Prolapso de órgãos pélvicos: saiba mais sobre o quadro clínico

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O quadro clínico do prolapso de órgãos pélvicos é um tema bastante importante na área de GO (Ginecologia e Obstetrícia), por isso, é preciso prestar muita atenção nas práticas de emergência.

Antes de mais nada, vamos diferenciar “prolapso uterino” de “prolapso de órgão pélvico” (POP). O prolapso uterino com grau 1, 2 ou 3 é apenas um dos tipos de prolapso de órgão pélvico entre tantos outros, como cistocele, retocele, prolapso de cúpula vaginal, etc. Continue a leitura para conferir mais informações sobre as duas condições.

O que é prolapso de órgão pélvico?

O prolapso de órgão pélvico é uma das principais queixas em mulheres com mais de 70 anos. Entre 1976 e 2006, a causa patológica que mais evoluiu para tratamento cirúrgico foi o prolapso de órgão pélvico (POP). Estima-se uma prevalência de 2,9 a 5,7% de POP sintomático em mulheres.

Dois dos principais fatores de risco são obesidade e idade avançada. Hoje em dia, a expectativa de vida é cada vez maior, e há uma epidemia de obesidade. Com isso, observa-se um aumento de incidência dessas condições na sociedade.

A patologia de prolapso de órgãos pélvicos é dividida por parede anterior, posterior e apical, para facilitar o entendimento de onde está o defeito que causou o quadro em questão.

Anatomia

A condição faz órgãos pélvicos herniarem para o canal vaginal, porém, isso é anormal. Há estruturas que previnem que isso ocorra. Então, é importante entender essa anatomia básica, pois ela será alterada nessa patologia.

Um cirurgião chamado De Lancey descreveu três níveis de sustentação da pelve que ajudam a compreender os pontos suscetíveis à alteração, de modo a ocasionar prolapsos.

  • Nível 1: ligamentos uterinos cardinais e uterossacros. Os primeiros ligam o colo do útero à linha arqueada do ílio, enquanto os segundos ligam a porção posterior do istmo uterino ao sacro. Eles auxiliam a sustentação do colo do útero e, consequentemente, da cúpula da vagina;
  • Nível 2: os ligamentos paravaginais ao longo da vagina, que ligam ela à fáscia superior do músculo levantador do ânus, e os arcos tendíneos da pelve, que fazem a sustentação da porção média da vagina;
  • Nível 3: o corpo perineal, a membrana perineal e os músculos superficiais e profundos do períneo.

Fisiopatologia

A sustentação dos órgãos pélvicos é feita pelos três níveis supracitados de estruturas. Com a idade, essas partes vão perdendo a resistência e se tornam mais complacentes. Além disso, a deficiência de estrogênio parece causar um efeito semelhante ao da idade, diminuindo a elasticidade e a força desses elementos.

Assim, os órgãos que deveriam ficar na pelve causam abaulamentos nas paredes vaginais. Em graus mais avançados, prolapsam para além da carúncula himenal, ou seja, para fora da vagina, causando todos os sinais e sintomas desconfortáveis. Confira os fatores de risco abaixo.

  • Paridade: o parto normal acarreta microlesões nas estruturas de sustentação da pelve, de modo que é o principal fator de risco para POP. Existem outros pontos associados à gravidez que aumentam ainda mais o risco. São eles: macrossomia fetal, período expulsivo prolongado e uso de fórceps;
  • Idade avançada: com o envelhecimento, ocorre a perda de tônus da musculatura pélvica e o aumento na complacência dos ligamentos. Parte disso está ligado ao estrogênio. Hoje, sabe-se que, até a menopausa, a incidência aumenta de forma linear. Após a menopausa, ocorre um aumento significativo nos casos de prolapso, justamente pela menor exposição estrogênica;
  • História familiar: aumenta em 2,5 vezes o risco de POP;
  • História prévia de histerectomia: o útero garante certa sustentação para a pelve, então, a retirada é um fator de risco para POP. Lembre-se de que o nível 1 de DeLancey envolve ligamentos que se prendem justamente ao colo uterino;
  • Obesidade: causa aumento da pressão intra abdominal e ainda tende a estar associada ao sedentarismo. Assim, obesas têm risco 40 a 50% maior de desenvolver POP;
  • Aumento da pressão intra-abdominal: condições como constipação crônica, obesidade e DPOC cronicamente elevam a pressão intra-abdominal e forçam as estruturas de sustentação da pelve;
  • Doenças do tecido conectivo: mulheres apresentam ligamentos e fáscias mais frágeis, que não conseguem sustentar os órgãos pélvicos adequadamente;
  • Raça e etnia: mulheres negras têm risco 4-5x menor de desenvolver POP.

Quadro clínico do prolapso de órgão pélvico

Agora que você já tem uma ideia geral da anatomia, da fisiopatologia e dos fatores de risco que envolvem o prolapso de órgãos pélvicos, é possível imaginar como é a paciente típica dessa patologia.

A chance de ser uma paciente idosa, branca, acima do peso e com uma história ginecológica pregressa, envolvendo muitos partos, é alta. Os sintomas de POP variam de acordo com a parede acometida, mas são, principalmente, sintomas de massa, urinários, intestinais e sexuais.

Além disso, raramente, o acometimento das paredes ocorre de forma isolada. Na maior parte das vezes, estão associados. No consultório, a paciente aparece queixando-se de uma “bola na vagina”, geralmente indolor, às vezes com necessidades de manobras de redução do prolapso para conseguir evacuar ou urinar.

A classificação do prolapso uterino e de outros órgãos pélvicos não está relacionada ao grau dos sintomas. Algumas pacientes podem apresentar prolapsos grandes com pouco ou nenhum sintoma associado, enquanto outras com prolapsos pequenos podem apresentar grande desconforto!

Imagem 1.  Prolapsos de grau avançado de parte anterior e cúpula. (Fonte: Assessment of pelvic organ prolapse: a review - K.L, SHEK et al.; Ultrasound Obstet Gynecol 2016; 48: 681–692Published online in Wiley  Online Library (wileyonlinelibrary.com). DOI: 10.1002/uog.15881).
Imagem 1.  Prolapsos de grau avançado de parte anterior e cúpula. (Fonte: Assessment of pelvic organ prolapse: a review – K.L, SHEK et al.; Ultrasound Obstet Gynecol 2016; 48: 681–692Published online in Wiley  Online Library (wileyonlinelibrary.com). DOI: 10.1002/uog.15881).

Sintomas urinários

Pacientes com prolapsos anteriores e apicais podem apresentar incontinência urinária de esforço, esvaziamento incompleto da bexiga, jato fraco e hesitação urinária.

Além disso, às vezes, é preciso que a paciente “empurre” a protrusão para dentro da vagina para urinar adequadamente. Essa situação é extremamente desagradável para a paciente.

Sintomas intestinais

Pacientes com prolapsos de parede posterior podem cursar com retocele, enterocele e sigmoidocele, situações que distorcem o trajeto intestinal e podem dificultar a evacuação.

Ademais, essas pacientes podem perder o controle evacuatório em função do prolapso. Aqui, também pode haver necessidade de reduzir a herniação para conseguir evacuar.

Sintomas sexuais

As pacientes podem apresentar dificuldade para ter relações sexuais e, dependendo do grau do prolapso, a prática pode tornar-se impossível.

Sangramento

Em alguns casos mais avançados, há prolapsos que se exteriorizam pela vagina. Assim, pode existir ulceração de mucosa vaginal. O prolapso uterino causa sangramento crônico e desconforto intenso em algumas ocasiões.

Defeitos de parede anterior

Os defeitos da parede anterior estão associados à queda da bexiga sobre o assoalho do canal vaginal, herniação chamada de “cistocele”. Na imagem abaixo, é possível ver como isso ocorre.

Prolapso de órgão pélvico: imagem 2
Imagem 2. Cistocele (Fonte: wikicommoms.com)

Perceba que parte da bexiga fica em um nível abaixo do óstio, que dá origem à uretra. Naquela porção, a urina fica acumulada, gerando sensação de esvaziamento urinário incompleto.

Além disso, o prolapso pode ser tão intenso que essa porção se projeta como uma “bola” e avança pelo canal vaginal, inclusive, comprimindo a uretra distalmente.

Agora que você sabe como o defeito da parede anterior causa sintomas urinários, fica fácil entender a situação da paciente empurrar a “bola” para cima para urinar.

Defeitos da parede posterior

Os defeitos de parede posterior estão associados, sobretudo, à herniação do reto, à “retocele”. Isso ocorre devido à proximidade anatômica do reto. Porém, também podem ocorrer sigmoidocele e enterocele, apesar de menos comuns. Veja como a pelve em uma situação de retocele fica.

Imagem 3. Retocele
Imagem 3. Retocele. (Fonte: wikicommoms.com)

Aqui, o reto projeta-se sobre o canal vaginal, fazendo um abaulamento na parede posterior. Em graus mais avançados, esse prolapso se torna uma “bola” que sai para fora da vagina em situações de esforço.

Assim como na cistocele, a porção prolapsada pode gerar acúmulo de excrementos (fezes), de modo que a paciente sente sensação de evacuação incompleta. Ainda pode haver necessidade de “empurrar” a bola para dentro para ter uma evacuação satisfatória.

Defeitos da parede apical

Aqui, o prolapso tende a ser do útero ou da cúpula vaginal. As enteroceles são menos comuns, mas podem ocorrer. Os defeitos de parede apical estão muito relacionados à incontinência urinária, cuja apresentação costuma ser conjunta.

Lembrem-se de que várias estruturas de sustentação da pelve se fixam ao útero, então, quando ocorre o prolapso uterino, a sustentação da pelve fica muito comprometida.

Diagnósticos diferenciais do prolapso de órgão pélvico

O diagnóstico de prolapso de órgãos pélvicos é feito pelo exame físico. Utiliza-se a escala numérica de POP-Q, que avalia vários pontos da pelve e a posição durante o esforço (Valsalva).

Sobre diagnósticos diferenciais, exames de imagem podem ser utilizados para afastar outras condições que possam causar massas pélvicas e uterinas. Alguns exemplos que devem ser cogitados são massas anexiais, como cistos ovarianos benignos e câncer ovariano.

Além disso, caso a paciente tenha sangramento vaginal na apresentação, a origem do sangramento deve ser avaliada com cuidado. Não ignore a suspeita nem deixe passar nenhuma situação mais grave.

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FredericoTimm

Frederico Timm

Gaúcho. Médico formado pela UFPEL, residente de Ginecologia e Obstetrícia na UFMG. Tenho 2,04m de altura, sou cozinheiro cria da quarentena e tenho FOAMed na veia. Bora junto!