Tratamento e profilaxia da Febre Reumática

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Fala pessoal! Chegou a hora de abordarmos os conhecimentos sobre  o tratamento e profilaxia da Febre Reumática. Já tivemos nosso apanhado geral sobre a doença em outros artigos com tudo o que você precisa saber e também já percorremos detalhes das manifestações clínicas e os critérios diagnósticos. Nossa última missão é consolidar as metas terapêuticas da doença. Vamos juntos? 

Após o diagnóstico, o que fazer?

Bem direto ao ponto, o tratamento da Febre Reumática, visa:

  • Erradicação do estreptococo: O tratamento da faringite visa reduzir a exposição antigênica do paciente ao estreptococo e impedir a propagação das cepas reumatogênicas. Os esquemas terapêuticos estão discriminados abaixo, no tópico sobre a profilaxia.
  • Controle dos fenômenos inflamatórios e cicatriciais, controle dos sintomas e tratamento das complicações:

Tratamento da artrite

A artrite apresenta boa resposta ao uso de AINH, como ibuprofeno (30 mg/kg/dia em 3 doses), naproxeno (10-15 mg/kg/dia em 2 doses) ou ácido acetilsalicílico (80-100 mg/kg/dia em 4 tomadas), com desaparecimento dos sintomas em 24-48h. 

Tratamento da cardite

O tratamento é baseado no controle do processo inflamatório, dos sinais de insuficiência cardíaca e das arritmias.

A recomendação atual é tratar todas as cardites com glicocorticoide, com dose inicial de 1-2 mg/kg/dia de prednisona ou prednisolona (máximo 60 mg), por via oral, ou equivalente por via endovenosa. A dose plena deve ser mantida por 2-3 semanas, com posterior redução semanal de 20%, de acordo com a melhora clínica ou laboratorial, com uma duração total de 4-8 semanas na cardite leve e 12 semanas na cardite moderada e grave.

Para o controle da insuficiência cardíaca, pode ser necessário restrição hídrica e uso de diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina (iECA), principalmente nas lesões aórticas. A digoxina também pode ser indicada na presença de disfunção ventricular ou de fibrilação atrial.

Nos casos de cardite refratária ao tratamento clínico, com lesão valvar grave, pode ser necessário tratamento cirúrgico na fase aguda, principalmente em casos de ruptura de cordas tendíneas ou perfuração de cúspides valvares.

Tratamento da coreia

O tratamento específico está indicado apenas nas formas graves, quando os movimentos incoordenados estiverem interferindo na atividade habitual do paciente. As drogas mais utilizadas são:

  • Haloperidol 1 mg/dia em duas tomadas, com aumentos progressivos de 0,5 mg a cada 3 dias (máximo 5 mg/dia), até que se consiga remissão dos sintomas 
  • Ácido valpróico 10 mg/kg/dia, com acréscimos de 10 mg/kg/dia semanalmente, até máximo de 30 mg/kg/dia
  • Carbamazepina 7-20 mg/kg/dia

A redução das doses deve ser iniciada após 3 semanas da ausência de sintomas.

Monitorização da resposta terapêutica

A monitorização objetiva a avaliação da regressão das manifestações clínicas e a normalização das provas de atividade inflamatória (VHS e proteína C-reativa) – devem ser repetidas a cada 15 dias. 

Nos pacientes com cardite, recomenda-se a realização de ecocardiograma, radiografia do tórax e eletrocardiograma após 4 semanas do início do quadro.

A importância da profilaxia!

A relevância da profilaxia reside na possibilidade de lesão cardíaca definitiva.

  • Profilaxia primária: tratamento das tonsilites estreptocócicas de toda a população, já que não sabemos quem é o indivíduo predisposto;
  • Profilaxia secundária: visa impedir uma nova estreptococcia no indivíduo que já teve um surto de febre reumática.

Profilaxia Primária

A penicilina benzatina continua sendo a droga de escolha para o tratamento das faringoamigdalites pelo estreptococo, com alta eficácia clínica e bacteriológica, baixa incidência de efeitos colaterais, boa aderência ao esquema (apenas uma dose) e baixo custo.

A penicilina V é a droga de escolha para uso oral. Amoxicilina e ampicilina também podem ser opções. Nos pacientes que apresentam alergia à penicilina, a eritromicina é a droga de escolha.

Medicamento/Opção Esquema Duração
Penicilina G Benzatina Peso < 20kg: 600.000 UI IM Dose única
Peso ≥ 20kg: 1.200.000 UI IM
Penicilina V 25-50.000 U/kg/dia VO 8/8h ou 12/12h 10 dias
Adulto – 500.000 U 8/8h
Amoxicilina 30-50mg/kg/dia VO 8/8h ou 12/12h 10 dias
Adulto 500mg 8/8h
Ampicilina 100mg/kg/dia VO 8/8h 10 dias
Em caso de alergia à penicilina:
Estearato de eritromicina 40mg/kg/dia VO 8/8h ou 12/12h 10 dias
Dose máxima – 1 g/dia
Clindamicina 15-25 mg/kg/dia 8/8h 10 dias
Dose máxima – 1800 mg/dia
Azitromicina 20mg/kg/dia VO 1x/dia 3 dias
Dose máxima – 500 mg/dia

Tabela 1. Recomendações para a profilaxia primária da febre reumática Fonte: Diretrizes Brasileiras para o diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática. Arq Bras Cardiol 2009; 93(3 supl.4): 1-18

Profilaxia secundária

A profilaxia secundária se inicia prontamente em todos os pacientes que receberam diagnóstico de febre reumática, com objetivo de prevenir colonização ou infecção de via aérea superior pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A, com consequente desenvolvimento de novos episódios da doença.

A penicilina benzatina segue como droga de escolha, conforme discriminado na tabela 1. A prescrição de profilaxia por via oral pode ser feita excepcionalmente quando há dificuldade na aderência ao tratamento. Pode-se, então, prescrever a penicilina V oral. Nos casos de alergia à penicilina, a sulfadiazina apresenta eficácia comprovada. Na alergia aos dois, a eritromicina é a droga de escolha.

Medicamento/Opção Dose/Via de administração Intervalo
Penicilina G Benzatina Peso < 20kg: 600.000 UI IM 21/21 dias
Peso ≥ 20kg: 1.200.000 UI IM
Penicilina V 250.000 U VO 12/12h
Em caso de alergia à penicilina:
Sulfadiazina Peso < 30kg – 500mg VO 1x ao dia
Peso ≥ 30kg – 1g VO
Em caso de alergia à penicilina e à sulfa:
Eritromicina 250 mg VO 12/12h

Tabela 2. Recomendações para a profilaxia secundária Fonte: Diretrizes Brasileiras para o diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática. Arq Bras Cardiol 2009; 93(3 supl.4): 1-18

E por quanto tempo manter a profilaxia?

A duração da profilaxia depende da idade do paciente, do intervalo do último surto, da presença de cardite no surto inicial, do número de recidivas, da condição social e da gravidade da cardiopatia reumática residual. 

Categoria Duração Nível de evidência
FR sem cardite prévia Até 21 anos ou 5 anos após o último surto, valendo o que cobrir maior período I-C
FR com cardite prévia; insuficiência mitral leve residual ou resolução da lesão valvar Até 25 anos ou 10 anos após o último surto, valendo o que cobrir maior período I-C
Lesão valvar residual moderada a severa Até os 40 anos ou por toda a vida I-C
Após cirurgia valvar Por toda a vida I-C

Tabela 3. Recomendações para a duração da profilaxia secundária Fonte: Diretrizes Brasileiras para o diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática. Arq Bras Cardiol 2009; 93(3 supl.4): 1-18

Manter a profilaxia secundária da febre reumática é um desafio na prática clínica diária. A família deve ser instruída sobre a gravidade da doença para otimizar a aderência medicamentosa.

Fechado?

Agora você já sabe tudo sobre a Febre Reumática, suas manifestações clínicas, critérios diagnósticos, tratamento e profilaxia. Mas, se você perdeu nossos outros textos sobre o tema, não deixe de lê-los. E se está gostando do nosso conteúdo, tenho certeza que a Medway tem muito mais para oferecer na Academia Medway! E se está se preparando para as provas de residência, não deixe de conferir nossos Extensivos e Intensivos.

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João PauloNarciso Azevedo

João Paulo Narciso Azevedo

Mineiro apaixonado pelo seu estado, nascido em Varginha em 1991. Formado pela Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS) em 2015. Experiência como segundo Tenente da reserva do Exército Brasileiro, fez Residência em Pediatria e em seguida Neonatologia, ambas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestrado no programa de pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente, também na UNICAMP. Cada vez mais fascinado pelo ensino médico.