Entenda como fazer a avaliação do desenvolvimento infantil

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A avaliação do desenvolvimento infantil é parte essencial do acompanhamento pediátrico. Por meio dela, o médico pode identificar precocemente sinais de atraso ou desvios em diferentes áreas do desenvolvimento e intervir de maneira oportuna.

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a American Academy of Pediatrics (AAP), a cada consulta de puericultura o pediatra deve incluir a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, registrando conquistas, comparando com consultas anteriores e orientando a família.

Continue a leitura e confira a importância dessa avaliação, o que avaliar, métodos e mais! 

Por que avaliar o desenvolvimento?

O desenvolvimento infantil reflete a integração de fatores biológicos, ambientais e sociais. Estima-se que 10 a 15% das crianças possam apresentar algum atraso. Detectá-los precocemente é fundamental porque:

  • Permite intervenções rápidas, como fisioterapia, fonoaudiologia ou estimulação precoce.
  • Favorece a adaptação escolar e social no futuro.
  • Apoia os pais no estímulo adequado em casa.

⚠️ Sinal de alerta: qualquer regressão de habilidades já adquiridas deve sempre ser valorizada.

Domínios avaliados

O exame clínico deve ser realizado em todas as consultas, integrando observação direta e relato dos responsáveis. Os quatro eixos principais são:

  1. Motor grosso: envolve o controle postural e os movimentos amplos do corpo, como rolar, sentar, engatinhar e andar.
  2. Motor fino-adaptativo: diz respeito à coordenação dos movimentos das mãos e dos dedos, como segurar, transferir e manipular objetos.
  3. Linguagem: abrange a compreensão e a expressão verbal, desde os primeiros sons até a formação de frases completas.
  4. Pessoal-social: efere-se à forma como a criança interage com o ambiente e as pessoas ao redor, desenvolvendo vínculos, autonomia e habilidades sociais.

Principais marcos do desenvolvimento

O desenvolvimento infantil ocorre em diferentes áreas que se complementam e evoluem de forma integrada. Cada uma delas reflete aspectos específicos das aquisições da criança ao longo do tempo e ajuda o pediatra a identificar se o ritmo de progressão está dentro do esperado.

De forma geral, os marcos do desenvolvimento são divididos em quatro grandes domínios:

Motor grosso

  • 3 meses: sustenta a cabeça.
  • 6 meses: senta com apoio.
  • 9 meses: senta sem apoio.
  • 12 meses: fica em pé/anda com apoio.
  • 15 meses: anda sem apoio.
  • 2 anos: corre, sobe escadas alternando pés.

Motor fino-adaptativo

  • 4 meses: segura objetos voluntariamente.
  • 6 meses: transfere objetos entre as mãos.
  • 9 meses: pinça grosseira.
  • 12 meses: pinça fina.
  • 2 anos: rabisca espontaneamente.

Linguagem

  • 2 meses: sons guturais.
  • 6 meses: balbucia.
  • 12 meses: fala palavras simples.
  • 18 meses: vocabulário de 10 a 20 palavras.
  • 2 anos: frases de duas palavras.
  • 3 anos: frases completas, inteligíveis.

Pessoal-social

  • 2 meses: sorriso social.
  • 6 meses: reconhece cuidadores.
  • 9 meses: estranha pessoas desconhecidas.
  • 12 meses: brinca de “tchau-tchau”.
  • 18 meses: brincadeiras de faz de conta simples.
  • 3 anos: participa de jogos coletivos.

Compreender e registrar esses marcos em cada consulta permite ao pediatra acompanhar a evolução da criança de forma precisa. Essas observações servem de base para o uso de instrumentos de rastreamento padronizados, como o Denver II, o ASQ e o M-CHAT-R/F, que complementam a avaliação clínica.

Métodos de rastreamento

Após compreender os marcos esperados em cada faixa etária, o próximo passo é saber como avaliar o desenvolvimento na prática clínica. Embora a observação e o diálogo com os cuidadores sejam fundamentais, instrumentos padronizados de rastreio ajudam o pediatra a detectar de forma mais precisa possíveis desvios ou atrasos.

Esses métodos não substituem a avaliação clínica, mas funcionam como ferramentas complementares que aumentam a sensibilidade do diagnóstico precoce, permitindo intervenções oportunas e melhor acompanhamento da criança.

Além da avaliação clínica, instrumentos padronizados podem auxiliar o pediatra:

  • Denver II (Denver Developmental Screening Test II):
    Avalia crianças de 0 a 6 anos, rastreando habilidades em quatro domínios (motor grosso, motor fino, linguagem e pessoal-social). Não é diagnóstico, mas identifica risco para atrasos.
  • ASQ (Ages and Stages Questionnaire):
    Questionário preenchido pelos pais, aplicável em diversas idades.
  • M-CHAT-R/F:
    Instrumento voltado para rastrear sinais precoces de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A SBP recomenda o uso rotineiro de instrumentos de rastreio combinados ao exame clínico para aumentar a sensibilidade da detecção.

Como conduzir a avaliação na prática?

Depois de conhecer os marcos do desenvolvimento e os principais instrumentos de rastreamento, é hora de colocar tudo em prática.

Mais do que preencher checklists, o objetivo é compreender o contexto familiar, social e emocional da criança, reconhecendo suas conquistas e eventuais dificuldades. Dessa forma, o pediatra pode orientar adequadamente a família e planejar intervenções precoces, quando necessário.

Na prática, a condução da avaliação envolve:

  1. Observação clínica: postura, movimentos espontâneos, interação.
  2. Entrevista com cuidadores: relatos sobre linguagem, comportamento, brincadeiras.
  3. Aplicação de escalas quando necessário, como o Denver II.
  4. Registro e comparação com consultas anteriores.
  5. Orientação à família: estimular a criança em casa de acordo com a idade.

Quando investigar?

Mesmo com acompanhamento regular e estímulos adequados, algumas crianças podem apresentar ritmos de desenvolvimento diferentes, o que nem sempre representa um problema. No entanto, há situações em que o pediatra deve ficar em alerta.

Identificar precocemente um atraso é essencial para garantir o encaminhamento rápido e a intervenção adequada. Por isso, é importante reconhecer sinais clínicos que indicam a necessidade de investigação complementar, seja por meio de exames, avaliações especializadas ou encaminhamento multiprofissional.

Alguns sinais de alerta exigem investigação adicional:

  • Não sustentar a cabeça aos 4 meses.
  • Não sentar sem apoio aos 9 meses.
  • Não andar aos 18 meses.
  • Não falar palavras aos 15 meses.
  • Qualquer regressão em linguagem, socialização ou motricidade.

Nesses casos, devem ser solicitadas avaliações específicas (neurologia, genética, fonoaudiologia, fisioterapia, entre outros).

Conclusão

A avaliação do desenvolvimento infantil é uma das atribuições centrais do pediatra. Ela deve ser feita em todas as consultas de puericultura, combinando clínica e instrumentos de rastreio, como o Denver II.

Reconhecer marcos do desenvolvimento, sinais de alerta e orientar a família adequadamente faz diferença tanto na qualidade do cuidado em saúde quanto na formação médica.

Dominar os marcos do desenvolvimento infantil é fundamental: além de guiar sua prática clínica, não tem para onde escapar: é um tema clássico de prova de residência.

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Referências

1. Kliegman RM, St. Geme JW. Nelson Textbook of Pediatrics. 21st ed. Philadelphia: Elsevier; 2020.

2. Frankenburg WK, Dodds J, Archer P, et al. The Denver II: A major revision and restandardization of the Denver Developmental Screening Test. Pediatrics. 1992;89(1):91–97.

3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Atenção à saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Rio de Janeiro: SBP; 2018. Disponível em: https://www.sbp.com.br

4. American Academy of Pediatrics (AAP). Developmental Surveillance and Screening for Infants and Young Children. Pediatrics. 2020;145(1):e20193449.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br

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Paola Romani Ferreira Suhet

Paola Romani Ferreira Suhet

Graduação em Medicina pela USF - Bragança Paulista/SP. Residência Médica em Pediatria pelo Hospital Infantil Sabará