Durante muito tempo, a imagem do médico no imaginário social brasileiro era essencialmente masculina: um profissional de jaleco branco, com ar sério, firmeza nas decisões e liderança inquestionável dentro das instituições de saúde. Contudo, esse retrato já não corresponde à realidade atual de distribuição de médicos no Brasil.
Em 2025, pela primeira vez na história do país, as mulheres tornaram-se a maioria em atividade na profissão por aqui. Esse marco, além de simbólico, representa uma virada cultural, profissional e educacional de grande impacto para o presente e o futuro da Medicina brasileira.
Quer entender melhor sobre essa mudança tão transformadora em nosso cenário nacional, e o que a representatividade feminina significa na prática? Continue a leitura para se aprofundar nas estatísticas!
Os dados mais recentes da pesquisa sobre distribuição de médicos no Brasil, conduzida pela Faculdade de Medicina da USP em parceria com o Ministério da Saúde, mostram que as médicas agora são 50,9% da população médica ativa, um número histórico e que reflete mudanças sociais profundas e contínuas.
Essa mudança foi relativamente rápida: em 2010, apenas 41% dos médicos eram mulheres. Em 15 anos, esse número cresceu quase 10 pontos percentuais. E esse crescimento transforma o modo como a Medicina é exercida, com impacto direto nas relações com os pacientes, na liderança das equipes e nas escolhas de especialidades.
O cenário também se reflete nas diferentes regiões do Brasil. Enquanto em estados como São Paulo e Rio de Janeiro a presença feminina já ultrapassa os 53% da força médica, em regiões do Norte e do Centro-Oeste o equilíbrio entre os gêneros ainda está em consolidação, mostrando que a mudança acontece em ritmos variados, mas com a mesma direção: o protagonismo feminino.
A trajetória da mulher na Medicina é marcada por avanços graduais, porém consistentes. Se no passado as mulheres enfrentavam diversas barreiras para ingressar em cursos de Medicina, hoje a realidade é bem diferente. Desde os anos 1990, o acesso feminino ao ensino superior cresceu significativamente, e esse reflexo se tornou evidente nos cursos da área da saúde.
Em 2010, segundo a própria série histórica da Demografia Médica, as mulheres já representavam 53,7% dos matriculados em cursos de Medicina.
Ao longo da última década, essa participação só cresceu. Em 2023, elas eram 61,8% dos estudantes de Medicina. Esse dado revela que a atual maioria feminina no exercício da Medicina é consequência de um processo educacional contínuo, sustentado por décadas.
Outros fatores contribuíram para esse avanço: políticas de incentivo à equidade de gênero, expansão das universidades públicas e privadas, maior valorização das carreiras da saúde por mulheres e, em especial, uma mudança cultural que rompeu com estigmas antigos sobre o papel feminino em profissões tradicionalmente dominadas por homens.
Vale destacar ainda que muitas médicas têm buscado combinar a carreira com outros aspectos da vida, como a maternidade e o empreendedorismo, o que demanda uma reestruturação de horários, formas de contratação e políticas de apoio. Essa necessidade tem impulsionado mudanças em hospitais, clínicas e universidades, que vêm adotando práticas mais flexíveis e inclusivas para reter talentos femininos.
As projeções da Demografia Médica 2025 apontam que o crescimento da presença feminina não deve desacelerar tão cedo. Pelo contrário, se a tendência se mantiver, estima-se que até 2035, 56% dos médicos brasileiros serão mulheres. Em algumas regiões, especialmente no Sudeste e Sul, essa proporção já está mais avançada.
O impacto dessas projeções vai além dos números. A Medicina deverá ser cada vez mais marcada por uma lógica de atuação mais colaborativa, com valorização de habilidades interpessoais como empatia, escuta ativa e comunicação assertiva, competências geralmente associadas às práticas femininas na liderança e na assistência à saúde.
Para completar, o aumento da representatividade feminina pode significar maior presença de mulheres em cargos de gestão hospitalar, coordenação de residências médicas, direção de associações e atuação em políticas públicas de saúde. Essa mudança no perfil de liderança pode influenciar decisões estratégicas sobre o sistema de saúde brasileiro.
Também é possível prever mudanças nos modelos de ensino médico, com abordagens mais interdisciplinares, mais foco na humanização do cuidado e mais espaço para o debate sobre saúde mental, qualidade de vida e equidade de gênero. O futuro da Medicina passa por uma construção coletiva, e as médicas têm sido peças-chave nesse processo.
O domínio feminino nos cursos de Medicina começou a se consolidar na primeira década dos anos 2000. Desde 2010, as mulheres são maioria entre os estudantes matriculados em cursos de graduação em Medicina no Brasil.
A superação da barreira histórica da maioria masculina na Medicina é um reflexo de uma sociedade em transformação. Questões como o empoderamento feminino, a busca por equidade de gênero nas profissões e a valorização das competências femininas nas áreas de cuidado têm desempenhado papel central nesse processo.
Sem dizer que é cada vez mais comum encontrar mulheres ocupando cargos de liderança, coordenando pesquisas e contribuindo para avanços científicos relevantes, o que reforça sua presença estratégica no setor da saúde.
Em 2023, como aponta a Demografia Médica, elas representavam 61,8% dos matriculados. Esse dado demonstra que a mudança no perfil da profissão está diretamente relacionada à formação de base.
As faculdades de Medicina hoje preparam uma geração predominantemente feminina de médicas, que já chegam ao mercado com uma nova visão sobre saúde, trabalho em equipe, e até mesmo sobre a relação com o paciente.
O ambiente acadêmico, vale ressaltar, ultimamente tem mudado. Professores e coordenadores relatam que o comportamento das turmas mudou: maior engajamento em atividades práticas, interesse crescente em temas como saúde da mulher, medicina de família e cuidados paliativos.
Esses sinais indicam que o modelo de cuidado está se transformando, influenciado diretamente por esse novo perfil majoritário. É importante destacar que o aumento da participação feminina também tem impulsionado pesquisas acadêmicas sobre temas historicamente negligenciados, como saúde da mulher, violência obstétrica e equidade de acesso.
Apesar do avanço expressivo das mulheres na Medicina, a distribuição de médicos no Brasil permanece desigual.
Das 55 especialidades médicas regulamentadas no Brasil, as mulheres são maioria em apenas 20 delas. Isso revela que a feminização da Medicina ainda enfrenta barreiras estruturais, especialmente em áreas mais técnicas ou historicamente masculinas.
A Dermatologia é a especialidade com maior percentual de mulheres, com impressionantes 80,6%. Em seguida vêm Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Endocrinologia, Medicina de Família e Comunidade e Clínica Médica. Nessas áreas, a presença feminina chega a ser predominante em muitas regiões do país.
Já especialidades como Ortopedia, Cirurgia Geral, Neurocirurgia, Urologia e Traumatologia apresentam percentuais muito baixos de médicas. Os motivos vão desde fatores culturais e preconceitos institucionais até limitações estruturais, como a ausência de políticas de incentivo à presença feminina nessas áreas.
A ampliação da diversidade de gênero nessas especialidades pode ter efeitos benéficos sobre a qualidade do atendimento.
Equipes mais plurais tendem a apresentar maior empatia, diferentes perspectivas sobre o cuidado e uma comunicação mais inclusiva com pacientes de perfis diversos.
A edição mais recente da Demografia Médica oferece uma visão ampla não apenas sobre o perfil de gênero, mas também sobre a distribuição por especialidades, regiões e tipos de vínculo. Entre os dados revelados, destaca-se o fato de que 59,1% dos médicos atuantes no Brasil são especialistas, número ainda abaixo da média dos países da OCDE (62,9%).
Sete especialidades concentram mais da metade dos médicos especialistas: Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia, Cardiologia e Ortopedia/Traumatologia. Algumas delas têm maior presença feminina, outras são predominantemente masculinas.
Esse recorte mostra que o futuro da brasileira será moldado por uma composição diversa e desafiadora: mais mulheres atuando, uma nova geração de profissionais mais engajada com temas sociais, maior valorização de especialidades voltadas à atenção da Medicina primária e um olhar renovado sobre o papel da Medicina na sociedade.
A expectativa é que essa nova geração contribua para um sistema de saúde mais acessível, resolutivo e equitativo. E, para isso, a equidade de gênero será uma aliada fundamental.
O cenário atual da Medicina brasileira mostra que a presença feminina veio para ficar e crescer. Com maioria nos cursos de graduação desde 2010, avanço contínuo na proporção de profissionais em atividade e projeções otimistas para os próximos anos, as mulheres estão redesenhando o perfil da Medicina no país.
Mais do que números, essa virada representa uma mudança de cultura, valores e prioridades.
Ela traz novos olhares para o cuidado com o paciente, novas vozes para a gestão da saúde e novas lideranças para enfrentar os desafios estruturais do setor, em uma mudança que seguirá sendo constante.
Quer acompanhar mais análises e dados sobre a distribuição de médicos no Brasil e o que esperar da profissão? Acesse o nosso blog e descubra conteúdos exclusivos sobre carreira médica, tendências da profissão e os bastidores da saúde no país.
Foi residente de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) de 2016 a 2018. É um dos cofundadores da Medway e hoje ocupa o cargo de Chief Executive Officer (CEO). Siga no Instagram: @alexandre.remor