Tratamento da cegueira noturna: tudo que você deve saber

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Fala, moçada! Vocês já ouviram falar sobre a cegueira noturna? Essa queixa é destrinchada em outros dois textos que abordam seu quadro clínico e sua investigação diagnóstica. Sabendo identificar e diagnosticar, falta agora falarmos sobre o tratamento da cegueira noturna. Vamos lá?

Para começar a falar sobre o tratamento da cegueira noturna…

Vimos que a cegueira noturna pode justificar ou mesmo agravar-se com disfunções refrativas, principalmente astigmatismo e miopia. Assim, é sempre recomendado o tratamento com lentes refrativas. 

A prevalência destes problemas é alta mesmo em pacientes com outras condições que justifiquem o sintoma noturno. 

Na retinite pigmentosa, por exemplo, estudos apontam que em média 75% dos pacientes apresentam também miopia, enquanto na população normal essa média é de apenas 12%.

Reposição de Vitamina A

Os demais tratamentos se relacionam à causa específica do distúrbio. Nos casos de pacientes com cegueira noturna por deficiência de vitamina A (crianças desnutridas, pacientes pós cirurgia bariátrica, portadores de doenças inflamatórias intestinais…), é recomendada a reposição por via oral. 

Bebês entre 6-12 meses devem repor 100.000 UI (equivalente a 30 mg de retinol) em uma dose. Do primeiro ao quinto ano de vida, a reposição é feita com 200.000 UI (equivalente a 60 mg de retinol), repetida a cada quatro a seis meses. 

Gestantes residentes em locais com alto índice de desnutrição devem receber suplementação de vitamina A preventiva. Recomenda-se a administração de doses menores, como 10.000UI diariamente ou 25.000UI semanalmente, por no mínimo 12 semanas de gestação. 

Para os recém-nascidos, a suplementação tem sido controversa e parece ser, de fato, benéfica apenas em populações com alto risco nutricional. Já para os pacientes adultos com a deficiência documentada, a reposição é feita com 200.000UI via oral por dois dias seguidos e uma terceira dose pelo menos duas semanas após. 

Quanto ao risco de “superdosagem”, não se preocupem, pois é extremamente rara a intoxicação. Isso porque o metabolismo da vitamina A é altamente regulado. 

Embora improvável, quando ocorre, a toxicidade é associada a doses altíssimas (>660.000UI) e pode causar disfunções hepáticas, osteoporose e até aumento no risco de desenvolver neoplasias.

Tratamento das condições genéticas

Existem uma série de causas genéticas, estacionárias ou progressivas, que podem levar à cegueira noturna, geralmente manifestada antes dos 5 anos de idade. Estas condições são genericamente chamadas de retinites pigmentosas

Conforme discutimos em outro texto, este grupo de doenças inclui uma série de disfunções das células fotorreceptoras da retina, principalmente dos bastonetes, levando a perda da acuidade visual noturna inicialmente e dos campos visuais periféricos.

Alguns pacientes com retinite pigmentosa podem responder à suplementação de vitaminas A e E. Entretanto, esses pacientes compreendem um grupo raro e limitado. São pacientes que possuem uma das três condições: 

  • abetalipoproteinemia (um distúrbio que causa deficiência na absorção de lipídeos pelo trato gastrointestinal); 
  • doença de Refsum (causada por deficiência de ácido fitânico oxidase, prejudicando a metabolização de laticínios, certos tipos de carnes e frutos do mar);
  • ataxia com deficiência de vitamina E (causada pela deficiência na proteína de transporte desta vitamina). 

Nessas condições específicas, a reposição dos compostos A e E pode retardar a progressão ou até curar a cegueira noturna.

Uma dieta rica em ômega 3 marinho tem sido estudada para os pacientes com retinite pigmentosa. 

Isso porque essa substância é um lipídeo importante para as membranas celulares dos cones e bastonetes e auxilia na regeneração da rodopsina, o pigmento derivado da Vitamina A que auxilia na fototransdução dos estímulos luminosos. Os resultados dos estudos têm sido controversos e ainda inconclusivos.

As novas abordagens para tratamento da retinite pigmentosa incluem terapias gênicas e tentativas de transplante de células retinianas. 

As primeiras já foram aprovadas para disfunções genéticas específicas – distrofia retiniana associada à mutação RPE65 bialélica. Já as tentativas de transplante de retina ainda não desenvolveram conexões sinápticas com células hospedeiras e, portanto, não tiveram impacto funcional nos pacientes transplantados. 

Há, ainda, a tentativa de uso de dispositivos protéticos na retina que transduzem luz em sinais elétricos e transmitem essas informações diretamente para a retina, nervo óptico ou córtex visual occipital. 

Esses dispositivos ainda estão passando por ensaios clínicos, mas os pacientes já referem melhor capacidade de visualização de flashes de luz, identificam movimentos e reconhecem objetos e letras grandes. Fantástico, não?

Imagem 1: Paciente com uma prótese de retina chamada Argus II. O dispositivo converte imagens de vídeo capturadas de uma câmera muito pequena alojada nos óculos do paciente em uma série de pequenos impulsos elétricos, que são transmitidos sem fio para uma matriz de 60 eletrodos na retina. A Argus II foi a primeira retina artificial a receber ampla aprovação comercial. As novas gerações de próteses têm cada vez mais eletrodos, estando uma em fase de desenvolvimento com mais de 1000 deles. Fonte: Shawn Rocco, Duke Health News and Communications. (tratamento da cegueira noturna)
Imagem 1: Paciente com uma prótese de retina chamada Argus II. O dispositivo converte imagens de vídeo capturadas de uma câmera muito pequena alojada nos óculos do paciente em uma série de pequenos impulsos elétricos, que são transmitidos sem fio para uma matriz de 60 eletrodos na retina. A Argus II foi a primeira retina artificial a receber ampla aprovação comercial. As novas gerações de próteses têm cada vez mais eletrodos, estando uma em fase de desenvolvimento com mais de 1000 deles. Fonte: Shawn Rocco, Duke Health News and Communications.

Por fim, outro tratamento utilizado no cuidado destes doentes é a redução do edema macular. Nos pacientes com este achado em fundoscopia, o uso de inibidores de anidrase carbônica como acetazolamida aumentam a absorção de líquidos através do epitélio pigmentar da retina e podem melhorar a acuidade visual.

Tratamento de condições crônicas-metabólicas

A retinopatia diabética é uma causa muito prevalente da cegueira noturna. O tratamento, obviamente, depende de controles pressórico e glicêmico adequados. 

Quando o paciente desenvolve retinopatia grave com edema macular importante (retinopatia diabética não proliferativa), o tratamento com injeção intraocular de fármacos anti-VEGF (p. ex., ranibizumabe, bevacizumabe, aflibercepte) e/ou fotocoagulação focal a laser é indicado. 

O uso de corticoides intraoculares tem se mostrado como opção para os doentes com edema macular persistente. Pacientes com retinopatia proliferativa devem ser encaminhados para fotocoagulação com laser panretiniana. 

Para pacientes muito graves, com hemorragia vítrea persistente, formação extensiva de membrana pré-retiniana, descolamento de retina, etc, pode ser indicada a vitrectomia tanto para preservação quanto para tentativa de restauração da visão perdida.

Outra causa frequente e tratável de cegueira noturna é a catarata. Quando identificada, as alterações nas medidas refrativas frequentes com adaptação das lentes podem ajudar a manter a visão durante o desenvolvimento da doença. 

Porém, aqueles pacientes com visão significativamente reduzida em condições de brilho ou com redução importante da acuidade visual atrapalhando atividades diárias devem ser encaminhados para cirurgia. 

O procedimento é feito sob anestesia local e objetiva substituir o cristalino opacificado por uma lente artificial para substituir a potência óptica de focagem do cristalino removido. 

Na maioria dos casos, é indicada a administração de antibióticos tópicos e corticoides tópicos (p. ex., 1% de acetato de prednisolona, 1 gota, 4 vezes/dia) por até 4 semanas após a cirurgia. 

As complicações são raras, mas incluem hemorragias, endoftalmite, glaucoma, etc. No pós-operatório, é comum a ocorrência de edema macular cistoide e opacificação da cápsula posterior. Após a cirurgia, a visão retorna a 20/40 (6/12) ou mais em 95% dos olhos se não houver distúrbios preexistentes.

Imagem 2: Cirurgia de catarata.
Imagem 2: Cirurgia de catarata. Fonte:www.shutterstock.com

Curtiu saber mais sobre o tratamento da cegueira noturna?

Esperamos ter esclarecido as dúvidas em torno do tratamento da cegueira noturna e qual é o manejo correto dessa condição. Aqui, no nosso blog, disponibilizamos uma série de conteúdos sobre Medicina de Emergência e residência médica para contribuir com sua preparação.

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Referências

  1. Uptodate: Retinitis pigmentosa: Treatment. GARG, Seema.

2. Uptodate: Overview about Vitamin A. PAZIRANDEH, Sassan.

3. Ahuja AK, Dorn JD, Caspi A, et al. Indivíduos cegos implantados com a prótese de retina Argus II são capazes de melhorar o desempenho em uma tarefa motora espacial. Br J Oftalmol 2011; 95:539.

4. Manual do Ministério da Saúde: Retinopatia diabética. MEHTA, Sonia.

5. Manual do Ministério da Saúde: Catarata. KHAZAENI, LM. 

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Gabriela CarolinaBorges

Gabriela Carolina Borges

Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Clínica Média pela mesma instituição e Gastroenterologia pela USP-RP.