Febre reumática: sintomas e manifestações clínicas para o diagnóstico certeiro

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Fala pessoal! Já tivemos nosso apanhado geral em Febre Reumática: tudo o que você precisa saber! – e agora nossa missão é aprofundar um pouco mais na Febre Reumática: sintomas e manifestações que são característicos dessa doença. Lembrando que esses achados serão peça fundamental para nosso diagnóstico! Vamos juntos!

Critérios de Jones: guiando seu diagnóstico

O diagnóstico da febre reumática se baseia em manifestações clínicas e exames laboratoriais, mas não é fácil de ser dado. É um quebra-cabeças, que com ajuda de critérios, pode ser montado. 

Os primeiros critérios para o primeiro surto foram definidos e modificados por Jones e publicados em 1992. Foram adotados pela Organização Mundial de Saúde, que, em 2004, acrescentou novos critérios para diagnóstico do primeiro surto, para a recorrência e para a cardiopatia reumática crônica. Em 2015, a American Heart Association revisou e passou a adotar critérios diferenciados  conforme populações classificadas em baixo, médio e alto risco (Tabela 1).

CRITÉRIOS DE JONES MODIFICADOS CRITÉRIOS DE JONES REVISADOS
Populações de baixo risco Populações de alto risco
CRITÉRIOS MAIORES
Cardite (clínica) Cardite (clínica ou subclínica) Cardite (clínica ou subclínica)
Poliartrite Poliartrite Mono ou Poliartrite ou Poliartralgia
Coreia Coreia Coreia
Nódulos subcutâneos Nódulos subcutâneos Nódulos subcutâneos
Eritema marginado Eritema marginado Eritema marginado
CRITÉRIOS MENORES
Febre Febre Febre
Artralgia Poliartralgia Monoartralgia
Provas de atividade inflamatória elevadas VHS ≥60 mm e/ou PCR ≥3 mg/dL VHS ≥30 mm e/ou PCR ≥3 mg/dL
Aumento do intervalo PR no ECG Aumento do intervalo PR no ECG Aumento do intervalo PR no ECG
EVIDÊNCIAS DE ESTREPTOCOCCIA RECENTE
Cultura positiva da orofaringe para estreptococo beta-hemolítico do grupo A
Títulos elevados do anticorpo antiestreptolisina O (ASLO) ou outro anticorpo estreptocócico, teste rápido para antígenos do estreptococo

Tabela 1. Critérios de Jones revisados pela American Heart Association. Fonte: Revision of the Jones Criteria for the diagnosis of rheumatic fever in the era of Dopller echocardiography: a statement from the American Heart Association. Circulation: 131(20): 1806-18, 2015 May 19

O diagnóstico será positivo para a Febre Reumática se: presença de dois critérios maiores ou de um critério maior e dois menores, se acompanhados da evidência de estreptococcia anterior.

Critérios maiores

Artrite

É a manifestação clínica mais comum da Febre Reumática, presente em 70% dos casos, com evolução autolimitada e sem deixar sequelas.

Lembrem-se: é importante saber diferenciar artrite (critério maior) de artralgia (critério menor). Artralgia, como o próprio nome já diz, significa apenas dor articular, enquanto a artrite é definida como presença de edema na articulação ou, na ausência deste, pela associação de dor com limitação dos movimentos. Não confundam!

A forma clássica é a poliartrite migratória (com média de 6 articulações) – durante a evolução, enquanto a artrite atinge o máximo de sintomatologia em uma articulação, está apenas começando em outra, dando a impressão de que a artrite está migrando, permanecendo 1-5 dias em cada articulação, com duração total média de 1-3 semanas. Afeta preferencialmente as grandes articulações.

Atenção: Não se deve prescrever antiinflamatórios não-hormonais (AINH) nos primeiros dias de artrite em casos duvidosos! A artrite na febre reumática tem uma rápida resposta aos AINH, que em 24h fazem cessar a dor e, em 2-3 dias, as demais reações inflamatórias. O uso precoce nos casos duvidosos impede que se observe o caráter migratório característico, que facilita o diagnóstico.

Cardite

É a manifestação mais grave da Febre Reumática, que pode deixar sequelas e levar a óbito. Pode ser diagnosticada em metade dos casos. A principal característica diagnóstica é o envolvimento endocárdico, caracterizado por sopro audível.

Você sabe qual o sopro mais característico do envolvimento valvar na febre reumática? É um sopro holossistólico, mais audível no ápice, com irradiação para a axila e abafamento da primeira bulha – o sopro de regurgitação mitral!
Na fase aguda, a lesão mais frequente é a regurgitação mitral, seguida pela regurgitação aórtica. E como é o sopro da regurgitação aórtica? É um sopro protodiastólico bem audível na borda esternal esquerda.
As estenoses mitral e aórtica levam anos para se desenvolver, sendo lesões mais tardias.

Casos mais graves podem se manifestar como pancardite, acometendo também pericárdio e miocárdio. A evolução dura em média 1-3 meses, sendo que o sopro desaparece em 70% dos casos, mas 30% evoluirão com sequelas, a cardiopatia reumática crônica.

Com a ajuda do ecocardiograma é possível identificar lesão valvar, mesmo na ausência de sopro, denominada cardite silenciosa ou cardite subclínica.

Coreia

Também conhecida como Coreia de Sydenham, reflete o envolvimento do sistema nervoso central. Sua prevalência varia de 5-36%, com início insidioso, caracterizado por alteração comportamental (desatenção, labilidade emocional) e fraqueza muscular, antecedendo os movimentos rápidos, incoordenados, arrítmicos e involuntários, facilmente observados na face e extremidades. Os movimentos são exacerbados por estresse, esforço físico e cansaço e desaparecem com o sono.

A coreia é uma condição autolimitada, com evolução que varia de algumas semanas a 6 meses, com média de 3 meses. Classicamente não deixa sequelas.

Para ilustrar:

Eritema Marginado

É uma manifestação rara, caracterizada por um eritema com bordas nítidas, centro claro, contornos arredondados ou irregulares, com lesões múltiplas, indolores, não pruriginosas, podendo haver fusão, com um aspecto serpiginoso. Localizam-se principalmente no tronco, abdome e face interna dos membros, poupando face. Podem durar minutos ou horas e mudam frequentemente de forma.

Fonte: Auwaerter, Paul. “Acute Rheumatic Fever.” Johns Hopkins ABX Guide, The Johns Hopkins University, 2022. Johns Hopkins Guides

Nódulos Subcutâneos

Também são raros e estão muito ligados à presença de cardite grave. Geralmente são múltiplos, arredondados, entre 0,5 e 2 cm, firmes, móveis, indolores e recobertos por pele normal, sem características inflamatórias. Ficam em superfícies extensoras, como cotovelos, joelhos, tendão de Aquiles, em proeminências ósseas do couro cabeludo, escápula e coluna. O aparecimento geralmente é tardio em relação às outras manifestações, regride rapidamente com o tratamento da cardite e raramente persiste por mais de um mês.

Fonte: Poonia, A et al. Subcutaneous Nodules in Acute Rheumatic Fever. J Pediatr 2019;213:242. July 10, 2019

Critérios Menores

Febre

Frequente no início do surto agudo, não tem padrão característico, e geralmente está presente na artrite. Cede espontaneamente em poucos dias e responde rapidamente ao anti-inflamatório.

Artralgia

Costuma envolver grandes articulações. Quando migratória e assimétrica, sugere febre reumática.

Cuidado! A artralgia não pode ser usada como critério menor quando a artrite está presente.

Provas inflamatórias

O aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C-reativa (PCR) e alfa-1 glicoproteína refletem uma resposta inflamatória, que pode surgir em qualquer condição infecciosa ou imunoinflamatória. 

Na febre reumática, elas ajudam a monitorar a presença e a evolução do processo inflamatório, sendo úteis para acompanhar a regressão da doença.

Intervalo PR

O aumento do intervalo PR no eletrocardiograma não é específico da febre reumática, podendo estar presente na febre reumática com e sem cardite, mas também pode existir em pessoas normais. 

O eletrocardiograma deve ser solicitado e depois repetido para registrar o retorno à normalidade.

É isso!

Bom pessoal, vocês viram como as manifestações clínicas são a chave para o diagnóstico! E seguindo os critérios não tem erro! Se você começou com o texto onde damos um panorama geral sobre a febre reumática, já sabe qual o próximo passo, né? Agora precisamos de fato realizar o tratamento, então não dê bobeira!

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João PauloNarciso Azevedo

João Paulo Narciso Azevedo

Mineiro apaixonado pelo seu estado, nascido em Varginha em 1991. Formado pela Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS) em 2015. Experiência como segundo Tenente da reserva do Exército Brasileiro, fez Residência em Pediatria e em seguida Neonatologia, ambas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestrado no programa de pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente, também na UNICAMP. Cada vez mais fascinado pelo ensino médico.