Fala, galera! Já faz um tempo que a Sociedade Brasileira de Pediatria não publica muitas novidades, mas, neste ano de 2022, resolveu desovar tudo em cima da gente. Nosso papo de hoje será sobre reanimação neonatal e suas atualizações.
Bora conferir? Então, venha com a gente!
No Brasil, a asfixia perinatal é a terceira causa básica de óbito nas crianças abaixo de 5 anos, perdendo para prematuridade e anomalias congênitas.
A reanimação, considerada como o apoio especializado para uma transição bem sucedida ao nascer, tem sido um foco para diminuir a mortalidade neonatal precoce.
Ao nascimento, cerca de 2 RN em cada 10 não choram ou não respiram; 1 RN em cada 10 precisa de ventilação com pressão positiva; 1-2 em cada 100 requerem intubação traqueal; e 1-3 RN em cada 1.000 necessitam de reanimação avançada.
Considerando a incidência de RNs que precisam ser reanimados em sala de parto, é necessária a presença de pelo menos um profissional de saúde capaz de realizar os passos iniciais e a ventilação com pressão positiva em todo o parto.
Se na anamnese forem identificados fatores de risco perinatais, podem ser necessários de 2 a 3 profissionais treinados, sendo um médico apto a intubar e indicar a massagem cardíaca (preferência ao pediatra).
A primeira ação da equipe que vai prestar cuidados ao RN é verificar anamnese materna, material de sala de parto e divisão de funções.
A anamnese materna ajuda a identificar fatores de risco relacionados a uma maior probabilidade da criança necessitar de reanimação neonatal.
Sempre que falamos em reanimação neonatal, iremos dividir nossas condutas e conhecimentos em dois grandes grupos: os RN maiores ou iguais a 34 semanas e os menores de 34 semanas.
Vamos iniciar nossa conversa com os maiores ou iguais a 34 semanas e, posteriormente, descrever as principais diferenças nos nossos preminhas.
Estudos mostraram que o clampeamento tardio do cordão tem definição de um mínimo de 60 segundos até alguns minutos após cessar a sua pulsação.
O clampeamento tardio em RN maior ou igual a 34 semanas facilita a transição cardiorrespiratória após o parto, benéfico em relação à concentração de hemoglobina nas primeiras 24h de vida (necessidade de acompanhamento de icterícia nos primeiros dias de vida), e aumenta a concentração de ferritina nos primeiros 3-6 meses.
As metanálises não mostraram evidências na redução de hemorragia peri intraventricular e enterocolite necrosante.
Se o RN maior ou igual a 34 semanas começa a respirar ou chorar e apresenta tônus muscular em flexão, considera-se vitalidade adequada, independentemente do líquido amniótico.
Nesses casos, está indicado o clampeamento tardio do cordão – mínimo de 60 segundos até o cessar da pulsação do mesmo.
RN que não respira logo após o nascimento tem repercussões na transição da circulação intra-uterina para neonatal.
Quando o clampeamento é feito antes do início da respiração, o enchimento das câmaras esquerdas do coração não é feito pela circulação placentária e nem pela circulação pulmonar, reduzindo o débito cardíaco e a perfusão tecidual.
Nesses casos, nos RN que não estão com boa vitalidade ao nascer, deve-se realizar estímulo tátil no dorso, de modo delicado e no máximo 2 vezes, para ajudar na respiração antes do clampeamento imediato do cordão.
Não está estabelecido qual o tempo ideal para o clampeamento quando existe interrupção da circulação placentária (descolamento prematuro de placenta, placenta prévia, prolapso/nó de cordão) e em algumas situações específicas, como: gestação múltipla, corioamnionite, anomalias congênitas e aloimunização.
Estudos sugerem que, na cesárea eletiva e na restrição do crescimento fetal, o clampeamento tardio pode ser benéfico para a condição hematológica do RN.
Para gestantes/parturientes vivendo com HIV, a OMS recomenda o clampeamento tardio do cordão umbilical para todas as mulheres, incluindo as gestantes vivendo com HIV e aquelas cujo status sorológico para o HIV é desconhecido, não havendo aumento no risco de positividade para o RN.
Se ao nascimento o RN maior ou igual a semanas está chorando ou respirando e o tônus está em flexão, independentemente do aspecto do líquido amniótico, será colocado junto à mãe no pele a pele depois do clampeamento tardio do cordão.
Avalia-se FC com o estetoscópio após colocá-lo junto à mãe. Depois dessa avaliação inicial, manter o controle térmico e observação do RN, monitorando respiração e flexão.
Se, ao nascer, este RN não estiver chorando ou respirando ou estiver flácido, deve ser levado à mesa de reanimação e indicar os passos iniciais da estabilização.
Os passos iniciais servem para manter normotermia e perviedade de vias aéreas, devendo ser realizados em 30 segundos.
Na presença de mecônio, independentemente de sua viscosidade, a aspiração das vias aéreas após extração NÃO deve ser realizada. Se a criança nasceu e apresentou boa vitalidade, coloca-se no pele a pele, sem aspirações.
Para aquelas crianças que, após os passos iniciais, se encontram com FC menor que 100 e/ou respiração irregular/apneia, deve-se iniciar VPP com máscara facial nos primeiros 60 segundos. NÃO deve ser realizada laringoscopia direta imediata e a aspiração traqueal de rotina não deve ser feita.
Em raras ocasiões, o RN com líquido amniótico meconial e não vigoroso pode precisar de intubação e aspiração traqueal para desobstruir a traqueia. Neste caso, a aspiração traqueal é feita uma única vez através da cânula traqueal conectada a um dispositivo para aspiração de mecônio e ao aspirador a vácuo, com uma pressão máxima de 100 mmHg. A VPP deve ser aplicada imediatamente após a aspiração traqueal.
As decisões quanto à reanimação dependem da frequência cardíaca e da respiração. A saturação de O2 precisa ser monitorizada nos RN maiores ou iguais a 34 semanas quando recebem VPP.
No RN que recebeu os passos iniciais da estabilização e a avaliação mostrou FC >100 bpm e respiração espontânea regular, avaliar as condições clínicas gerais e, sempre que possível, ainda na sala de parto, colocar em contato pele-a-pele com a mãe.
Já naquele RN que recebeu os passos iniciais da estabilização e a avaliação a seguir mostrou FC <100 bpm ou respiração ausente ou irregular, iniciar a VPP nos primeiros 60 segundos após o nascimento e acompanhar a FC pelo monitor cardíaco e a SatO2 pelo oxímetro de pulso.
A ventilação pulmonar é o procedimento mais importante e efetivo na reanimação do RN ao nascimento. O sucesso da reanimação depende da substituição do líquido que preenche sáculos e/ou alvéolos por ar ao nascimento.
A glote do RN permanece fechada durante o período fetal para aprisionar o líquido no interior da via respiratória. Ao nascimento, a glote deve abrir para permitir a entrada de ar. Nos RN em apneia ou respiração irregular, a glote está fechada.
A VPP está indicada na presença de FC <100 bpm e/ou apneia ou respiração irregular, após os passos iniciais. Enquanto um profissional inicia a VPP com ar ambiente no RN ≥34 semanas, outro membro da equipe deve posicionar os três eletrodos do monitor cardíaco e o sensor do oxímetro no pulso radial direito.
Quando a VPP com máscara facial é aplicada com balão autoinflável, ventilar na frequência de 40-60 movimentos/ minuto, de acordo com a regra prática “aperta/solta/solta”, “aperta/solta/solta”.
Quando a VPP com máscara facial é aplicada com VMM com peça T, fixar o fluxo gasoso inicialmente em 10 L/ minuto. Limitar a pressão máxima do circuito em 30-40 cmH2O, selecionar a pressão inspiratória a ser aplicada em cada ventilação, em geral ao redor de 25 cmH2O, e ajustar a PEEP ao redor de 5 cmH2O.
Ventilar com frequência de 40-60 movimentos por minuto, que pode ser obtida com a regra prática “ocluuui/solta/solta”, “ocluuui/solta/ solta”.
Se, após 30 segundos de VPP com máscara facial, o paciente apresenta FC >100 bpm e respiração espontânea e regular, suspender o procedimento.
Considera-se como falha se, após 30 segundos de VPP com máscara facial, o RN mantém FC <100 bpm ou não retoma a respiração espontânea rítmica e regular. Neste ponto, precisamos checar os problemas e garantir as correções pertinentes.
Se, apesar das ações corretivas, a FC permanece <100 bpm e/ou o movimento torácico não é visível, pode-se considerar o uso da máscara laríngea como interface para a VPP em RN ≥34 semanas e com peso estimado ≥2000g.
Se, após 30 segundos de VPP com máscara laríngea, o RN apresenta FC >100 bpm e respiração espontânea e regular, retirar o dispositivo supraglótico.
Se, após 30 segundos de VPP com máscara laríngea bem posicionada, a FC permanecer 100 bpm e/ou não há movimento torácico, indica-se a VPP por cânula traqueal.
As indicações de ventilação através de cânula traqueal em sala de parto incluem: VPP com máscara não efetiva, VPP com máscara prolongada, e aplicação de massagem cardíaca.
Além dessas situações, a intubação traqueal e a inserção imediata de sonda gástrica são indicadas nos pacientes portadores de hérnia diafragmática que necessitam de VPP.
Quando há indicação de VPP por cânula traqueal, a intubação deve ser feita rapidamente, sem atraso. Cada tentativa de IOT deve ser de, no máximo, 30 segundos.
Uma vez iniciada a ventilação com cânula traqueal, após 30 segundos avalia-se FC, respiração e SatO2. Não é porque o RN foi intubado que ele precisa estar necessariamente a 100% de FiO2. Aqui, mantém-se a regra da titulação conforme Sat pré-ductal mandar.
Há melhora se o RN apresenta FC >100 bpm, movimentos respiratórios espontâneos e regulares. Nesta situação, a ventilação é suspensa e o RN extubado.
O RN extubado pode evoluir com desconforto respiratório, podendo ser indicado CPAP.
Existe falha da VPP por cânula traqueal se, após 30 segundos do procedimento, o RN mantém FC <100 bpm ou não retoma a respiração espontânea ou ainda a SatO2 permanece abaixo dos valores desejáveis ou não é detectável.
A não melhora do RN com a VPP por cânula traqueal ou uma breve melhora seguida de piora súbita deve alertar para a presença dos seguintes problemas: deslocamento ou obstrução da cânula traqueal, mau funcionamento do balão ou do VMM com peça T, desconexão do dispositivo de ventilação da interface ou da fonte de gases, além de intercorrências clínicas como o pneumotórax.
Se o RN em VPP com cânula traqueal, após a correção dos possíveis problemas relacionados aos dispositivos e à técnica da VPP, permanecer com FC <60 bpm, indica-se a massagem cardíaca coordenada com a ventilação.
O RN ≥34 semanas pode apresentar dificuldade para a transição respiratória da vida fetal, evoluindo com desconforto respiratório.
A pressão de distensão contínua de vias aéreas (CPAP) é um modo de suporte respiratório não invasivo que utiliza um fluxo contínuo de gás ao RN em respiração espontânea para manter uma pressão de distensão nos espaços aéreos e garantir a adequada capacidade residual funcional.
O uso do CPAP na sala de parto para RN ≥34 semanas com FC ≥100 bpm e respiração espontânea, mas desconforto respiratório e/ou SatO2 baixa, pode ser considerado, mas é preciso cautela nessa indicação devido à associação entre o uso do CPAP e pneumotórax.
As indicações do uso de CPAP em sala de parto estão listadas abaixo:
Nessas situações, o RN deve estar com monitor cardíaco e oxímetro de pulso. O CPAP deve ser administrado com VMM com peça T. Iniciar com fluxo ao redor de 10L/minuto e PEEP de 5cmH2O.
A massagem cardíaca é iniciada se a FC estiver <60 bpm após 30 segundos de VPP com cânula traqueal e técnica adequada. Em geral, nessas condições, o RN já está sendo ventilado com concentração de O2 elevada, que deve ser aumentada para 100%.
A compressão cardíaca é realizada no terço inferior do esterno, onde se situa a maior parte do ventrículo esquerdo. Temos duas técnicas para realizar a massagem cardíaca: a dos dois polegares e a dos dois dedos.
A técnica dos dois polegares é mais eficiente, pois gera maior pico de pressão sistólica e de perfusão coronariana, além de ser menos cansativa.
A profundidade da compressão deve englobar 1/3 da dimensão anteroposterior do tórax, de maneira a produzir um pulso palpável.
É importante permitir a reexpansão plena do tórax após a compressão para haver enchimento das câmaras ventriculares e das coronárias. As complicações da massagem cardíaca incluem fratura de costelas, pneumotórax, hemotórax e laceração de fígado.
A ventilação e a massagem cardíaca são realizadas de forma sincrônica, mantendo-se uma relação de 3:1, ou seja, 3 movimentos de massagem cardíaca para 1 movimento de ventilação, com uma frequência de 120 eventos por minuto (90 movimentos de massagem e 30 ventilações).
Aplicar a massagem cardíaca coordenada à ventilação por 60 segundos, antes de reavaliar a FC, pois este é o tempo mínimo para que a massagem cardíaca efetiva possa restabelecer a pressão de perfusão coronariana.
A massagem cardíaca coordenada à VPP por cânula traqueal deve continuar enquanto a FC estiver <60 bpm.
A melhora é considerada quando, após VPP acompanhada de massagem cardíaca por 60 segundos, o RN apresenta FC >60 bpm. Nesse momento, interrompe-se apenas a massagem.
Caso o RN apresente respirações espontâneas regulares e FC >100 bpm, a VPP pode ser interrompida. Considera-se falha do procedimento se, após 60 segundos de VPP com cânula traqueal e O2 a 100% acompanhada de massagem cardíaca, o RN mantém FC <60 bpm.
Nesse caso, verificar a posição da cânula, se as vias aéreas estão pérvias e a técnica da VPP e da massagem, corrigindo o que for necessário.
Se, após a correção da técnica da VPP e massagem cardíaca, não houver melhora, indica-se a adrenalina e, para tal, considera-se a realização do cateterismo venoso umbilical de urgência.
Quando a FC permanecer <60 bpm, mesmo após a ventilação efetiva por cânula traqueal com O2 a 100% e acompanhada de massagem cardíaca adequada e sincronizada à ventilação por no mínimo 60 segundos, o uso de adrenalina está indicado.
Pode também ser necessário administrar o expansor de volume. Bicarbonato de sódio e naloxone não são recomendados na reanimação do RN em sala de parto.
A via traqueal só pode ser utilizada para a adrenalina. Na prática clínica, eventualmente indica-se a via traqueal enquanto o cateterismo venoso umbilical está sendo realizado.
O expansor de volume pode ser necessário para reanimar o RN com hipovolemia. A suspeita é feita se não houve aumento da FC em resposta às outras medidas de reanimação e/ou se há perda de sangue ou sinais de choque hipovolêmico, como palidez, má perfusão e pulsos débeis.
Administrar-se SF na dose de 10 mL/kg lentamente, em 5-10 minutos. Pode-se repetir a dose 1x mais. O uso de concentrado de glóbulos do tipo O fator Rh negativo para a reposição de volume só é indicado em casos de suspeita de anemia fetal grave, de preferência após prova cruzada com sangue materno.
Calma, galera, já estamos no final. Aqui, vamos elencar as principais diferenças que o RN < 34 semanas têm em relação ao outro grupo já visto ali em cima.
Em relação ao clampeamento, estudos mostraram que o clampeamento tardio do cordão tem definição de um mínimo de 30 segundos até alguns minutos após cessar a sua pulsação.
A recomendação de clampear o cordão com 30 segundos ou mais em RNPT < 34 semanas com boa vitalidade ao nascer, em comparação ao clampeamento imediato, baseia-se no possível benefício em termos de sobrevida à alta hospitalar, estabilidade cardiovascular com menor uso de inotrópicos nas primeiras 24 horas, e melhora dos parâmetros hematológicos na primeira semana. Não se tem evidências de que reduz a incidência de HPIV e ECN.
Se o RN menor de 34 semanas começa a respirar ou chorar e está ativo (perceba que aqui não vemos flexão igual nos maiores de 34 semanas), considera-se vitalidade adequada.
Nesses casos está indicado o clampeamento tardio do cordão – mínimo de 30 segundos até o cessar da pulsação do mesmo. Enquanto não se clampear o cordão, a criança poderá ficar com a mãe, depois disso é MESA DE REANIMAÇÃO!
Naqueles preminhas sem uma boa vitalidade, vamos aplicar a manobra de estímulo tátil duas vezes no máximo, no intuito de ajudá-lo a respirar. Após tentativas, MESA DE REANIMAÇÃO!
Em relação aos passos iniciais, temos diferenças importantes!
Enquanto estão sendo tomadas as medidas para prover calor ao RNPT <34 semanas e para manter as vias aéreas pérvias, é preciso, simultaneamente, colocar o sensor do oxímetro de pulso e os eletrodos do monitor cardíaco
Com base na avaliação da FC, respiração e SatO2, três situações podem ocorrer:
Quando indicada a VPP, iniciar a ventilação do RNPT < 34 semanas com concentração de O2 de 30%, titulando-se a fração inspirada do gás de acordo com a monitoração da SatO2 pré-ductal.
Se o RNPT < 34 semanas não atinge a SatO2 alvo e/ou apresenta FC < 100 bpm, é preciso sempre verificar e corrigir a técnica da VPP antes de aumentar a oferta de O2 suplementar.
O equipamento utilizado deverá ser o Ventilador Manual Mecânico com peça em T, sendo sua interface a máscara facial ou cânula traqueal. Não se usa máscara laríngea nos menores de 34 semanas.
Esperamos ter esclarecido as dúvidas em torno da reanimação neonatal e qual é o manejo correto dessa condição. Aqui, no nosso blog, disponibilizamos uma série de conteúdos sobre Medicina de Emergência e residência médica para contribuir com sua preparação.
Para quem quer acumular mais conhecimento ainda sobre a área, o PSMedway, nosso curso de Medicina de Emergência, pode ser uma boa opção. Lá, mostramos exatamente como é a atuação médica na Sala de Emergência.
Nascido em 1993 na cidade de São Paulo, médico formado pela Universidade São Francisco, em Bragança Paulista, 2018. Residência médica em Pediatria pela Faculdade de Ciências Médicas UNICAMP. Apaixonado por ensinar e descomplicar o complicado. “O conhecimento lhe dará a oportunidade de fazer a diferença.