosar IgA, é importante saber se essa criança também não possui uma deficiência de IgA, certo?

Por muito tempo, a endoscopia digestiva alta com biópsia de intestino delgado foi considerada padrão-ouro para diagnóstico da DC e ainda é considerada segundo o consenso da NASPGHAN (Sociedade Norte-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica) e a Sociedade Britânica de Gastroenterologia. 

Porém, segundo o último Guideline para diagnóstico de Doença Celíaca na pediatra, da ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica), de 2020, podemos confirmar o diagnóstico de DC sem biópsia nos casos em que a dosagem de TTG-IgA seja 10 vezes maior que o valor de referência, mesmo em crianças assintomáticas. 

Nesses casos, é indicada uma segunda coleta de soro para dosagem de anti-endomísio IgA. Aqui, cabe ressaltar as limitações laboratoriais para inclusão do valor 10 vezes superior ao limite superior da normalidade, muitas vezes impossibilitando seguir esse fluxograma menos invasivo.

Pela ESPGHAN, nos casos em que a dosagem de TTG-IgA for positiva, mas menor que 10 vezes a referência, ou em que a criança apresente deficiência de IgA (mesmo com IgG positivo), indicaremos a biópsia de intestino delgado, visando diminuir a chance de resultado falso positivo. 

A biópsia intestinal deve conter, pelo menos, 4 fragmentos de duodeno distal e, no mínimo, um fragmento do bulbo intestinal para avaliação histológica. Também deve ser realizada num período sem restrição de glúten. 

Nos casos de dieta restritiva de trigo, aveia ou cevada, a biópsia pode se apresentar normal, ou apenas com aumento linfocitário intraepitelial.

Essa mucosa biopsiada será a classificada segundo a Classificação de Marsh-Oberhuber, que varia da fase 0 até a fase 4.

  • 0: padrão pré-infiltrativo, normal.
  • 1: padrão infiltrativo, arquitetura da mucosa normal com aumento do infiltrado de linfócitos intraepiteliais.
  • 2: lesão hiperplásica, alargamento das criptas e aumento do número de linfócitos intraepiteliais.
  • 3: padrão destrutivo, atrofia vilositária:

– a atrofia parcial;

– b atrofia moderada;

– c atrofia total.

  • 4: padrão hipoplásico, atrofia total com hipoplasia críptica (possivelmente irreversível).

Posteriormente, essa classificação foi revisada por Corazza e Villanacci, que agruparam as fases 1 e 2 em Grau A, as fases 3a e 3b em Grau B1 e a fase 3c em Grau B2.

Mas, se você não for patologista, o mais importante é saber que o diagnóstico histológico da DC é realizado na presença de atrofia vilositária e aumento no número de linfócitos intraepiteliais (maior que 25 para cada 100 enterócitos) no intestino delgado.

Fluxograma diagnóstico sugerido pela ESPGHAN

Observações: 

  • Considerar limitações laboratoriais e discordância entre autores;
  • Anticorpo anti-transglutaminase;
  • Limite superior de Normalidade.
Doença celíaca - esquema

Tratamento da doença celíaca

O tratamento consiste na dieta restrita de glúten, ou seja, não ingerir alimentos que contenham trigo, centeio e cevada (nem um pouquinho), por toda a vida. Qualquer mínima ingestão de glúten pode ativar o sistema imunológico e causar a reincidência dos sintomas clínicos. 

Na vigência da dieta adequada, ocorre a regressão das alterações histológicas e da sintomatologia clínica, diminuindo o risco de complicações e óbitos dos pacientes com DC no prazo de 3 a 5 anos. 

Considerando os hábitos alimentares padrão, a dieta pode se mostrar limitante para esses pacientes, sendo indicado para todos os pacientes que recebem o diagnóstico de DC o acesso a acompanhamento nutricional

Isso vai garantir uma dieta que contemple os nutrientes necessários e inclua adequadamente as substituições alimentares. 

Além disso, por se tratar de uma doença crônica associada à alimentação, que está muito ligada a atividades sociais e muitas vezes relacionada a memórias afetivas, o acompanhamento psicológico também deve fazer parte do tratamento.

Sobre a doença celíaca, é isso!

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SamanthaMatos

Samantha Matos

Paranaense pé vermelho since 1992. Médica pela PUC-SP, Pediatra pelo Hospital Menino Jesus e Infectologista Infantil pela Santa Casa de SP. Fã número 1 da educação baseada em ciência e evidências.