Insuficiência cardíaca congestiva em Pediatria: tudo que você deve saber

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Hoje vamos falar um pouco sobre a insuficiência cardíaca congestiva em Pediatria. Sei que muitos já têm até calafrios só de imaginar uma criança cardiopata, mas vamos entender um pouco sobre os tubos e conexões para auxiliar no entendimento dos sinais e sintomas, causas, classificação e condutas. 

Vamos por partes e iniciar essa aventura com uma frase de efeito: a insuficiência cardíaca é a incapacidade de manter um débito cardíaco adequado para as demandas metabólicas. 

O que é débito cardíaco? 

Matematicamente, débito cardíaco é resultado da frequência cardíaca multiplicada pelo volume sistólico, sendo que o volume sistólico depende da pré-carga, da contratilidade e da pós-carga. 

Calma, respira! Quando pensamos na pré-carga estamos falando de volume, ou seja, do que chega no coração pelas veias. 

Quando pensamos em contratilidade, estamos nos referindo à força da bomba e ao falar de pós-carga sobre a pressão que o ventrículo tem que vencer no caminho a frente para conseguir mandar o sangue. 

É importante ter uma noção geral sobre isso, porque nele, na maioria das vezes, a insuficiência cardíaca está vinculada inicialmente a disfunções sistólicas ou diastólicas (lembrando que os principais responsáveis por insuficiência cardíaca nos adultos são as doenças coronarianas e hipertensão). 

Nas crianças, a insuficiência cardíaca pode estar atrelada a outros elementos definidores do débito cardíaco e evoluir com disfunção sistólica no andar da carruagem. 

Deu nó na cabeça? Segura a onda e vamos ver alguns exemplos para tornar mais palpável. 

Vamos seguir a mesma linha de raciocínio do início: começaremos pela pré-carga. 

A sobrecarga de volume (aumento de pré-carga) pode ser encontrada em doenças que tenham shunt (desvio de sangue, mesmo) da esquerda para direita – como na persistência de canal arterial (a pressão pulmonar é menor que a sistêmica, então é “mais fácil” o sangue ir pra lá que para o corpo, levando a um roubo de fluxo). 

Sigamos para a alteração de contratilidade, que pode ser vista em pacientes com origem anômala de coronária esquerda (infarta, igual adulto), e alteração de relaxamento do coração (não enche direito na diástole), como nas miocardiopatias hipertróficas ou restritivas. 

Por último, a elevação da pós carga (a pressão do circuito à frente está muito alta), como na coartação de aorta. 

Depois de toda essa prosa, podemos afirmar que é importante ter uma noção geral disso, uma vez que as cardiopatias congênitas são as principais causas de insuficiência cardíaca na pediatria, seguidas pelas miocardiopatias e as miocardites.  

A sobrecarga de volume (pré-carga), a sobrecarga de pressão (pós-carga) e a própria disfunção diastólica podem evoluir com disfunção sistólica. 

Existem mecanismos que podem compensar, inicialmente, a redução do débito cardíaco (famosos sistema nervoso simpático e sistema renina-angiotensina-aldosterona). 

No entanto, eles levam a remodelamento cardíaco, fibrose, perda de células cardíacas e, consequentemente, disfunção diastólica/sistólica e descompensação cardíaca. 

Como desconfiar de insuficiência cardíaca congestiva em Pediatria? 

Vamos pensar por faixa etária: falamos que a principal causa de insuficiência cardíaca é cardiopatia congênita. Então, vamos lembrar que um ponto muito importante no manejo da criança cardiopata é saber se sua doença é ou não dependente do canal arterial. 

Lembrem, o canal arterial liga a circulação pulmonar com sistêmica (mais precisamente artéria pulmonar com aorta). Se a criança depende dele, por exemplo, em uma coarctação de aorta violenta e ele fecha, o fluxo para corpo some e consequentemente evolui rapidamente para choque cardiogênico. 

Nesses casos extremos, as manifestações acontecem horas ou dias após o nascimento (pós fechamento do canal). 

Em outros casos, como nas crianças que apresentam shunt esquerda-direita as manifestações apareceram conforme a pressão pulmonar cai. Lembrem-se de que a pressão pulmonar durante a gestação é enorme e, após o nascimento, vai ocorrer uma redução gradual dessa pressão. 

E por isso, a insuficiência cardíaca pode ser mais lenta, pois conforme a pressão pulmonar cai vai acontecendo o aumento do fluxo para o pulmão (o pulmão afogado e o corpo passando aperto). Nesses casos, as manifestações podem aparecer em torno da 3-4 semana de vida. 

Agora, o que são as manifestações de insuficiência cardíaca que falamos acima?  

Como tudo na Pediatria, as manifestações podem não ser tão óbvias e muitas vezes podem ser confundidas com quadros respiratórios ou gastrointestinais.  Sudorese, baixo ganho ponderal, dificuldade para mamar, hipoatividade, desconforto respiratório, dor abdominal/cólicas. 

Procuramos sinais de congestão sistêmica ou pulmonar, além de sinais de hipoperfusão sistêmica. Finalmente, chegamos nos achados que todos lembram quando pensam em IC: hepatomegalia, anasarca, estertores, desconforto respiratório. 

Sempre vale lembrar que crianças não são pequenos adultos, ou seja, a insuficiência cardíaca pode te enganar, não espere uma criança francamente ICCzenta pra pensar que pode ser uma insuficiência cardíaca grave. 

Como classificar a insuficiência cardíaca? 

Classificação Funcional de Ross (similar a NYHA): 

Classe Significado 
Iassintomático 
IITaquipneia ou sudorese leve às mamadas, em bebês, ou dispneia leve aos exercícios em crianças maiores 
IIITaquipneia ou sudorese importante às mamadas, em bebês, ou dispneia acentuada aos exercícios em crianças maiores 
IVTaquipneia, desconforto respiratório, sudorese em repouso 

Estadiamento American Heart Associaton e da American College of Cardiology: 

Estágio Significado 
ACrianças com risco para IC, com função cardíaca normal, sem sintomas de IC 
BAlteração de morfologia ou da função cardíaca, sem sintomas de IC 
CDoença estrutural ou funcional, que já tenha recebido diagnóstico de IC 
DIC terminal 

Exames complementares

Pacote cardio mínimo, né, time? Eletrocardiograma (frequência, sobrecargas, arritmias, desvio de eixo), raio-X de tórax (aumento de área, qual a câmara aumenta, hiper ou hipofluxo pulmonar) e ecocardiograma (não vale pular direto pra ele, o ECG e o Rx dão dicas muito preciosas do diagnóstico). 

Vale a pena lembrar que avaliação de eletrólitos, busca de infecção, dosagem de hormônios tireoidianos, função renal, hepática podem ser úteis nos quadros agudos para diagnósticos diferenciais/fatores desencadeantes de descompensação. 

Outros exames como BNP/pró-BNP podem ser usados para avaliação de prognóstico. Angio-TC/Angio-RNM/cateterismo para avaliação anatômica e funcional. Troponina na suspeita de isquemia. 

Tratamento da insuficiência cardíaca congestiva em Pediatria 

Para acabar com a agonia geral da nação, finalmente chegamos à classificação de seco X úmido e quente X frio no tratamento de descompensações agudas. 

Quando eu falo insuficiência cardíaca e tratamento, pelo menos metade deve ter se lembrado disso, mas como essa classificação guia o tratamento? Vamos pensar? 

Essa classificação ajuda a entender como está a hemodinâmica desse paciente:

Quente e seco  (A) quente = perfusão adequada seco = sem congestão sistêmica ou pulmonar CONDUTA → prevenir descompensações e otimizar tratamento ambulatorial! Quente e úmido (B) quente = perfusão adequada úmido = congestão CONDUTA -> avaliar vasodilatadores e/ou diuréticos / controlar volemia 
Frio e seco (C ) frio = perfusão inadequada seco = sem sinais de congestão sistêmica/pulmonar CONDUTA -> avaliar volemia inotrópicos / inotrópicos + vasodilatadores Frio e úmido (D) frio = perfusão inadequada úmido  = sinais de congestão sistêmica/pulmonar CONDUTA -> avaliar volemia vasodilatadores + diurético / inotrópicos se necessário 

Atenção, os vasodilatadores reduzem pós-carga do ventrículo esquerdo ao atuar na resistência vascular periférica, “facilitando” o trabalho desta câmara. Além disso, mesmo um cardiopata pode precisar de uma expansão às vezes, sempre com parcimônia.

Aqui vale um rápido adendo sobre a ventilação com pressão positiva no manejo agudo da insuficiência cardíaca, seja VNI ou entubação mesmo. 

Ela pode ser sua melhor amiga quando se trata de uma disfunção de ventrículo esquerdo com congestão pulmonar, um dos mecanismos é o aumento da pós carga  e redução do volume sistólico direito. 

Lembrem que o problema fica pra trás, ou seja, o ventrículo esquerdo está ruim, faz congestão pro pulmão.  Além disso, a pressão positiva aumenta o volume sistólico esquerdo e reduz a resistência vascular sistêmica, ajudando no débito cardíaco. Mas, uê, como que mexe na resistência vascular sistêmica? 

Lembrem-se de que a resistência vascular sistêmica é reflexo da pressão na raiz da aorta menos a pressão intratorácica, bem grosseiramente. Imagine que a pressão intratorácica aumentada aperta o coração, ajudando ele a bombar mais forte. 

Se aumentar demais, a pressão estraga, porque daí vai aumentar a pressão na raiz da aorta também. Detalhe: vocês perceberam que alguns mecanismos desses podem afundar um ventrículo direito que não esteja dos melhores? 

Respira e vamos fundo! Ocorre redução de retorno venoso (diminui a pré-carga de ventrículo direito) e aumenta a resistência vascular pulmonar (aumenta a pós-carga de ventrículo direito) e prejudicam o débito cardíaco à direita.  Tá vendo como é muito importante entender os tubos e conexões?

A condução ambulatorial extrapola algumas condutas do mundo dos adultos. São indicados uso de iECA, em seguida de betabloqueadores (carvedilol) e antagonistas de aldosterona (espironolactona). 

Essas medicações atuam lá naquilo que citamos no começo da conversa: sistema renina-angiotensina-aldosterona e no sistema nervoso simpático e tentam evitar o remodelamento cardíaco. Os diuréticos podem ser usados para manejo, mas lembrem-se de que nem nos adultos mudam a mortalidade.

Curtiu saber mais sobre a insuficiência cardíaca congestiva em Pediatria?

Assim, terminamos mais um tema importante no dia a dia no setor de emergência, com destaque para a insuficiência cardíaca congestiva em Pediatria. Ah, e se quiser conferir mais conteúdos de Medicina de Emergência, dê uma passada na Academia Medway. Por lá, disponibilizamos diversos e-books e minicursos completamente gratuitos!.

Referências

  • Cardiologia Pediátrica, 2ª edição Editora Manole 
  • Tratado de Pediatria, Nelson 18ª Edição 

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AmandaMendes Cruzera

Amanda Mendes Cruzera

Nascida em 1992 em São Paulo, médica formada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2018. Residência em Pediatria na mesma instituição