Sintomas do AVC: tudo que você precisa saber

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Ei gente! Tudo certo? Hoje nós vamos bater um papo sobre os sintomas do AVC. Sabemos que o AVC é uma das principais urgências neurológicas que chegam ao pronto socorro para serem avaliadas — se você ainda não atendeu um paciente com AVC, fique calmo: a sua vez vai chegar! É por esse motivo que suspeitar desse diagnóstico é primordial. A apresentação clínica mais clássica é o paciente que se torna hemiparético e com a fala embolada, mas nós podemos ir muito além disso.

Se você quer saber um pouquinho mais sobre o assunto, vem comigo!

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O começo de tudo: entendendo as definições

Existem dois tipos de acidente vascular cerebral: o isquêmico e o hemorrágico. O AVC isquêmico (AVCI) é muito mais comum que o hemorrágico (AVCH), e sua fisiopatologia envolve a interrupção do fluxo sanguíneo por algum dos vasos intracranianos, de modo que o território irrigado por aquele vaso deixa de receber aporte de oxigênio e nutrientes e começa a sofrer com isquemia. Após poucos minutos de oclusão, os neurônios já apresentam danos e evoluem com edema e disfunção, e é isso que vai determinar a sintomatologia do paciente.

A depender do território que é irrigado pelo vaso acometido, diferentes funções cerebrais podem ser afetadas em diferentes proporções: motricidade, sensibilidade, nível de consciência… Mais a frente nós vamos conversar com mais detalhes sobre cada uma delas!

O AVCH, por sua vez, é muito menos comum. Como o próprio nome sugere, é causado pela ruptura de vasos sanguíneos que leva a uma hemorragia dentro do parênquima cerebral. Os sintomas muitas vezes se sobrepõem aos do AVCI e, por isso, não é possível distinguir qual tipo de AVC acometeu o paciente até a realização de um exame de imagem (eu explico um pouquinho mais sobre isso nesse texto aqui [hiperlink pro texto de AVCI]) – mas algumas sutilezas na clínica do paciente podem sugerir ser AVCH, como a gente vai ver.

As causas de AVC são as mais diversas e não é o objetivo desse texto esgotar a etiologia. Apenas para não passar em branco, vamos relembrar: o AVCI é uma doença relacionada com fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão arterial e diabetes mellitus, assim como com fragilidade da parede do vaso, estados de hipercoagulabilidade e vasculites, por exemplo. A interação entre esses fatores leva a uma embolia arterial, dissecção, estenose vascular ou trombose em placa aterosclerótica, por exemplo, interrompendo o fluxo de sangue por aquele vaso.

O AVCH se associa principalmente com a hipertensão arterial sistêmica. Os níveis tensionais elevados exercem uma força de cisalhamento importante na parede dos vasos levando, assim, a sua ruptura, classicamente em território profundo (núcleos da base). Ademais, temos outras condições que podem predispor ao risco de AVCH, entre elas: angiopatia amiloide (uma alteração da parede dos vasos causada pelo depósito de proteína amiloide), malformações arteriovenosas (que formam enovelados vasculares intraparenquimatosos), neoplasias… Nós poderíamos ficar o dia inteiro aqui discutindo a etiologia! Mas vamos voltar ao foco do texto.

Neuroanatomia vascular: o básico do básico

Para conseguirmos entender os diferentes sintomas do AVC, é importante termos uma noção básica da vascularização do sistema nervoso central. Calma! Não precisa se assustar. Aqui, só vou introduzir o assunto para entendermos melhor porque a apresentação clínica do AVC pode ser tão diversa. Vamos acompanhar juntos pela imagem abaixo.

Estamos olhando para uma imagem do cérebro de baixo para cima.

A irrigação do cérebro é dividida em dois territórios: a circulação anterior, composta pelo sistema carotídeo, e a circulação posterior, composta pelo sistema vertebrobasilar. É importante termos essa distinção em mente pois a depender do vaso acometido, os sintomas podem ser bem diferentes. Além disso, esses dois sistemas se anastomosam no famoso polígono de Willis, visando a garantir a perfusão cerebral pelas colaterais.

No sistema anterior, a artéria carótida interna se bifurca em artérias cerebrais anterior (ACA) e média (ACM). A ACA é responsável pela irrigação principalmente da região medial e superior de cada hemisfério, onde há a representação cortical dos membros inferiores (lembram do homúnculo de Penfield? Pois bem, aqui essa lembrança vai ser muito útil!). A ACM, por sua vez, irriga a parte lateral (e a maior parte) de cada hemisfério, onde temos a representação da face, membros e as áreas de linguagem.

Azul – artéria cerebral anterior / Amarelo – artéria cerebral média / Vermelho – artéria cerebral posterior. A) Vista lateral; B) Vista medial; C) Vista inferior.

Já o sistema posterior é composto pelas artérias vertebrais, provenientes das subclávias de cada lado, que se unem formando a artéria basilar. A basilar, por fim, se bifurca nas artérias cerebrais posteriores (ACP), que contornam o mesencéfalo. Esse sistema é responsável pela irrigação da região do tronco encefálico, cerebelo, tálamo e região posterior do cérebro (lobos occipitais e parte dos lobos temporal e parietal). 

Já conseguem começar a entender por que um AVC de circulação posterior vai ter uma apresentação clínica bem diferente do de circulação anterior? É claro que temos muito mais ramos e territórios específicos do que isso, mas eu disse que aqui veríamos apenas o básico.

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Diferentes territórios, logo, diferentes sintomas

Agora, vamos raciocinar juntos em relação ao que vai acontecer quando diferentes vasos forem acometidos por oclusão arterial. Podemos ter os mesmos sintomas do AVC se associando de maneiras e proporções diferentes e, muitas vezes, isso pode nos sugerir não só o vaso que foi acometido, mas também a altura da oclusão. Para isso, deem uma olhada rápida na imagem do homúnculo de Penfield para ficar mais fácil de relembrar.

Circulação anterior: sistema carotídeo

Como vimos, a ACA se origina da bifurcação da carótida interna e segue medialmente entre os hemisférios, irrigando principalmente a superfície mais interna. Desta forma, é responsável principalmente pela porção dos membros inferiores. O paciente pode se queixar de fraqueza predominantemente na perna ou, ainda, de uma fraqueza nos membros que poupa a região da face – ou seja, sem paralisia facial e desvio de rima associado. Isso não é uma regra 100%, claro, mas é algo que ajuda a gente a raciocinar em cima da apresentação clínica.

A ACM é, sem dúvidas, o ramo mais importante quando falamos de AVC. Responsável pela irrigação da maior parte do território cerebral, é o ramo mais acometido por oclusões vasculares. Ela emite os ramos lenticuloestriados bem proximais (que irrigam a cápsula interna e os núcleos da base) e se divide em 3 segmentos (M1, M2 e M3) à medida que progride lateralmente ao longo da superfície do córtex cerebral, sendo M1 mais proximal e M3 mais cortical.

Assim, quando temos uma oclusão muito proximal (em M1, por exemplo, logo depois da bifurcação), teremos quase todo o território da ACM acometido: o paciente apresenta hemiplegia contralateral proporcionada e hemianestesia. Além disso, esses pacientes também apresentam hemianopsia homônima (devido ao acometimento das radiações ópticas) e afasia (em geral mista).

Você pode estar se perguntando: por que o paciente vai ter hemiplegia se a irrigação da região da perna é feita pela ACA? Lembrem-se que os axônios dos motoneurônios superiores se unem na cápsula interna e passam adjacente aos núcleos da base no caminho para a medula, formando o trato corticoespinal. Oclusões proximais acometem a cápsula interna (cuja irrigação se dá pelos ramos lenticuloestriados), portanto a perna também é afetada.

Assim, quanto mais distal ocorre a oclusão, mais “localizados” ficam os déficits: o paciente tende a ter uma fraqueza de predomínio braquiofacial (uma vez que a ACM irriga o córtex motor responsável pela motricidade da face e dos MMSS) associada a algum tipo de afasia, motora (de Broca, anterior) ou sensitiva (de Wernicke, inferior). É por isso que a apresentação mais clássica do AVC é o paciente que fica fraco de um lado do corpo, com a “boca torta” e a “fala embolada”.

Circulação posterior: sistema vertebrobasilar

Os sintomas do AVC pelo acometimento desse sistema são bem diferentes. Como aqui a irrigação será principalmente para região de tronco encefálico, cerebelo e lobos occipitais e temporais, não será tão comum um déficit focal caracterizado por hemiparesia.

Oclusão aguda da basilar, por exemplo, provoca rebaixamento do nível de consciência subitamente, uma vez que seus ramos perfurantes adentram a ponte, onde se localiza a formação reticular e é feito o controle do ciclo sono-vigília. Por isso que paciente que rebaixa agudamente sempre é submetido a um exame de neuroimagem! Caso seja um AVC a causa do rebaixamento e o paciente esteja dentro da janela para tratamento, a trombólise pode mudar completamente a evolução clínica desse doente.

Além disso, o paciente pode apresentar vertigem de início súbito devido ao acometimento do cerebelo e suas conexões vestibulares; ataxia; náuseas e vômitos; etc.

O que é mais clássico que nos faz pensar em acometimento de tronco encefálico são as síndromes alternas: o paciente tem sintomas de nervos cranianos ipsilaterais ao lado da lesão, enquanto que os déficits em membros são contralaterais (já que as fibras ainda não decussaram nas pirâmides bulbares). Vamos ver alguns exemplos:

  • Síndrome de Weber (mesencéfalo): acomete o trato corticoespinal e os núcleos do NC III. Assim, temos hemiparesia contralateral e paresia do olho ipsilateral à lesão;
  • Síndrome de Wallenberg (bulbo lateral): perda de sensibilidade tátil-dolorosa do mesmo lado da face e do lado oposto no corpo, associado a nistagmo e vertigem pelo acometimento dos núcleos vestibulares;

Esses são apenas alguns exemplos para ilustrar a nossa conversa e para entendermos a riqueza do quadro clínico de um paciente que faz um AVC! Mas não se preocupem com os detalhes, não é o nosso objetivo.

E o AVCH?

O local em que ocorre a hemorragia determina os sintomas, de maneira análoga ao AVCI. Contudo, aqui vale a pena destacarmos: como esse tipo de AVC se correlaciona com picos pressóricos, podemos suspeitar que um paciente sangrou quando temos o relato na admissão de que houve cefaleia intensa (em thunderclap ou trovoada: a pior cefaleia da vida) com alteração do nível de consciência.

Esse é o quadro clínico típico da hemorragia subaracnoidea, pois o sangue em contato com as meninges é extremamente irritativo e doloroso. A confirmação só será feita após a realização de uma tomografia de crânio, mas esses dados podem nos ajudar a suspeitar.

Além disso, temos a hemorragia intraparenquimatosa, que pode ser profunda (em topografia de núcleos da base e cápsula interna) ou lobar (mais cortical). A primeira é a tipicamente hipertensiva, devido à ruptura das artérias lenticuloestriadas. A segunda geralmente se correlaciona com causas secundárias (neoplasias, malformações vasculares, angiopatia amiloide…).

Quando muito volumoso, o hematoma leva ao efeito de massa, e por isso esses pacientes são potencialmente mais graves: o hematoma pode crescer a ponto de provocar hipertensão intracraniana, herniação e óbito. Alguns sinais clínicos de que o paciente está piorando são piora do rebaixamento, alterações autonômicas e anisocoria (sugestiva de compressão mesencefálica). Por isso, a avaliação por uma equipe de neurocirurgia é geralmente bem vinda. 

Sobre sintomas do AVC, é isso!

Por hoje é só, pessoal! Sei que quando entramos na área da neuroanatomia a conversa pode ficar um pouco impalatável pois muitas vezes é difícil de lembrarmos aquilo que vimos lá no comecinho da faculdade.

Entretanto, espero que com esse textinho eu tenha conseguido lembrar alguns pontos-chaves para vocês a respeito dos sintomas do AVC. e que com isso tenhamos aberto um pouco mais a nossa mente para o universo do AVC em geral! Qualquer dúvida, sugestão, crítica ou comentário, estamos à disposição, é só colocar aqui embaixo que logo responderemos!

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