Cefaleia em salvas: tudo que você precisa saber

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A cefaleia em salvas é considerada uma cefaleia primária (assim como a cefaleia tensional e a enxaqueca). Ela faz parte do grupo das cefaleias trigêmino-autonômicas, sendo a mais frequente.

Talvez, você ainda não tenha atendido a um paciente com cefaleia em salvas. Com as informações deste artigo, você saberá como realizar um diagnóstico assertivo e rápido, seguido do tratamento correto para remover o paciente do quadro de cefaleia intensa.

Cefaleias trigêmino-autonômicas

Como já dito, a cefaleia em salvas é a principal representante das cefaleias trigêmino-autonômicas. Esse grupo contempla as cefaleias idiopáticas, caracterizadas por cefaleia unilateral acompanhada de sintomas autonômicos ipsilaterais. Outros exemplos de cefaleias trigêmino-autonômicas são:

  • hemicrania paroxística;
  • cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração com lacrimejamento e injeção conjuntival;
  • cefaleia neuralgiforme unilateral com sintomas autonômicos faciais.

Fisiopatologia da cefaleia em salvas

A patogênese da cefaleia em salvas é complexa, não muito bem definida e compreendida. A teoria mais amplamente aceita é a de que ela ocorre por conta de uma ativação hipotalâmica com consequente ativação do reflexo trigêmeo-autonômico.

Uma teoria alternativa alega a ocorrência por uma inflamação neurogênica nas paredes do seio cavernoso, devido à obliteração do fluxo venoso, que causa lesões nas fibras trigeminais e simpáticas ao longo da artéria carótida interna.

Fatores de risco da cefaleia em salvas

Primeiro, é preciso falar sobre a história familiar: parece haver um componente genético na cefaleia em salvas. Nos pacientes com essa condição, foi encontrada uma história familiar positiva de 5% a 20%.

Também é válido mencionar o tabagismo. Mais de 80% dos pacientes com cefaleia em salvas são tabagistas. Inclusive, o número de tabagistas vem caindo nas últimas décadas, assim como a incidência dessa condição.

Por fim, mencionamos o trauma cranioencefálico (TCE) prévio, uma associação não muito bem definida, apesar de estudos mostrarem uma prevalência de TCE prévio de 15% em pacientes com cefaleia em salvas.

Fatores confundidores seriam a maior prevalência de tabagismo em pacientes com TCE prévio e o longo intervalo entre o TCE e a cefaleia em salvas observado nos estudos.

Clínica da cefaleia em salvas

O paciente apresenta um quadro de cefaleia unilateral e intensa associada a sintomas autonômicos em face ipsilateral. Sendo assim, como proceder em relação ao diagnóstico?

Cefaleia

Tipicamente, os pacientes apresentam quadro de dor de cabeça intensa e de início agudo. Por conta disso, costumam ficar inquietos, andando de um lado para o outro.

A localização típica é na região periorbital ou temporal. Alguns pacientes referem alodínia cutânea (dor a um estímulo não doloroso, como pentear os cabelos). 

Como já dito, os sintomas da cefaleia são unilaterais e quase sempre permanecem do mesmo lado durante a crise (podendo acontecer do outro lado em uma crise subsequente, chamado “deslocamento lateral”, que ocorre em 15% dos pacientes).

A crise costuma durar de 15 minutos a 3 horas e ocorre de 1 a 8 vezes ao dia. A condição se apresenta, tipicamente, como quadros de crises e remissões (podendo ficar assintomática por meses).

Por conta de toda a severidade descrita acima, é comum estarem associados quadros psiquiátricos (depressão/ideação suicida). Dos pacientes, 44% apresentam depressão em algum momento da vida.

Sintomas autonômicos

Normalmente, os sintomas autonômicos ocorrem apenas durante as crises e são ipsilaterais (mesmo lado da dor). São raros os casos em que eles não estão presentes no quadro (3%). Os sintomas mais comuns são:

  • ptose palpebral;
  • miose;
  • lacrimejamento;
  • rinorreia;
  • congestão nasal;
  • sudorese;
  • rubor facial.

Diagnóstico da cefaleia em salvas

O diagnóstico desse tipo de cefaleia primária costuma ser dado com base na anamnese, principalmente nos quadros clássicos da doença. Existem critérios para guiá-lo.

Os pacientes devem ter passado por pelo menos cinco ataques caracterizados por dor orbital, supra orbitária ou temporal unilateral intensa. Outras manifestações a serem observadas são:

  • pelo menos um dos sintomas ou sinais ipsilaterais à cefaleia;
  • lacrimejamento;
  • congestão nasal/rinorreia;
  • edema de pálpebra;
  • sudorese na testa e no rosto;
  • miose e/ou ptose;
  • sensação de inquietação ou agitação.

Ainda é possível distinguir esse tipo de cefaleia em episódica ou crônica:

  • episódica: pelo menos 2 períodos de cefaleia em salvas com duração de 7 dias a 1 ano, assim como períodos de remissão de ≥ 3 meses;
  • crônica: ataques ocorrendo sem períodos de remissão ou com remissão de 3 meses durante 1 ano.

Neuroimagem

É sugerido realizar RNM de crânio em todo paciente com clínica de cefaleia em salvas, pois ela pode ser potencialmente secundária a uma lesão cerebral estrutural. Claro que essa não é a realidade do país, mas é a recomendação.

Nos pacientes com exame físico neurológico alterado, o exame de neuroimagem é essencial! Como alternativa à RNM de crânio com gadolíneo, é possível lançar mão de uma TC de crânio com contraste.

Tratamento agudo

No tratamento da cefaleia em salvas de primeira linha, deve haver oxigênio a 100% por máscara não reinalante com fluxo de 10 a 12 L/min por 10 a 20 minutos e sumatriptano 6 mg por via subcutânea (SC).

No tratamento de segunda linha, mencionam-se os triptanos intranasais, contralateral ao lado da dor. Nesse caso, a dose recomendada é de sumatriptano 20 mg.

No tocante aos pacientes não responsivos ao tratamento com oxigênio e triptanos, deve-se entrar com lidocaína intranasal 1 ml e derivados do ergot (ergotamina/diidroergotamina) via oral ou endovenosa.

Tratamento preventivo

O verapamil é indicado para pacientes com cefaleia em salvas crônica ou episódica com duração ≥ 2 meses. Inicie com 80 mg VO – 3x/dia e aumente a 80 mg (dose diária) a cada 10 ou 14 dias, podendo chegar a 360 mg – 3x/dia.

Os corticoides são indicados para pacientes com cefaleia em salvas episódica com duração < 2 meses. Inicie com prednisona de 60 a 100 mg VO – 1x/dia por 5 dias e, posteriormente, diminua para 10 mg ao dia. Terapias de segunda linha incluem:

  • lítio;
  • topiramato;
  • valproato;
  • capsaicina;
  • triptanos;
  • ergotamina;
  • melatonina;
  • indometacina.

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BrunoBlaas

Bruno Blaas

Gaúcho, de Pelotas, nascido em 1997 e graduado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Residente de Clínica Médica na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Filho de um médico e de uma professora, compartilha de ambas paixões: ser médico e ensinar.