A avaliação dos nervos cranianos é parte essencial do exame neurológico. Mesmo em uma era marcada por exames de imagem avançados, a análise clínica detalhada continua sendo insubstituível para a localização de lesões e a formulação de diagnósticos diferenciais.
Os 12 pares de nervos cranianos se originam diretamente do encéfalo e controlam funções sensoriais, motoras e autonômicas da cabeça e do pescoço. Alterações neste exame podem revelar desde condições benignas e transitórias até doenças graves que exigem intervenção imediata.
Neste guia prático, você vai encontrar uma revisão objetiva das funções de cada nervo, os principais métodos de avaliação e sua relevância clínica.
O nervo olfatório é responsável exclusivamente pelo olfato. A avaliação é feita pedindo ao paciente que identifique odores familiares, como café, cravo ou sabonete, em cada narina separadamente, mantendo a outra ocluída.
Esse teste é particularmente importante em casos de traumatismos cranianos ou quando há suspeita de lesões na fossa anterior. Alterações como anosmia, hiposmia, parosmia ou cacosmia podem estar relacionadas a fraturas do teto da cavidade nasal, tumores de base de crânio, doenças neurodegenerativas como Parkinson e até efeitos pós-infecciosos, como os da COVID-19.
O nervo óptico é responsável pela visão central, periférica e percepção de cores. A avaliação clínica envolve o teste de acuidade visual, geralmente com a tabela de Snellen, realizado em cada olho individualmente.
Também se examinam os campos visuais por confrontação direta, a percepção de cores por meio das placas de Ishihara ou Hardy-Rand-Ritter e a fundoscopia, que permite observar papilas, vasos e retina.
Alterações visuais, perda de cores, edema de papila ou atrofia óptica podem indicar neuropatias, glaucoma, lesões compressivas ou doenças desmielinizantes, como a esclerose múltipla.
Esses três nervos são responsáveis pela motricidade ocular extrínseca, além do controle da pupila e da elevação da pálpebra superior (no caso do III).
O exame inclui a observação da simetria dos movimentos oculares, o teste de seguimento em nove posições do olhar e a avaliação dos reflexos pupilares direto e consensual. Também é importante observar sinais como ptose, espasmos ou tremores.
A presença de diplopia, estrabismo, midríase, miose ou ptose pode indicar lesões de origem microvascular, compressiva ou desmielinizante.
O trigêmeo tem função mista, sendo responsável pela sensibilidade da face, dividida em três ramos (oftálmico, maxilar e mandibular), e pela motricidade dos músculos da mastigação.
O exame envolve testes de sensibilidade com algodão e estímulo doloroso, além da avaliação dos reflexos corneano e massetérico. A função motora é testada pela palpação do masseter durante a contração e pela abertura da boca contra resistência.
Alterações podem indicar neuralgia do trigêmeo, perda de sensibilidade facial ou compressões por tumores ou vasos.
O nervo facial é responsável pelos movimentos da mímica, pelo paladar nos dois terços anteriores da língua e pela secreção lacrimal e salivar. A avaliação clínica inclui observar expressões faciais voluntárias, como sorrir, franzir a testa ou fechar os olhos, além de testes de paladar com soluções doces, salgadas, amargas e ácidas.
O nervo também participa de reflexos como o corneano e o glabelar. A paralisia de Bell (periférica) causa lagoftalmo e sinal de Bell, enquanto a paralisia central poupa a musculatura da testa. Alterações do paladar podem se manifestar como hipogeusia, ageusia ou parageusia.
Esse nervo é responsável pela audição e pelo equilíbrio. A avaliação da audição pode ser feita por meio do teste do sussurro, das provas de Weber e Rinne com diapasão e, quando disponível, pela audiometria.
O equilíbrio pode ser avaliado pela observação de nistagmo ou por manobras específicas, como a de Dix-Hallpike, usada no diagnóstico da vertigem posicional paroxística benigna. Alterações como vertigem, zumbido e surdez condutiva ou neurossensorial podem indicar lesões periféricas ou centrais.
Os nervos glossofaríngeo e vago têm funções relacionadas à deglutição, fonação, paladar no terço posterior da língua, reflexos faríngeos e inervação parassimpática visceral.
A avaliação envolve a observação da elevação do palato e da úvula durante a fonação, a análise do reflexo do vômito e a investigação de dificuldades de deglutição. Alterações podem se manifestar como disfagia, desvio de úvula, ausência do reflexo faríngeo e paralisia de cordas vocais.
O nervo acessório inerva o esternocleidomastoideo e o trapézio. Para avaliá-lo, pede-se ao paciente que gire a cabeça contra resistência e que eleve os ombros também contra resistência.
Fraqueza muscular, ombro caído ou escápula afastada da coluna podem indicar comprometimento do nervo.
Esse nervo é responsável pelos movimentos da língua. Durante o exame, o avaliador observa o trofismo, a presença de fasciculações e o desvio da língua quando protruída.
A movimentação lateral também deve ser testada. Alterações clínicas incluem desvio para o lado da lesão, hemitrofia, disartria e disfagia.
Alterações nos nervos cranianos podem ser causadas por:
A presença de paralisias isoladas, em especial do VII, V, VI ou VIII, pode ser auto-limitada, com recuperação completa em até duas semanas, mas é essencial descartar causas graves.
A avaliação sistemática dos 12 pares de nervos cranianos é uma etapa indispensável do exame neurológico. Mais do que um protocolo, ela é uma ferramenta diagnóstica poderosa, capaz de revelar alterações sutis que exames complementares podem não detectar imediatamente.
Dominar os testes clínicos de cada nervo, compreender suas funções e reconhecer sinais de disfunção é essencial para médicos e estudantes, garantindo precisão no diagnóstico e segurança no cuidado ao paciente.
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Professora da Medway. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com Residência em Clínica Médica (2019-2021) e Medicina Intensiva (2022-2025) pela Universidade de São Paulo (USP - SP). Siga no Instagram: @anakabittencourt