Hipertensão arterial em Pediatria: tudo que você precisa saber

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Crianças não são adultos pequenos em, como em tudo na Pediatria, as referências variam conforme sexo, idade e no caso da pressão arterial, também do percentil de estatura. No texto de hoje, que tal descomplicar hipertensão arterial em Pediatria de uma vez por todas? 

A aferição de pressão arterial é um desafio nessa faixa etária. O desafio começa na escolha do manguito ideal para cada criança e, é claro, não é sempre que elas irão colaborar. 

Para minimizar o erro de aferição, vamos às recomendações…

Quando e em quem medir a pressão arterial?

TODAS as crianças maiores de 3 anos de idade devem ter sua pressão arterial aferida no mínimo anualmente. 

Existem grupos de risco, em que a PA precisa ser avaliada precocemente, com rastreio mesmo antes dos três anos de idade. São eles:

  • A depender do histórico neonatal: prematuridade (< 32 semanas), muito baixo peso ao nascer (< 1500g), antecedente de cateterismo umbilical e necessidade de cuidados intensivos neonatais;
  • Comorbidades: cardiopatias congênitas (corrigidas ou não) e nefropatias (incluindo ITUs de repetição, hematúria ou proteinúria, malformações de trato urinário, história familiar de doença renal congênita);
  • Pacientes oncológicos e transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea;
  • Pacientes em uso de medicamentos que podem elevar a PA;
  • Outras doenças associadas à HAS (ex: neurofibromatose, esclerose tuberosa, anemia falciforme) ou evidência de aumento da pressão intracraniana. 

ATENÇÃO: as crianças obesas, as que tomam medicamentos que podem elevar a PA, que tenham doença renal, diabéticos e cardiopatas, devem ter medida pressórica em toda consulta médica.

Como medir a pressão arterial? 

O check-list da aferição perfeita…

  • Criança tranquila, em repouso há mais de 5 minutos, sem ter praticado exercícios físicos há pelo menos 60 minutos;
  • Bexiga vazia, pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado;
  • O braço escolhido de preferência é o direito, evitando falsas medidas como no caso de Coarctação da Aorta; 
  • O braço deve estar na altura do coração, apoiado, com a palma da mão voltada para cima e as roupas não devem garrotear o membro; 
  • A técnica preferencial de medida é a auscultatória.

Passo a passo

  1. Medir a distância do acrômio ao olécrano; 
  2. Identificar o ponto médio da distância entre o acrômio e o olecrano. Medir a circunferência do braço nesse ponto médio; 

O manguito ideal deve cobrir 40% da largura e 80 a 100% do comprimento.

Hipertensão arterial em Pediatria: saiba mais!
Fonte: www.aafp.org/afp. Hypertension in Children and Adolescents, 2006
  1. Colocar o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima da fossa cubital; 
  2. Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial;
  3. Estimar o nível da PAS (pressão arterial sistólica) pela palpação do pulso radial;
  4. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula ou o diafragma do estetoscópio sem compressão excessiva;
  5. Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível estimado da PAS obtido pela palpação; 
  6. Realizar a deflação lentamente (velocidade de 2 mmHg/segundo); 
  7. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro som (fase I de Korotkoff) e depois aumentar ligeiramente a velocidade de deflação;
  8. Determinar a PAD (pressão arterial diastólica) no desaparecimento dos sons (fase V de Korotkoff); 
  9. Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa; 

Beleza, você arrasou e fez a aferição correta, com manguito correto, na posição correta, em condições mais próximas do ideal. 

Como interpretar?

Definimos HAS quando os valores de pressão arterial sistólica e/ou diastólica iguais ou superiores ao Percentil 95 para sexo, idade e percentil da altura em três ou mais ocasiões diferentes.

Interpretaremos e classificaremos a pressão arterial da seguinte forma…

HAS em Pediatria

Atenção!

Viu que são necessárias 3 aferições consecutivamente alteradas para definir HAS?

  • Se classificarmos como “PA elevada”, o intervalo entre essas medidas será de 6 meses; 
  • Na HAS estágio 1, a 2ª medida será realizada em 1-2 semanas e a 3ª após 3 meses; 
  • Na HAS estágio 2, nova reaferição será realizada em 1 semana, referenciando ao especialista.

Como vimos acima, a interpretação varia conforme percentil para idade, sexo e também estatura. Vamos exercitar com um exemplo?

Faz de conta que a bebê da Nazaré tem 1 ano de idade, e claramente sua estatura está próximo ao P5. A pressão arterial é de 84 x 50 mmHg.

E aí, como classificar essa pressão arterial?

Vamos lá na tabela de percentis que relaciona pressão arterial x estatura x sexo. Vamos dar um “close” especificamente no sexo feminino e idade de 1 ano…

Fonte: Adaptado do Manual de Orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Fonte: Adaptado do Manual de Orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Se a PA da bebê é de 84 x 50 mmHg, concluímos que: 

PAS está exatamente no P50 e PAD está entre P50-P90. Logo, a criança é normotensa. 

Hipertensão arterial em Pediatria: primária ou secundária?

Conte para mim quantas Valentinas e Enzos chegaram à sua consulta de puericultura, colocaram na mesa do consultório uma sacolinha e despejaram cartelas de remédios para pressão. 

Diferentemente da Clínica Médica, a frequência de hipertensão arterial na população pediátrica é bem menor (via de regra). 

Portanto, é mandatório definir se a hipertensão arterial em Pediatria, especialmente do paciente pediátrico, é primária ou secundária. Hipertensão arterial essencial é diagnóstico de exclusão!

A etiologia mais prevalente para cada faixa etária é:

  • Recém-nascidos: trombose da artéria renal, estenose de artéria renal, malformações congênitas renais, coarctação de aorta, displasia broncopulmonar;
  • 2 meses a 6 anos: doenças do parênquima renal, coarctação da aorta, estenose de artéria renal; 
  • 6 a 10 anos: estenose de artéria renal, doenças do parênquima renal, hipertensão primária;
  • Adolescentes: hipertensão primária, doenças do parênquima renal.

Pensando na etiologia mais frequente para a idade, história clínica e achados de exame físico, guiaremos a investigação. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial trazem sugestões de exames complementares…

  • Todos os pacientes: urina tipo 1 e urocultura; bioquímica, incluindo eletrólitos, ureia e creatinina, perfil lipídico, ácido úrico, hemograma completo. Ultrassonografia renal em menores de 6 anos ou nos que tiverem urina 1 ou função renal alteradas.
  • Crianças ou adolescentes obesos (IMC >P95): além dos anteriores, hemoglobina glicada (para triagem de diabetes mellitus), transaminases (triagem de esteatose hepática), perfil lipídico em jejum (triagem para dislipidemia).

É claro, você indidualizará os exames complementares a depender do seu paciente, afinal, a “cliniquinha” também é soberana. 

São outros testes que auxiliam bastante quando bem indicados: glicemia em jejum (nos que tenham risco de desenvolver diabetes mellitus), TSH, hemograma completo, screening para drogas, polissonografia (se roncos, sonolência diurna ou relato de apneia do sono), ultrassonografia com Doppler de artérias renais, ecocardiograma, entre outros.

Atenção, pessoal!

Nos últimos anos, junto do “boom” da obesidade infantil, a incidência de hipertensão essencial também tem crescido. 

A HAS primária tem acometido mais os maiores de 6 anos, com sobrepeso ou obesidade ou história familiar positiva. Entretanto, só vamos bater o martelo de que se trata de HAS essencial se afastarmos as causas secundárias.

Show! Entendemos como diagnosticar. Agora é hora de tratar! 

Tratamento da hipertensão arterial em Pediatria

Medidas não-farmacológicas

A terapia inicial, na maioria dos casos, é a não-medicamentosa. Mesmo nos pacientes em que a terapia farmacológica for iniciada, o tratamento não-medicamentoso deve ser mantido.

A alimentação: 

Não basta dizer “coma bem, criança!”, precisamos saber realizar a orientação inicial também. Nesse contexto de prevenção/tratamento de HAS e síndrome metabólica, a recomendação das diretrizes consiste na dieta “DASH” (Dietary Approaches to Stop Hypertension). 

Ela é baseada em redução do sal, das gorduras saturadas, colesterol e gorduras totais, redução do consumo de carne vermelha, açúcares, bebidas ricas em açúcar, leite e derivados. 

Deve ser rica em potássio, magnésio, cálcio, proteínas e fibras. Enfatiza a ingestão de frutas, verduras e produtos sem gordura. Também inclui grãos, peixe, aves e castanhas.

Exercício físico: 

A atividade física deve ser individualizada, adequada à idade e condição clínica dessa criança ou adolescente, e preferencialmente acompanhada por profissional de Educação Física. 

Indivíduos obesos devem optar por exercícios com impacto articular ausente ou diminuído. Nos hipertensos que já são atletas, é fundamental avaliação cardiológica prévia para liberar (ou não) as atividades a nível competitivo até que se controle os níveis pressóricos. 

Em HAS estágio 2, mesmo sem lesão de órgão-alvo, deve-se evitar atividades de alto impacto como levantamento de peso, boxe ou luta livre, até que a hipertensão seja controlada.

Tratamento medicamentoso

São indicações de início de tratamento medicamentoso:

  • Falha na resposta ao tratamento não-farmacológico;
  • Hipertensão sintomática;
  • HAS estágio 2 sem fator modificável identificado;
  • Presença de hipertrofia de ventrículo esquerdo;
  • HAS em doença renal crônica e diabetes mellitus.

Qual anti-hipertensivo escolher?

A recomendação é o início em monoterapia. São opções de tratamento inicial: inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueador do receptor da Angiotensina (BRA) ou bloqueador dos canais de cálcio (BCC) ou diurético tiazídico.

IECA e BRA são atualmente a melhor escolha de tratamento para hipertensão nessa faixa etária, de modo geral.

Qual é o alvo do tratamento?

O objetivo é atingir PA abaixo do P90 ou menor que 130×80 mmHg, o que for menor entre eles. Nos portadores de doença renal crônica, o alvo é mais baixo, no P50. 

Como avaliar a resposta?

As reavaliações serão realizadas a cada 4 a 6 semanas para ajuste de doses ou associação de outra medicação. Após controle da PA, os retornos serão espaçados, a cada 3 a 4 meses.

E se a PA não normalizou com o tratamento inicial?

Pensaremos em associar drogas se:

  • PA não normalizar após a dose máxima do anti-hipertensivo inicial;
  • Impossibilidade de chegar na dose máxima do anti-hipertensivo inicial devido efeitos colaterais. 

Na necessidade de associação, escolheremos uma classe diferente de anti-hipertensivo, portanto, com mecanismo de ação diferente e complementar. 

Não vale associar, por exemplo, captopril e enalapril, assim como também não é indicado utilizar IECA junto com BRA, já que o mecanismo é similar.

Se após 2º anti-hipertensivo, a PA continuar elevada, associaremos a 3ª droga. É essencial que esses pacientes sejam acompanhados por especialistas em hipertensão arterial infantil.

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