Quando devemos indicar hemodiálise? Confira!

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Olá, pessoal! Em algum momento da sua jornada, você deve ter se deparado com um paciente em terapia dialítica. Mas como ele foi parar aí? Quais são as indicações desta terapia de substituição renal? Vamos aprender, hoje, quando devemos indicar hemodiálise! 

A doença renal crônica

Primeiramente, vamos falar dos doentes renais crônicos, ambulatoriais. Esses doentes são diagnosticados pela análise da taxa de filtração glomerular – TFG. 

A TFG é calculada a partir da creatinina sérica por métodos como MDRD e CKD. A fórmula de Cockcroft-Gault, que foi a mais utilizada no passado para estimar a depuração de creatinina, não é mais recomendada, porque necessita da correção para a superfície corpórea, além de apresentar vieses na correlação com a TFG. 

Além disso, também são diagnosticados pela análise da taxa do exame sumário de urina (urina I, EAS…) e de uma ultrassonografia de rins e vias urinárias, ou outro exame de imagem desta região (tomografia computadorizada e ressonância magnética com ou sem contraste, exames isotópicos, angiografia). 

A partir desses exames, classificaremos o doente crônico em estágios de doença.

Diagnóstico

Como esses exames se apresentam no doente renal crônico? Bom, a TGF permanece <60 mL/min/1,73 m 2. O EAS demonstra, entre outros comemorativos, a presença de proteínas e albumina na urina. 

Em pacientes de alto risco para doença renal crônica com EAS sem albuminúria, podemos ainda solicitar a pesquisa de albuminúria em amostra isolada de urina corrigida pela creatininúria, a Relação Albuminúria Creatininúria (RAC). 

Esses achados refletem o aumento da permeabilidade glomerular pela lesão crônica. As categorias de RAC de urina 10-29, 30-300 e >300 mg são denominadas “levemente aumentada, moderadamente aumentada e gravemente aumentada”, respectivamente. 

Outros marcadores nesse exame da disfunção renal são a presença de cilindros hemáticos, gordurosos ou granulares, a depender da causa da disfunção. 

Por fim, os exames de imagem demonstram anormalidades como: 

  • policistos;
  • hidronefrose;
  • cicatrizes corticais (que podem ocorrer após infartos, pielonefrite ou refluxo vesicoureteral);
  • massas renais;
  • aumento das dimensões por doenças de depósito;
  • estenose de artéria renal ou rins pequenos e ecogênicos (comum em estágios posteriores da DRC devido a muitas doenças do parênquima). 

Quando essas alterações persistem por mais de três meses, temos o diagnóstico de doença renal crônica.

Imagem 1: Fórmulas para o cálculo da TGF.
Fonte: Diretriz Brasileira de Doença Renal Crônica, 2014. (quando devemos indicar hemodiálise)
Imagem 1: Fórmulas para o cálculo da TGF.
Fonte: Diretriz Brasileira de Doença Renal Crônica, 2014.

Muitas vezes, não dispomos dos exames anteriores do doente para afirmar que se tratam de alterações crônicas e assim fechar o diagnóstico. 

Porém, algumas alterações podem sugerir que a doença é crônica de fato: 

  • uma creatinina sérica que não muda, ou muda minimamente, ao longo de semanas a meses; 
  • imagens que revelam rins pequenos e ecogênicos; 
  • evidências radiológicas de osteodistrofia renal, como reabsorção óssea subperiosteal ou perda de densidade óssea no terço distal das clavículas.

Classificação

Depois do diagnóstico de DRC, o próximo passo é a classificação do doente. Ela é fundamental por ter estreita relação com o prognóstico e o tratamento. 

Este último deve ser classificado em conservador, quando nos estágios de 1 a 3, pré-diálise, quando 4 e 5-ND (não dialítico), e terapia de substituição renal (TSR), quando 5-D (dialítico). 

O tratamento conservador consiste em controlar os fatores de risco para a progressão da DRC (tratar diabetes, hipertensão, obesidade, etc), bem como para os eventos cardiovasculares e mortalidade, com o objetivo de conservar a TFG pelo maior tempo de evolução possível. 

A pré-diálise consiste na manutenção do tratamento conservador, bem como no preparo adequado para o início da TRS em paciente com DRC em estágios mais avançados (preparação de fístulas, encaminhamento ao especialista, solicitação de exames específicos pré transplante ou hemodiálise). 

A TRS compreende qualquer uma das modalidades de substituição da função renal: hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal.

Tabela 1: Classificação da doença renal crônica.
Fonte: Diretriz Brasileira de Doença Renal Crônica.
Tabela 1: Classificação da doença renal crônica.
Fonte: Diretriz Brasileira de Doença Renal Crônica. 

Tratamento: quando devemos indicar hemodiálise?

Conforme discutimos, o tratamento depende da classificação da doença. Vamos então discutir o que nos propomos a princípio: a hemodiálise.

Ao pensarmos em hemodiálise estamos lidando com um doente renal crônico em estágio cinco, com TFG inferior a 10 mL/min/1,73m ou, em pacientes diabéticos e com idade inferior à 18 anos, pode-se indicar o início da TRS quando a TFG for menor do que 15 mL/min/1,73m2. 

Alguns autores sugerem pontos de corte ainda menores, iniciando diálise naqueles com TFG menor que 5. Esses valores, entretanto, não são universais e os casos devem ser avaliados individualmente. 

Há grande variabilidade no momento do início da diálise entre os pacientes, isso ocorre porque os sintomas urêmicos geralmente são vagos e inespecíficos, e a perda da função renal é altamente variável e pode ocorrer em velocidades variáveis.

Os sinais e sintomas comuns que fornecem indicação para o início da diálise incluem :

  • Declínio do estado nutricional (anorexia, náuseas, perda de peso ou ingestão calórica pobre). São geralmente os primeiros sintomas a aparecer e tem relação direta com a perda de capacidade de depuração da creatinina;
  • Sobrecarga de volume persistente ou difícil de tratar, decorrentes da retenção crônica de sódio e líquidos, podendo levar a hipertensão refratária e internações hospitalares recorrentes por insuficiência cardíaca congestiva;
  • Fadiga e mal-estar graves com comprometimento da funcionalidade;
  • Comprometimento cognitivo leve, geralmente percebido por familiares. Pode-se tentar a realização de diálise de três a quatro semanas para se observar se há melhora das faculdades mentais;
  • Anormalidades laboratoriais refratárias, incluindo acidose, hipercalemia e hiperfosfatemia.

As indicações absolutas para iniciar a diálise crônica incluem pericardite ou pleurite urêmica e encefalopatia urêmica progressiva. 

A encefalopatia urêmica verdadeira (ou seja, alterações significativas na função cognitiva em um paciente sem outras causas) é uma condição rara que geralmente não ocorre com TFGe >5 mL/min/1,73 m 2. A diálise emergente está indicada nessa situação. 

A perda progressiva da função cognitiva em pacientes com outras condições subjacentes (como demência, histórico de derrames, etc.) pode ser uma indicação para uma tentativa de terapia de substituição renal por várias semanas para verificar se o declínio cognitivo melhora.

Com a falência do tratamento conservador e diante da possibilidade de TSR, o paciente já deve estar em acompanhamento com o especialista. 

O doente deve ser então esclarecido sobre as opções de terapia de substituição renal: hemodiálise, transplante renal, diálise peritoneal. Caso opte pela hemodiálise, o doente é encaminhado para a confecção de uma fístula arteriovenosa.

Alguns pacientes com DRC podem ter, já no diagnóstico ou em algum momento no curso da doença, indicações de hemodiálise de urgência. Até 20% dos pacientes podem ter uma perda inesperada e acelerada da função renal que leva ao início da diálise mais cedo do que o esperado.

Lesão Renal Aguda

Além dos doentes renais crônicos, aqueles com lesão renal aguda também podem necessitar de hemodiálise de urgência. O procedimento visa corrigir anormalidades hidroeletrolíticas que podem ser fatais. Elas incluem:

Hipervolemia refratária com edema pulmonar: os pacientes com oligoanúria aguda (diurese menor que 0,5mL/kg/h) podem evoluir para hipervolemia tão importante que acaba gerando transudação de líquidos aos alvéolos, gerando hipoxemia e dispneia importantes. 

Nesses doentes, deve-se, primeiramente, tentar o estímulo diurético com furosemida (usualmente 0,5 a 2mg/kg) e monitorar a resposta. 

Se uma dose mais baixa (por exemplo, 80 mg) for administrada e não induzir uma resposta adequada, então uma dose mais alta (por exemplo, 200 mg) deve ser administrada sem demora. 

Outra terapêutica que pode ser utilizada é a realização de ventilação não invasiva, cuja pressão positiva auxilia no recrutamento alveolar. 

Porém, se não houver resposta diurética, a hemodiálise deve ser indicada a fim de evitar insuficiência respiratória aguda e necessidade de intubação orotraqueal.

Hipercalemia refratária: se o paciente apresenta hipercalemia grave (>6,5 mEq/L ou com repercussões eletrocardiográficas), devemos prontamente instaurar medidas clínicas para espoliação de potássio. 

Os tratamentos não invasivos incluem diuréticos de alça, insulina e glicose (que favorecem a entrada de potássio para o meio intracelular), gluconato de cálcio (a fim de estabilizar a membrana miocárdica) e ligantes de potássio gastrointestinais. Se não houver diurese expressiva com redução da hipercalemia, a hemodiálise deve ser indicada.

Sintomas urêmicos: a ureia é um osmólito ativo que pode gerar, em excesso, vários distúrbios neurológicos e cardiovasculares graves. Assim, os doentes com uremia importante com sinais de convulsões ou derrame pericárdico também devem ser submetidos à hemodiálise de urgência.

Exposição a toxinas: uma última e pouco frequente indicação de hemodiálise é a intoxicação por substâncias que são dialisáveis: metanol, etilenoglicol, lítio e metformina. 

Pronto, agora você já sabe quando devemos indicar hemodiálise! 

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Referências

1. Uptodate:Overview of the management of acute kidney injury (AKI) in adults. Mark D Okusa. Mitchell H Rosner.

2. Uptodate: Overview of the management of chronic kidney disease in adults. Mark Rosenberg.

3. Diretrizes Brasileiras de Doença Renal Crônica. J. Bras. Nefrol. 2004;26(3 suppl. 1).

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Gabriela CarolinaBorges

Gabriela Carolina Borges

Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Clínica Média pela mesma instituição e Gastroenterologia pela USP-RP.