Red flags das cefaleias na emergência: saiba quais são

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Uma questão recorrente na vida de qualquer plantonista do pronto-socorro é a de como investigar cefaleias na emergência — afinal, cefaleias são a quarta principal causa de atendimento em unidades de emergência. São tantos padrões diferentes de dor, tipos, comorbidades associadas… e por aí vai. Nesse sentido, a grande missão do médico é descobrir se está lidando com uma cefaleia primária ou secundária. E como ele pode fazer isso? Pelas red flags das cefaleias na emergência!

Não sabe do que eu tô falando? Então vem com a gente!

Imagem ilustrativa de red flag

Para diferenciar as red flags uma das outras, você precisa estar munido de todas as informações essenciais obtidas pela anamnese e pelo exame neurológico, que destrinchamos no artigo específico de abordagem geral das cefaleias no PS. No post de hoje, entretanto, o foco será nos sinais de alarme, as red flags das cefaleias na emergência, tal como mencionamos ali em cima!

E aí… você sabe quais são? Tem indicação de exames complementares? Sabe reconhecer um sinal de alarme mas não sabe para qual patologia ele aponta? Se ainda tem dúvida sobre as red flags das cefaleias, esse artigo foi feito pra você!

Ok, vamos lá: quais são as red flags das cefaleias?

Você já deve ter lido alguma vez na vida sobre os sinais de alarme das cefaleias, ou simplesmente red flags. Apesar disso, aposto que já esqueceu de perguntar sobre algum deles numa consulta rápida, especialmente quando está “caindo a casa” no PS. Acertei? Pois relaxe: para isso não acontecer mais, vou te mostrar um mnemônico para se lembrar de todos os red flags.

O macete que nos ajuda a lembrar de todos os red flags é o SNNOOP10.

Ilustração do cachorro Snoopy, que tem um nome similar ao mnemônico SNNOOP10, feito para auxiliar na memorização das red flags das cefaleias
Uma maneira fácil de lembrar é pensando no Snoopy!

Vamos descrever letra por letra, a princípio em inglês, como a descrição original — mas calma, ao final do artigo deixamos a tabela traduzida e com as possíveis condições associadas, para facilitar o seu plantão!

  • Systemic symptoms: a primeira das nossas red flags é baseada na presença de cefaleia com sintomas sistêmicos que nos remetem especialmente às neuroinfecções —  meningites virais e bacterianas.
    Classicamente são acompanhadas por rigidez de nuca e encefalopatia; porém, a associação desses três fatores de forma concomitante não é tão comum.
    Sendo assim, cefaleia com febre isolada apresenta uma baixa especificidade para meningite e pode ocorrer em diversas outras infecções sistêmicas. Ainda assim é um sinal de alarme para você nunca esquecer de prosseguir a investigação caso desconfie de uma meningoencefalite aguda!
    Além disso, pacientes com cefaleia, febre e/ou encefalopatia, especialmente se tiverem história de possível crise, sempre lembrar de encefalite herpética!
  • Neoplasm: a chance de se encontrar um tumor num paciente sem história de neoplasia com cefaleia isolada é muito baixa (cerca de 0,1%). Porém, nos paciente com história de neoplasia que desenvolvem uma cefaleia nova, a chance de metástase cerebral aumenta consideravelmente, especialmente se história de neoplasia de pulmão, mama e melanoma (neoplasias com maior risco de metástase intracraniana).
  • Neurologic deficit: cefaleias acompanhadas por déficit neurológico, qualquer que seja (incluindo rebaixamento do nível de consciência), obviamente são sempre potencialmente graves. Apesar de a principal causa ser enxaqueca com aura, as etiologias mais frequentes depois dela são AVC hemorrágico e AVC isquêmico.
  • Onset: o modo de instalação da cefaleia você sempre deve caracterizar bem. Cefaleias de início súbito são sempre uma grande preocupação, como descrevemos previamente no artigo de cefaleia em trovoada ou thunderclap headache
  • Older age: uma das red flags mais fáceis de apontar é a idade. Cefaleias de início tardio, ou seja, após os 50 anos, são representadas significativamente por cefaleias secundárias, especialmente se acima dos 65 anos. As causas são diversas: neuroinfecções, tumores, arterite temporal, neuralgia do trigêmeo, entre outras.
  • Pattern change or recent onset: a mudança no padrão de uma cefaleia prévia (por exemplo, uma enxaqueca que mudou as suas características) ou uma cefaleia de início recente (aquelas com início <3 meses) apresentam risco aumentado de serem secundárias, mesmo como sintomas isolados! Patologias secundárias que podem se apresentar dessa maneira são a cefaleia da Trombose Venosa Cerebral (em até 40%!) e metástases intracranianas.
  • Positional headache: cefaleias que dependem da posição do corpo podem se apresentar de duas maneiras:
    1. cefaleia ortostática → aquela que ocorre APENAS ao levantar e melhora quase COMPLETAMENTE ao deitar-se: sugestivo de síndrome de hipotensão liquórica – pode ser pós-punção lombar ou espontânea;
    2. cefaleia que piora ao deitar-se ou é pior pela manhã → sugestivo de hipertensão intracraniana (geralmente acompanhada por outros sinais de alarme).
  • Precipitants: cefaleias precipitadas por esforço, tosse ou manobra de Valsalva podem ocorrer em diversas patologias secundárias. Vale lembrar que a cefaleia induzida pela tosse é classicamente associada à malformação de Chiari tipo I ou patologias da fossa posterior.
  • Papilledema: obviamente a presença de papiledema é sinal de alarme, pois é um sinal de síndrome de hipertensão intracraniana e pode ser causada por tumores, hipertensão intracraniana idiopática, TVC, neuroinfecções…
  • Progressive: cefaleias que aumentam de intensidade progressivamente são associadas com muita frequência com patologias secundárias, especialmente TVC e tumores intracranianos.
  • Pregnancy or puerperium: Pregnancy or puerperium: principalmente no terceiro trimestre (>50% de chance de patologia secundária!). As principais causas são distúrbios hipertensivos da gestação e patologias hipofisárias.
  • Painful eye with autonomic features: quando a cefaleia é periorbitária unilateral, de muito forte intensidade, e com sinais autonômicos, sempre lembramos das cefaleias trigemino-autonômicas, sendo sua principal representante a cefaleia em salvas. Porém, mesmo as apresentações mais típicas devem ser investigadas, já que há a chance de ser causada por patologia secundária, como lesões estruturais da fossa posterior, seio cavernoso ou da hipófise.
  • Posttraumatic: cefaleias pós-traumáticas, especialmente se agudamente relacionadas ao trauma, sempre devem ser investigadas pelo alto risco de patologias secundárias, como, por exemplo, hematoma subdural.
  • Pathology of the immune system: imunossuprimidos em geral com cefaleia sempre devem ser investigados para infecções oportunistas. Pacientes com HIV também; porém, a suspeita de neuroinfecção oportunista depende especialmente do seu grau de imunossupressão.
  • Painkiller overuse or new drug: a última das red flags desse mnemônico, o abuso de analgésicos comuns é uma das principais causas de cefaleia secundária no mundo → sempre perguntar sobre isso! Já a relação temporal com outras medicações também deve sempre ser pesquisada, pois há uma variedade muito grande que pode ser a causa da cefaleia.

Antes de partirmos para a tabela traduzida das red flags, que tal já baixar o nosso e-book sobre Exame Físico Neurológico? Lá você vai ter um guia prático e claro que vai te ensinar os principais pontos do exame físico neurológico, incluindo aspectos essenciais para médicos generalistas. Clique AQUI e faça download gratuitamente!

Vale guardar essa tabela traduzida das red flags para o seu próximo plantão:

Sinais ou sintomasCefaleia secundária relacionada
Sintomas sistêmicos / febreNeuroinfecção, feocromocitoma
Neoplasia prévia ou atualMetástase
Déficit Neurológico  AVC, Abscesso, lesão focal
Onset – Início abrupto    HSA, dissecção arterial, SVCR
Older – Idade >50 anosArterite temporal, neuralgia do trigêmeo
Padrão diferente ou recente Neoplasia, causas vasculares (TVC)
Posicional   Hiper ou Hipotensão intracraniana
Precipitantes (tosse, exercício)Malformação de Chiari
Papiledema   Hipertensão intracraniana
Piora ProgressivaNeoplasia, TVC, distúrbios não-vasculares
Puerpério ou gestaçãoPré-eclâmpsia, TVC, pós-punção lombar
Painful eye – olho doloroso com sinais autonômicosPatologias hipofisárias, de seio cavernoso ou oftalmológicas
Pós-traumática    Hematoma subdural
Patologia do sistema imune (ex.: HIV)Infecções oportunistas
Painkiller – abuso de analgésicos ou nova medicaçãoCefaleia por abuso de analgésicos, meningite asséptica por IVIG
*HSA = Hemorragia Subaracnóidea; SVCR = Síndrome da Vasoconstrição Cerebral Reversível; TVC = Trombose Venosa Cerebral

É isso!

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Abraço e até mais!

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CaioDisserol

Caio Disserol

Paranaense nascido em 1990. Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) de Curitiba em 2014. Residência em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Palo (HCFM-USP), concluída em 2019. No HCFM-USP, experiência como preceptor dos residentes entre 2019-2020. Concluiu um fellowship em Neuroimunologia em 2021. Experiência como médico assistente do departamento de Neuropsiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). "As doenças são da antiguidade e nada se altera sobre elas. Somos nós que mudamos na medida em que estudamos e aprendemos a reconhecer o que antes era imperceptível."