Essa pergunta já deve ter passado na cabeça de muitos de vocês: quando solicitar o Escore de Cálcio (EC), para que serve, como é feito e qual a evidência que temos sobre ele. Bom, o texto hoje é para resumir isso tudo e ajudar na decisão do dia a dia de quando pedir o exame e como aplicá-lo. Bora lá!
Pessoal, a associação entre calcificação de artérias e doença aterosclerótica é de conhecimento antigo na medicina! Diante disso, foi natural, com a evolução dos métodos de imagem, que alguém pensasse: e se eu conseguir quantificar esse cálcio nas artérias e, a partir daí, estratificar a chance do meu paciente ter um evento cardiovascular?
Parece bem lógico, né? E foi justamente isso que fizeram! O exame nada mais é do que uma tomografia de baixa dose de radiação, sem contraste, que é sincronizada a um eletrocardiograma para monitorizar interferências.
Após a imagem ser gerada, um programa de computador quantifica as unidades Hounsfield (UH) – aquela unidade de atenuação de imagem amplamente utilizada na radiologia – no trajeto das coronárias. O fator da atenuação máximo é então multiplicado pela área total de cálcio e isso gera o escore de cálcio, graduado em Agatston (que na verdade é o nome do cara que publicou o exame pela primeira vez).
Por ser um método bem consagrado na prática médica, existem diversos estudos sobre o escore de cálcio! E, sim, existe boa evidência de que a presença de calcificação coronária significativa em indivíduos assintomáticos é um fator de risco cardiovascular independente!
Entenda que, ao longo das últimas décadas, foram desenvolvidos inúmeros escores, métodos de imagem e métodos gráficos para tentar predizer o indivíduo com alto risco cardiovascular, que, portanto, deve receber medidas para redução de tal risco (estatinas, mudança de estilo de vida, incentivo a cessação de tabagismo – medidas de prevenção primária).
Mas, a verdade é que com tantos escores e métodos, não é difícil ficar confuso acerca de qual utilizar, qual funciona, qual não tem utilidade… e em 2012, veio uma grande meta análise multicêntrica publicada no JAMA que respondeu, ao menos em parte, essas dúvidas: ela incluiu pacientes de risco intermediário pelo escore de Framingham e analisou diversos marcadores, como o índice tornozelo-braquial, a dilatação fluxo-mediada da artéria braquial (DILA), PCR, história familiar de DAC e o escore de cálcio! E o resultado comprovou que, de fato, o EC é fator de risco independente para incidência de doença arterial coronariana.
Bom, se você prestou atenção na explicação lá em cima, já deve ter chegado a essa conclusão: os estudos com o EC foram em pacientes com risco cardiovascular intermediário por calculadoras (como o Framingham). É o paciente que está em cima do muro: “Não sei se precisa de intervenção, se dou estatina…”.
E aí, para não partir para um método invasivo de cara, eu lanço mão do EC! Ele vai me direcionar para o real risco desse paciente – se o exame vier normal, posso concluir que o paciente não demanda, neste momento, de terapia modificadora de risco. Por outro lado, se eu encontrar um escore de cálcio elevado, concluo que, na realidade, meu paciente é de alto risco cardiovascular, demanda terapia e deve ser avaliado para outros testes – como um estudo de anatomia de coronárias.
Aqui é bem simples. A TC vai mostrar quantos UH tem e o programa vai multiplicar ele pela área, te dando o valor do EC em Agatston. É totalmente reprodutível e não examinador dependente. Alguns fatores inerentes ao paciente, no entanto, podem interferir no desempenho do teste e devem ser levados em consideração na análise:
Agora, observe a tabela com os valores de referência e a classificação de risco segundo o escore de cálcio. É claro, não precisa decorá-la (a não ser que você vá prestar prova para alguma instituição que infelizmente goste dessas decorebas…)
Escore de Cálcio | Grau de calcificação coronariana |
0 | Ausência de DAC |
1 – 10 | DAC mínima |
11 – 100 | DAC leve |
101 – 400 | DAC moderada |
401 – 1000 | DAC severa |
>1000 | DAC muito severa |
Para fins práticos, a presença de EC > 100 (ou seja, a presença de DAC mesmo que moderada), indica o uso de estatinas com bom nível de evidência, além de mudanças de estilo de vida (atividade física, cessação de tabagismo e perda de peso, especialmente). O uso de aspirina é controverso e cada vez menos ela é indicada como profilaxia primária, sendo importante pesar o risco versus benefício de cada paciente.
Pacientes com escore de cálcio entre 0 – 100 não têm benefício da terapia com estatina e a recomendação é repetir o exame em 5 anos. A progressão rápida para um EC maior, inclusive, indica mau prognóstico.
1º) O exame é uma TC de baixa radiação SEM contraste.
2º) Sua melhor aplicação – o American College of Cardiology e a American Heart Association são claros nisso – é para pacientes com mais de 40 anos e risco cardiovascular calculado como intermediário.
3º) Paciente com escore de risco calculado baixo não têm benefício do EC.
4º) Pacientes com sintomas de DAC ou com DAC já diagnosticada também não têm benefício do exame.
5º) Pense no EC como um árbitro para aquele paciente de risco intermediário que você está na dúvida quanto à terapia: ele vai te dizer o grupo ao qual esse paciente de fato pertence e se há ou não benefício de tratamento (e aí pense principalmente em MEV e estatinas).
Espero ter esclarecido esse tema um tanto quanto confuso para muita gente! E que vocês sigam com a melhor prática clínica e baseada em evidências, esse é nosso foco!
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Até a próxima!
Referências:
Capixaba de Vitória, nascida em 1995. Formada pela Escola de Medicina da Santa Casa de Misericória (EMESCAM) de Vitória em 2018. Formada em Clínica Médica pelo HC FMUSP de São Paulo.