Cascata de coagulação: o que importa para a prática médica

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Sabemos que a cascata de coagulação é um assunto complexo e que você odiou estudar lá na fisiologia. No entanto ela é sim importante para a prática médica e o nosso foco hoje é falar justamente sobre a cascata de coagulação, com o foco no que realmente importa para o médico. Sem frescura com o que não importa na prática.

Vamos nessa?

Para que serve a cascata de coagulação?

Então, antes de falar sobre a cascata de coagulação em si, vamos falar sobre hemostasia.

A hemostasia é o processo fisiológico responsável por evitar sangramentos e hemorragias. Ela é dividida em:

Hemostasia primária

  • Principal fator: plaquetas
  • Locais de sangramento: pele e mucosas

Hemostasia secundária

  • Principal fator: fatores de coagulação
  • Locais de sangramento: subcutâneo / SNC / articulações
Fonte: Abraphem

Certo, a cascata de coagulação atua na hemostasia secundária. Mas o que é ela de fato?

Ela é formada pelos fatores de coagulação. Basicamente um fator de coagulação é uma proteína que ativa um outro fator que estava inativo, e este novo fator ativado irá ativar um próximo e assim sucessivamente. Formando uma cascata onde um fator ativa o próximo até o resultado final que é a formação de fibrina. Além disso, o Cálcio (Ca2+) tem um papel importante, atuando como cofator.

Como a cascata de coagulação é dividida?

Ela é dividida em via intrínseca e via extrínseca, sendo que ambas chegam num ponto em comum que é a via comum.

Via intrínseca

  • Via mais lenta
  • Fatores importantes: VIII / IX / XI
  • Avaliada pelo KTTP (normal até 35 segundos)

Via extrínseca

  • Via mais rápida
  • Fator importante: VII
  • Avaliada pelo TAP (normal até 14 segundos) e RNI

Via comum

  • Via final
  • Fatores importantes: I / II / V / X

Quais doenças estão relacionadas com a cascata de coagulação? 

Agora que entendemos o básico sobre o funcionamento da cascata de coagulação, vamos seguir em frente e falar sobre a prática médica!

Doenças relacionadas com a via intrínseca

  • Hemofilia A: Deficiência do fator VIII
  • Hemofilia B: Deficiência do fator IX
  • Hemofilia C: Deficiência do fator XI

A hemofilia A é o tipo mais comum e, infelizmente, é mais grave que os demais. A hemofilia C é mais rara e tem quadro mais brando.

Hemofilia (A e B) acomete principalmente homens (casos raríssimos em mulheres), pois é uma doença hereditária ligada ao X recessiva. Enquanto que a hemofilia C pode acometer igualmente homens e mulheres (pois não tem relação com o cromossomo X, mas sim com o cromossomo autossômico 4).

O tratamento das hemofilias consiste basicamente em repor o fator deficiente.

Fonte: sp.unifesp.br

  • Heparina não fracionada (HNF):

A HNF tem ação inibitória sobre os seguintes fatores: trombina, Xa, XIIa, XIa e IXa, por conta disso quando usada em doses elevadas, principalmente, pode causar sangramentos. Seu acompanhamento se faz com a dosagem de KTTP (por conta da inibição da via intrínseca – fatores XIIa, XIa e IXa), objetivando um valor de KTTP 1,5 a 2,5x do normal.

Doenças relacionadas com a via extrínseca

  • Deficiência hereditária do fator VII: 

Muito rara!

Antes de falarmos das próximas doenças, algumas considerações: 

  1. Lembre-se que o fator relacionado com a via extrínseca é o VII.
  2. O fator VII é o que tem a meia vida mais curta, logo, quando se tem deficiência de vários fatores, incluindo o VII, ele é o primeiro a causar consequências clínicas, pois é o primeiro a “faltar”.
  3. Os fatores dependentes da vitamina K são: II / VII / IX / X; portanto, com a explicação acima, fica claro que deficiência de vitamina K acomete a via extrínseca (fator VII)!
  • Cumarínico (Varfarina):

A varfarina é um antagonista da vitamina K, logo, reduz os fatores II / VII / IX / X e a consequência será principalmente na via extrínseca, com alargamento do TAP/RNI.

  • Colestase e Doença hemorrágica do RN: 

Ambos têm deficiência de vitamina K, já entendemos o que isso causa né? Problema na via extrínseca!

  • Hepatopatia:

O fígado produz todos os fatores da coagulação (menos o fator VIII). E, se todos estão deficiêntes, qual irá causar problema antes? Isso mesmo, o fator VII.

Doenças relacionadas com a via comum

  • Coagulação intravascular disseminada (CIVD): 

A CIVD é uma síndrome caracterizada pela ativação e consumo dos fatores da coagulação. Logo, as consequências clínicas e laboratoriais são:

  • Lesão capilar (anemia hemolítica microangiopática)
  • Apoptose de plaquetas (plaquetopenia e tempo de sangramento alargado)
  • Consumo dos fatores da coagulação (TAP e KTTP alargados)
  • Fibrinólise (causando isquemias sistêmicas por microtrombos de fibrina)

Para resumir de forma simples o que é a CIVD, pense assim:

  • A cascata de coagulação é muito ativada (existem várias possíveis causas, como: infecções, neoplasias, traumas…)
  • Por conta disso muita fibrina é formada e quando nosso organismo a degrada, forma trombos
  • Mas, ao mesmo tempo, os fatores de coagulação são consumidos (consequência da ativação desenfreada da cascata de coagulação)
  • O que acontece se os fatores da coagulação são consumidos? Sangramentos!
  • Se tem sangramento, o que o nosso organismo faz? Isso mesmo, estimula ainda mais a cascata de coagulação 
  • Isso acaba virando uma “bola de neve”. Desastre total

Sobre o tratamento, não entrarei em detalhes porque não é o foco do artigo, mas algumas considerações:

  1. Tratar a causa de base
  2. Se ausência de sangramento ativo:
  • Profilaxia antitrombótica (Enoxaparina profilática)
  • Se eventos trombóticos: Heparinização plena
  • Se plaquetas < 20.000: Transfusão plaquetária
  1. Se sangramento ativo (ou alto risco):
  • Se plaquetas < 50.000: Transfusão plaquetária
  • Se RNI > 1,5: Plasma fresco congelado (PFC)
  • Se Fibrinogênio < 150 mesmo após PFC: Considerar transfusão de crioprecipitado

Ufa! Terminamos aqui

Sabemos que falar sobre cascata de coagulação é denso, mas convenhamos, é um assunto importantíssimo e, se estudado de forma correta, priorizando o que de fato importa, dá sim para entender e colocar esse conhecimento na nossa prática médica.

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BrunoBlaas

Bruno Blaas

Gaúcho, de Pelotas, nascido em 1997 e graduado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Residente de Clínica Médica na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Filho de um médico e de uma professora, compartilha de ambas paixões: ser médico e ensinar.