Comunicação interventricular: tudo que você precisa saber

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Fala, pessoal! No texto de hoje, vamos discutir três pontos importantes de uma das cardiopatias congênitas mais prevalentes tanto na prática clínica quanto nas provas de residência médica. Tenho certeza de que você já sabe tudo sobre ela, mas é sempre bom revisar, né? Por isso, é hora de conversar sobre a comunicação interventricular

A Comunicação Interventricular (CIV) é a cardiopatia congênita acianótica mais prevalente no Brasil, seguida da comunicação interatrial, e é definida por um defeito no septo interventricular. Essa abertura/orifício permite a passagem do sangue de uma câmara a outra, quando este fluxo não deveria existir.

Sintomas da comunicação interventricular 

A maioria dos pacientes com CIV apresentará manifestações clínicas já no período neonatal. A sintomatologia vai variar de acordo com o tamanho do defeito – desde um sopro isolado detectado incidentalmente em uma consulta de puericultura a uma insuficiência cardíaca grave. 

Os lactentes com CIVs pequenas e restritivas geralmente permanecem assintomáticos, já os que possuem CIV moderada a grande geralmente manifestam sinais de insuficiência cardíaca por volta de três a quatro semanas de idade.

No caso de CIVs pequenas, nos recém-nascidos, o sopro pode ser detectado com 4 a 10 dias de vida, quando a resistência vascular pulmonar (RVP) diminui o suficiente para permitir o shunt da esquerda para a direita. 

É classicamente descrito como um sopro holossistólico de intensidade 2 a 3/6, rude, mais audível na borda esternal esquerda média a inferior. Durante o fechamento espontâneo, o sopro holossistólico pode encurtar, ocorrendo apenas no início da sístole antes de desaparecer completamente. 

Podemos também detectar um frêmito na palpação do 3-4º espaço intercostal esquerdo na borda esternal esquerda. 

Aqui, o eletrocardiograma (ECG) e a radiografia de tórax costumam ser normais.

Já nos bebês que possuem CIVs moderadas a grandes, os sinais e sintomas de insuficiência cardíaca geralmente aparecem na 3-4ª semana de vida, podendo incluir: 

  • taquipneia;
  • dificuldade nas mamadas (desconforto respiratório, sudorese, pausas);
  • déficit pondero-estatural (perímetro cefálico também!);
  • taquicardia; 
  • hepatomegalia;
  • crepitações à ausculta pulmonar;
  • gemidos;
  • uso de musculatura acessória;
  • palidez (devido vasoconstrição periférica).

Essas crianças podem evoluir com um precórdio hiperdinâmico à medida que a RVP cai durante as primeiras semanas de vida e o shunt esquerda-direita aumenta. À medida que o débito do ventrículo esquerdo (VE) aumenta para compensar o shunt, a contração vigorosa do VE é refletida em um impulso apical proeminente. 

Por conta desta pós carga aumentada, cursam com hipertrofia de VE, culminando numa cardiomegalia e no deslocamento do ápice cardíaco para fora da linha médio-clavicular. 

A gravidade dos sintomas aumenta de forma diretamente proporcional ao shunt da esquerda para a direita.

O sopro de defeitos moderados, evidente dentro de dois a três dias após o nascimento, é holossistólico, intensidade 2++/6, e melhor audível no terceiro ou quarto espaço intercostal. 

Nos grandes defeitos, à medida que a pressão ventricular direita se aproxima dos níveis sistêmicos, o sopro pode não estar presente. Se presente, o sopro sistólico é de intensidade 1 a 2++/6, muitas vezes acompanhado por um ronco diastólico, que está relacionado ao aumento do fluxo através da valva mitral. 

O ECG pode demonstrar hipertrofia do VE (HVE) e também de ventrículo direito (VD). Em pacientes com elevações de RVP suficientes para minimizar ou mesmo reverter a direção do shunt, o ECG pode demonstrar evidência de aumento do átrio direito além de sua hipertrofia; HVE não está mais presente.

Pacientes submetidos ao fechamento cirúrgico podem desenvolver bloqueio de ramo direito (completo ou incompleto).

Na radiografia de tórax, a trama pulmonar costuma estar mais evidente (sinal de congestão) e o átrio esquerdo, VE e artéria pulmonar podem estar aumentados. À medida que a RVP aumenta, o aumento do VD torna-se mais proeminente e o VE diminui de tamanho.

Aumento da trama pulmonar com cardiomegalia. Fonte: sociedades.cardiol.com.br 
Comunicação interventricular
Aumento da trama pulmonar com cardiomegalia. Fonte: sociedades.cardiol.com.br

Diagnóstico 

A CIV é confirmada a partir de ecocardiografia bidimensional com Doppler. Embora os cardiologistas pediátricos mais experientes muitas vezes sejam capazes de fazer o diagnóstico clinicamente, a maioria opta por obter um ecocardiograma para confirmar o diagnóstico, identificar a localização do(s) defeito(s) e quaisquer lesões associadas, além de estimar o tamanho do shunt.

O Doppler é inestimável para detectar defeitos musculares menores. Defeitos membranosos podem ser vistos no corte ecocardiográfico paraesternal de eixo longo logo abaixo da valva aórtica.

O cateterismo cardíaco, outrora comumente realizado na avaliação de lactentes com CIV, agora é pouco utilizado. Em algumas situações clínicas, um cateterismo pode ajudar a avaliar a necessidade de fechamento ou planejar o manejo perioperatório (ou seja, medir a resistência vascular pulmonar e avaliar a resposta aos vasodilatadores).

Tratamento da comunicação interventricular 

O tratamento da  CIV depende da presença e gravidade dos sintomas, da probabilidade de fechamento espontâneo do defeito e do risco de complicações a longo prazo, que podem ser evitadas pela intervenção precoce. Esses fatores são ditados principalmente pelo tamanho do defeito e pela magnitude do shunt da esquerda para a direita. 

Existem pacientes que não precisarão de nenhum tipo de intervenção, apenas de seguimento clínico! São as crianças que possuem CIVs diminutas, sem repercussão hemodinâmica. São tipicamente assintomáticos e têm uma expectativa razoável de fechamento espontâneo ou diminuição do tamanho do defeito ao longo do tempo. 

E os pacientes com CIV moderada a grande? Geralmente se tornam sintomáticos nos primeiros meses de vida, à medida que a resistência vascular pulmonar diminui. 

O tratamento conservador pode adiar e às vezes até evitar a necessidade de correção cirúrgica. Os objetivos são aliviar os sintomas de insuficiência cardíaca (terapias medicamentosas, como diuréticos) e normalizar o crescimento (suporte nutricional). 

Medidas para prevenir infecções do trato respiratório também são um componente importante do manejo (quem lembra do palivizumabe agora?).

Os diuréticos são a base da terapia. Embora os inibidores da enzima conversora de angiotensina tenham sido usados ​​no passado, sua eficácia parece ser mínima e eles não são mais usados no dia a dia. Em casos graves, agentes inotrópicos intravenosos podem ser usados ​​(por exemplo, milrinona, dopamina) como medida temporária.

  • Insuficiência congestiva leve (taquipnéia leve ou sudorese durante a alimentação e crescimento adequado) – a furosemida geralmente é suficiente para esses pacientes! A cirurgia é considerada até o final do primeiro ano de vida para pacientes nos quais a necessidade de medicação persiste porque o defeito não foi reduzido ou resolvido adequadamente. 
  • Insuficiência cardíaca moderada (taquipnéia ou sudorese com alimentação e sinais de falha de crescimento) – A terapia diurética mais agressiva é normalmente prescrita neste cenário, usando doses mais altas de furosemida e a possível adição de espironolactona para evitar espoliação do potássio. A ingestão calórica diária é otimizada para 150 kcal/kg. Após atingir os alvos terapêuticos máximos, os pacientes que apresentam pouca ou nenhuma melhora nos sintomas são encaminhados para correção cirúrgica. 
  • Insuficiência cardíaca grave (desconforto respiratório [taquipneia, gemidos, retrações ou sudorese] em repouso e déficit de crescimento) – Requerem reparo cirúrgico precoce (geralmente aos três meses de idade), após estabilização hemodinâmica, na maioria dos casos, em ambiente intra hospitalar.

Gente, é importante também avaliar esses pacientes quanto à evidência de hipertensão pulmonar! Para pacientes com pressão da artéria pulmonar (PAP) estimada <50 por cento da pressão arterial sistêmica, o risco de desenvolver doença vascular hipertensiva pulmonar é baixo. 

Pacientes com PAP ≥50 por cento da pressão arterial sistêmica devem ser encaminhados para fechamento cirúrgico até seis meses de idade e não mais de um ano de idade. 

Existe controvérsia quanto ao manejo ideal de pacientes assintomáticos sem hipertensão pulmonar, mas que têm um grande shunt esquerda-direita persistente com dilatação do VE correspondente. 

O momento ideal de abordagem e até a real necessidade dela permanece incerto. Se surgirem ao longo da evolução sintomas e/ou evidência de hipertensão pulmonar, o paciente deve ser encaminhado para fechamento. 

Para finalizar, é preciso ter em mente que a indicação de tratamento cirúrgico e o tipo de cirurgia diferem de um paciente para outro, sendo decisões bastante individualizadas. 

Fatores a serem considerados: 

  • gravidade da insuficiência cardíaca (refratária a terapia conservadora);
  • probabilidade de progressão da doença vascular hipertensiva pulmonar ou outras complicações;
  • probabilidade de redução no tamanho ou fechamento espontâneo do defeito;
  • morbidade e mortalidade do procedimento em lactentes jovens no centro onde a cirurgia deve ser realizada;
  • probabilidade de fechamento cirúrgico bem-sucedido.

Curtiu saber mais sobre o assunto? 

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Referências

KOBINGER, Maria Elisabeth B.A. et al. Avaliação do sopro cardíaco na infância. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, p. 87-96. jan. 2003.

CAPPELLESSO, Vaniéli Regina; AGUIAR, Aldalice Pinto de. Cardiopatias congênitas em crianças e adolescentes: caracterização clínico-epidemiológica em um hospital infantil de manaus-am. O Mundo da Saúde, [S.L.], v. 41, n. 2, p. 144-153, 30 jun. 2017. Centro Universitario Sao Camilo – Sao Paulo. http://dx.doi.org/10.15343/0104-7809.20174102144153.

Fulton, D., & Saleeb, S. (2019). Isolated ventricular septal defects in infants and children: Anatomy, clinical features, and diagnosis. John K Triedman (Ed.), UpToDate. Acessado em março 11, 2022, por https://www.uptodate.com/contents/isolated-ventricular-septal-defects-in-infants-and-children-anatomy-clinical-features-and-diagnosis?search=interventricular%20communication&source=search_result&selectedTitle=2~150&usage_type=default&display_rank=2

SARA, L; SZARF, G; A TACHIBANA,; SHIOZAKI, Aa; VILLA, Av; OLIVEIRA, Ac; ALBUQUERQUE, As; ROCHITTE, Ce; NOMURA, Ch; AZEVEDO, Cf. II Diretriz de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [S.L.], v. 103, n. 6, p. 9-12, dez. 2014. Sociedade Brasileira de Cardiologia. http://dx.doi.org/10.5935/abc.2014s006

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JuliaCoelho

Julia Coelho

Baiana criada em Aracaju, nasceu em Jacobina em 1996. Formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública no fim de 2018, Residência em Pediatria na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Sua maior vontade é levar tudo o que tem aprendido para o nordeste e contribuir para formação de médicos mais humanos.