Fala, pessoal! Tudo certo com vocês? Preparados para mais um tema quente da hematologia? Hoje vamos conversar um pouco sobre a anemia megaloblástica.
Para tornar nosso texto mais dinâmico, vamos começar com um caso clínico.
SCB, 25 anos, feminino, vem para consulta com queixa de fadiga constante, acompanhada de episódios de tontura ocasionais, há aproximadamente 6 meses.
Paciente nega comorbidades, refere prática regular de atividade física e conta que há aproximadamente 8 meses iniciou dieta vegana pois leu na internet que era mais saudável e tinha desejo de emagrecer.
Você saberia os próximos passos na condução do caso?
Anemia é uma condição na qual o conteúdo de hemoglobina no sangue está abaixo do normal. Isso ocorre em consequência, dentre outras causas, da carência de um ou mais nutrientes essenciais.
A anemia pode ser classificada de diversas maneiras, sendo a mais comum pelo Volume Corpuscular Médio (VCM) – ou seja, o tamanho das hemácias. Temos as anemias microcíticas (VCM <80), as anemias normocíticas (VCM 80-100) e as anemias macrocíticas (VCM >100).
Dentre as anemias, a anemia ferropriva é a mais comum e é a que primeiro suspeitamos em quadros inespecíficos como esse. Mas será que é isso mesmo que essa paciente tem?
Antes de responder, vamos entender melhor a anemia megaloblástica. Esta anemia se enquadra no grupo das anemias macrocíticas, ou seja, as hemácias adquirem tamanhos maiores do que os habituais.
Isso ocorre devido ao atraso na maturação do núcleo da célula em relação ao citoplasma devido a um defeito na síntese de DNA, geralmente causado pela deficiência de Vitamina B12 (cobalamina) e/ou folato.
Tendo isso em mente, para investigar melhor nosso caso, podemos realizar os seguintes passos:
A importância de perguntar ao paciente sobre seus hábitos alimentares reside no fato de que tanto o ácido fólico quanto a vitamina B12 provém da alimentação.
A vitamina B12 é encontrada principalmente em produtos de origem animal, como fígado, carnes, peixes e laticínios. Já o folato pode ser encontrado na maioria dos alimentos, mas principalmente em carnes, vegetais verdes e leveduras.
Sendo a nossa paciente vegana, precisamos investigar se ela está tendo um aporte de nutrientes satisfatório.
Além disso, avaliar a presença de sintomas neurossensoriais é importante pois estes estão mais relacionados a deficiência de vitamina B12, o que levaria a um diagnóstico mais assertivo e um tratamento mais específico.
Essas características geralmente determinam a presença de alguma carência nutricional, que deverá ser melhor investigada.
Os exames complementares vão nos ajudar a diferenciar os tipos de anemia para que o tratamento possa ser feito de forma correta.
Os exames foram solicitados para a paciente SCB e, após 2 semanas, ela volta com as mesmas queixas e com os seguintes resultados:
Legenda: sangue periférico mostrando macrócitos ovalados e um neutrófilo hipersegmentado. Fonte: Hoffbrand, A. Victor et al. Fundamentos em Hematologia de Hoffbrand. 7a edição. Porto Alegre, Rs: Artmed, 2018.
Para falar sobre o diagnóstico da anemia megaloblástica, vamos analisar esse hemograma. Assim, percebemos que a paciente apresenta apenas hemácias maiores do que o normal e um valor baixo de hemoglobina, caracterizando uma anemia macrocítica.
Somando ao perfil de ferro normal, descartamos o diagnóstico de anemia ferropriva (uma anemia microcítica).
O que mais nos ajuda a fechar o diagnóstico nesse caso é o esfregaço de sangue, que nos mostra uma imagem extremamente típica de anemia megaloblástica, seja por deficiência de vitamina B12 ou de folato: o neutrófilo hipersegmentado.
Geralmente, o diagnóstico assertivo de qual deficiência está causando o distúrbio é feito pela dosagem de cada um dos nutrientes. No caso, temos a vitamina B12 baixa, o folato sérico normal e o folato eritrocitário baixo. E o que isso quer dizer?
Parâmetro | Deficiência Vitamina B12 | Deficiência Folato | Valores de Referência (VR) |
Vitamina B12 sérica | baixo | normal ou limítrofe | 160-925 pg/mL |
Folato sérico | normal ou alto | baixo | 3-15 ng/mL |
Folato eritrocitário | normal ou baixo | baixo | 160-640 ng/mL |
Portanto, concluímos que a causa da anemia megaloblástica da paciente foi a deficiência de vitamina B12.
Entendi, mas qual a diferença entre o folato sérico e o folato eritrocitário? Basicamente, a diferença dos dois está em sua localização.
O folato eritrocitário é uma medida mais precisa da quantidade de folato tecidual – quanto de fato desse folato está no tecido – e o folato sérico mostra a quantidade de folato livre no sangue.
Na deficiência de B12, o folato sérico tende a aumentar devido ao próprio papel fisiológico da vitamina de trazer o folato para dentro da célula.
Antes de falarmos sobre o tratamento da anemia megaloblástica, você quer dominar o universo da transfusão sanguínea? Então conheça o nosso guia rápido de transfusões para o clínico. Nesse material, você vai aprender desde procedimentos especiais até os cuidados durante as transfusões. Está esperando o que? Faça já o download e esteja preparado para uma prática clínica eficaz!
Voltando ao assunto, como qualquer carência nutricional, o tratamento da anemia megaloblástica deverá ser feito com reposição do nutriente faltante.
As doses terapêuticas de folato (5 mg/dia) não podem ser administradas isoladamente, uma vez que podem piorar os sintomas neurossensoriais causados pela deficiência de vitamina B12.
Mas em pacientes com anemia muito grave que necessitem de tratamento imediato, é possível fazer a reposição dos 2 nutrientes em conjunto após a coleta inicial dos exames.
Em relação à vitamina B12, doses orais altas são necessárias para garantir a absorção diária, por isso, muitas vezes, o tratamento intramuscular é indicado.
Vale dizer que transfusões sanguíneas devem ser evitadas nesses pacientes, pois podem causar sobrecarga circulatória.
Espero que tenham gostado de ler mais sobre a anemia megaloblástica. Caso ainda haja qualquer dúvida, não hesite em perguntar, estaremos sempre abertos!
Agora, se você já está na residência ou se está na correria dos plantões e não quer comer bola com nenhum paciente, vem ver esse curso todo voltado para o atendimento de todos os pacientes que você vai encontrar no pronto-socorro, o PsMedway.
Espero que vocês curtam!
Bianca Bolonhezi. Nascida em São Paulo/SP em 1996, formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do ABC em 2020. Apaixonada pelo comportamento humano e seus desdobramentos. Uma ávida leitora que, no meio de tantos livros, se encantou pela educação.