Overdose de serotonina: tudo que você precisa saber

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A overdose de serotonina é uma condição pouco diagnosticada, justamente por ser pouco reconhecida. Além disso, contrariamente ao que se pensa, ela não ocorre só pela toxicidade de medicamentos serotoninérgicos, mas também em usos habituais.

Aprenda como reconhecer o padrão de apresentação dessa condição e veja qual é o manejo inicial recomendado com a leitura deste texto.

Como desconfiar?

Você deve estar se perguntando por que um hormônio conhecido por trazer felicidade pode ser potencialmente fatal em uma dose elevada. Isso ocorre porque o neurotransmissor serotonina (5-HT) apresenta ação central e periférica.

Dessa forma, a ação no sistema nervoso central é modular à atenção, ao comportamento, à termorregulação e à cognição. Por outro lado, no sistema nervoso periférico, a atuação está relacionada à vasoconstrição, à broncoconstrição, à agregação plaquetária e à motilidade gastrointestinal.

O que realmente importa é que o excesso de serotonina nesses receptores causa um desbalanço nas funções, hiperativado-as e podendo causar um espectro de sintomas, que variam de leves a potencialmente ameaçadores à vida.

O que leva ao aumento da serotonina nas fendas sinápticas?

A overdose de serotonina pode ser fruto de uma iatrogenia, ou seja, resultado adverso de um tratamento prescrito por médico. Você lembra que os inibidores da recaptação seletiva de serotonina (IRSS) representam o padrão-ouro para o início do tratamento da depressão?

A maioria das síndromes serotoninérgicas é precipitada com o uso de uma ou mais classes responsáveis por aumentar a disponibilidade desse neurotransmissor na fenda sináptica, principalmente quando há:

  • introdução de novo fármaco;
  • aumento de dose da medicação;
  • introdução de uma nova classe serotoninérgica; 
  • overdose.

Abaixo, estão as medicações mais relacionadas a esse evento adverso:

FunçãoExemplos
Inibidor seletivo de recaptação de serotonina (sertralina), inibidores da MAO (fenelzina), inibidor de recaptação de serotonina e norepinefrina (venlafaxina), lítio, antidepressivo tricíclico (amitriptilina).
Opioides analgésicosFentanil, tramadol.
AntieméticosOndansetrona, metoclopramida
AntibióticosLinezolida
AntimigranososSumatriptano
Medicação para tosse e resfriadoDextrometorfano
Drogas de abusoEcstasy, LSD, cocaína.
MiscelâniaAzul de metileno, erva-de-são-joão.

Como identificar?

Primeiro, acompanhe um caso: A.C.R, 21 anos, com antecedente de depressão e ansiedade, chega ao PS com queixa de febre e sudorese. Você pega a ficha e a chama. Durante a anamnese, ela nega tosse, disúria, dor abdominal, manchas na pele ou viagem recente.

Ela relata que faz tratamento com antidepressivo e, hoje, o psiquiatra adicionou uma nova medicação. A paciente mostra-se agitada e inquieta. SSVV: PA 150/95, STO2 100% aa. Dextro de 112 mg/dl. Teste para gravidez negativa (urina).

Qual é a apresentação clínica da síndrome? Será que há algum exame para confirmar o diagnóstico? Em um quadro de intoxicação, presencia-se uma perda da modulação das funções exercidas com exacerbação. Dessa forma, há:

Alterações do estado mentalInstabilidade autonômicaAnormalidades neuromusculares
AgitaçãoTaquicardiaClônus
Pressão para falarDiarreia, hipertensão/hipotensãoHiperreflexia desproporcionada crural-cranial
ComaDiaforese, pupilas midriáticasTremores, convulsão

Olhando para essa tabela, perceba que os sintomas são muito inespecíficos e, juntamente a isso, o diagnóstico de síndrome serotoninérgica é clínico. É possível usar os critérios de Hunter, associados a um dos critérios abaixo, diante de um paciente com introdução/aumento da dose/interação recente de medicação serotoninérgica:

  • clônus espontâneo;
  • clônus (induzido ou ocular) + diaforese ou agitação;
  • clônus (induzido ou ocular) + hipertermia (> 38°C) e hipertonicidade;
  • hyperreflexia e tremor.

Os critérios de Hunter apresentam sensibilidade de 84% e especificidade de 97% para a condição. Agora, só um adendo:

  • um exame altamente sensível ajuda a “eliminar” a possibilidade do paciente apresentar a condição caso o resultado vier negativo — bom para screening;
  • um exame altamente específico ajuda a corroborar a hipótese para doença caso o resultado vier positivo.

O clônus é um movimento involuntário e rítmico, causado por lesão no neurônio motor inferior. Esse sinal é a chave do exame físico para pensar em intoxicação por serotonina.

Tratamento

Ao deparar-se com um paciente apresentando alteração do estado mental, taquicardia e diaforética, a primeira conduta é colocá-lo na sala de emergência para aplicar M.O.V.

Monitorize, providencie oferta de O2 se for necessário e obtenha o acesso venoso. O objetivo é dar suporte e alívio aos sintomas. Logo, as providências são:

  • descontinuar medicações serotoninérgicas;
  • tomar cuidado com a hipertermia: é preciso resfriar o paciente agressivamente se for necessário, fazendo infusão de cristaloides gelados e uso de packs de gelo. Em casos extremos, pode ser necessário realizar o bloqueio neuromuscular e seguir a IOT. Antipiréticos terão pouca ajuda no controle da temperatura nesse caso, pois sua elevação se deve à hiperatividade muscular;
  • considerar a utilização de benzodiazepínicos para controlar a agitação e, por conseguinte, ajudar no manejo da temperatura;
  • manejar os distúrbios pressóricos: ao identificar hipertensão, utilizar esmolol ou nitroprussiato. Em caso de hipotensão, instalar drogas vasoativos (norepinefrina);
  • deixar o paciente em observação por seis horas, no mínimo;
  • admitir os pacientes que apresentam hipertermia grave, com necessidade de curarização, em ambiente de UTI;
  • internar em enfermaria o paciente que apresenta alteração do estado mental para melhor monitoramento dos sintomas;
  • liberar os pacientes que apresentam sintomas leves, com nenhuma necessidade maior de medidas para estabilizá-lo ou controlar a temperatura com cessação dos tremores nas primeiras seis horas de observação.

Curtiu saber sobre a toxicidade por serotonina?

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LuizCésar

Luiz César

Nascido em 1990, em Cuiabá-MT, formado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2020. Experiência como oficial médico temporário no 37° Batalhão de infantaria leve. Residência em Medicina de Emergência na Universidade de São Paulo (USP - SP). Amante da adrenalina se interessa por resgate aeromédico, usg-point of care e medicina de áreas remotas.