DPOC: quem sabe o que procura, encontra!

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Fala, moçadinha! Primeiro de tudo: o quão importante é ter dominado os principais achados na radiologia geral? Com certeza extremamente importante, afinal, temos cada vez mais provas de residência médica que valorizam os candidatos que sabem não apenas dominar os achados básicos dos principais exames de imagem, mas também correlacionar o que veem com o que procuram! Nesse post vamos ver, então, para que serve o raio-X de tórax no paciente portador de DPOC, e também entender os padrões de acometimento mais clássicos!

Preparado? Então bora lá!

O que vou encontrar no raio-X de um paciente com DPOC?

Fonte: Gold COPD

Antes de tudo, o raio-X de tórax de um paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica, ou simplesmente DPOC para os íntimos, geralmente são “normais”, e servem para excluir diagnósticos diferenciais. Porém, os achados clássicos do DPOC incluem: hiperinsuflação pulmonar e alterações broncovasculares! Esses achados separavam classicamente os pacientes em dois subtipos básicos: os com bronquite crônica e aqueles com enfisema pulmonar.

Veja que, entretanto, essa diferenciação é teórica e pouco prática ou reprodutível, afinal os pacientes tendem a ter um pouco dos achados. Vale então saber que essa divisão, entre bronquíticos e enfisematosos, é ultrapassada! Vamos então ver cada um dos achados, e guarde esse raio-X ao lado que é o nosso padrão de normal!

Hiperinsuflação pulmonar

A hiperinsuflação pulmonar acontece devido ao aprisionamento aéreo em pacientes com DPOC. Basicamente, o ar entra facilmente e sai com dificuldade, então vai se acumulando e causando uma “dilatação” excessiva dos pulmões! Veremos isso através de vários achados, como: 

Rebaixamento das cúpulas diafragmáticas: um dos mais sensíveis achados no DPOC, e identificaremos quando houver perda da convexidade habitual das cúpulas diafragmáticas. Veja nesse raio-X como o diafragma está bastante rebaixado, em comparação ao raio-X de tórax normal.

Veja também que o paciente fez uma radiografia lateral de tórax, e podemos ver que as cúpulas diafragmáticas também ficam rebaixadas nessa incidência. Um dado objetivo do rebaixamento das cúpulas diafragmáticas é a medida da distância da cúpula diafragmática a uma linha traçada entre o ângulo esternofrênico e o costofrênico posterior, que será normal quando maior que 2,5 cm (indicando que a cúpula não está baixa), e patológico quando menor que 1,5 cm. Veja a foto abaixo para entender como medir esse ângulo.

Fonte: Radiopaedia

Aumento do espaço retroesternal: outro achado clássico de hiperinsuflação é o do aumento do espaço retroesternal. Normalmente não há espaço de ar entre o coração e o esterno, porém veremos um aumento neste espaço, sendo medido como a distância entre a borda posterior do esterno, ao nível 3 cm abaixo da junção manubrioesternal, até o arco aórtico. Essa distância é alterada quando maior que 2,5 cm.

Número de costelas nos campos pulmonares: quanto mais inflado o pulmão, mais costelas serão identificadas dentro do campo pulmonar. Se vermos mais de 6 costelas anteriores ou mais de 10 costelas posteriores, teremos então definido esse achado indireto de hiperinsuflação. Veja no raio-X ao lado as costelas, em seus segmentos anteriores, identificadas.

Traqueia em “bainha de sabre”: a traqueia em bainha de sabre é um achado patognomônico da DPOC, apesar de pouco cobrado nos concursos. Normalmente, a traqueia tem um diâmetro similar laterolateral (vista coronal, ou o AP/PA do tórax) e anteroposterior (vista sagital, ou o perfil do tórax).

No DPOC, a traqueia obtém um formato diferente, de uma forma que ela fica afilada laterolateralmente e esticada anteroposteriormente, aspecto, segundo dizem, como a bainha de um sabre.

Pra quem não sabe o que é uma bainha de sabre, vejam que a bainha (a estrutura amarela na foto ao lado), tem um diâmetro diferente em suas projeções. Vejam agora a traqueia de um paciente com DPOC, em um raio-X frontal. Olhem como a traqueia ficou espremida laterolateralmente. Abaixo, deixo a vista em perfil, mostrando como seu diâmetro em perfil é bem maior! E aí, parece mesmo uma bainha de sabre?

Alterações broncovasculares

As alterações broncovasculares são inespecíficas, e razoavelmente subjetivas, mas são basicamente: ressalto da trama broncovascular e cardiomegalia.

Ressalto da trama broncovascular: veremos com mais facilidade filamentos de brônquios e bronquíolos, além de vasos que os acompanham, notadamente nas bases pulmonares. Vejam o raio-X ao lado. Notem que vemos opacidades ocupando o espaço intersticial e com aspecto retrátil e bilaterais nas bases pulmonares, predominando na área retrocardíaca. Parece difícil? Bom, deixei a radiografia com as marcações com as setas (famoso sinal da seta) para ajudar, logo abaixo.

Para não parecer invenção de radiologista, veja a correlação tomográfica abaixo. Apesar de que não seja o foco deste post os achados tomográficos, percebam como há um aumento da trama broncovascular, um achado que causa opacidades intersticiais, mas também há alguma opacidades alveolares de permeio.

Fonte: UpToDate

Cardiomegalia: um achado popularmente ensinado nos cursos de medicina, então vamos relembrar: o índice cardiotorácico é usado para definição diagnóstica. Ele é a razão (conta de dividir) do diâmetro da silhueta cardíaca sobre o diâmetro da cavidade torácica, tornando de forma gráfica: índice cardiotorácico = diâmetro da silhueta cardíaca/diâmetro da cavidade torácica. Ele estará aumentado, ou seja, indicando que o coração “é grande” para o tórax quando essa relação é maior que 0,5.

Vejam o raio-X seguinte. Para medirmos, pegaremos a distância da silhueta cardíaca de cada lado, e teremos então a medida do diâmetro do coração. No caso em tela, temos no total 150 mm de silhueta cardíaca.

Vejam agora que medimos o diâmetro da cavidade torácica, e neste caso mediu-se 250 mm. 

Pronto, temos então: índice = 150/250= 0,6.

Portanto, dado o diagnóstico de cardiomegalia.

É isso aí, galerinha! Apesar de não serem fundamentais para o diagnóstico, é fundamental que você, quando veja esses achados em um paciente com DPOC, perceba as alterações como parte do caso clínico, e não como complicações adicionais!

Diagnósticos diferenciais do DPOC

Os diagnósticos diferenciais de pacientes com meia idade e tosse produtiva é bem amplo. Inclui problemas cardíacos, torácicos, gastrointestinais, enfim, mas vamos ver alguns padrões mais clássicos!

Síndrome de overlap asma/DPOC

Quando pegamos um paciente com asma e que fumou durante muito tempo, separar uma doença da outra pode ser desafiador, afinal os diferentes métodos complementares de diagnóstico podem ser inconclusivos, principalmente os de imagem.

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Bronquiectasia

A bronquiectasia se parece bastante com a DPOC em termos clínicos, com síndrome de obstrução do ar e exacerbações periódicas por aumento de esputo. O exame radiológico é conclusivo no diagnóstico, onde veremos dilatação brônquica e espessamento da sua parede. Vejam no raio-X abaixo, que mostra paredes brônquicas dilatadas e engrossadas (seta) no lobo superior direito. Outros achados incluem: atelectasia laminar e sinal da linha de trem (que é o aspecto de um brônquio dilatado ao lado de um vaso).

Fonte: UpToDate

Insuficiência cardíaca (IC)

A IC também é uma doença similar em sintomas clínicos com a DPOC. O excesso de fluidos faz com que haja retenção dos fluidos no espaço intersticial pulmonar, causando dispneia e tosse. Os achados radiográficos fundamentais da IC são a cardiomegalia e o edema pulmonar. Já falamos sobre a cardiomegalia. Vamos então ver os achados do edema pulmonar! 

O raio-X ao lado é de um paciente com dispneia grave e tem história de infarto miocárdico. Além da evidente cardiomegalia, observem que vemos mais facilmente a vasculatura pulmonar cefálica, um dos achados da retenção de fluidos. Vemos também opacificação importante dos hilos pulmonares, sinal do “morcego”, que um dos principais diferenciais é falha de bomba (IC)! Um mnemônico legal para lembrar os achados na IC é o ABCDE!

A: edema alveolar

B: linhas B de Kerley (linhas opacificadas horizontais na periferia dos campos pulmonares)

C: cardiomegalia

D: dilatação dos vasos cefálicos

E: efusão pleural

Fonte: UpToDate

Tuberculose

A tuberculose merece, por si só, um capítulo inteiro dedicado a ela. Há inúmeros achados, tanto isolados quanto associados, que são usados no diagnóstico radiológico da tuberculose. Porém, em termos práticos, a identificação de uma cavitação é o que norteia o diagnóstico da tuberculose latente. Veja o raio-X ao lado, que mostra, no lobo superior direito, a cavitação.

Ufa! É isso!

Moçadinha, depois disso tudo, nada melhor que pegar algumas radiografias dos pacientes do ambulatório de tosse/DPOC e explorar suas habilidades em destrinchar os principais achados do raio-X, antes do radiologista ou pneumologista darem o “spoiler” do laudo!

Lembrem-se:

  • Diagnóstico de DPOC é clínico, e o raio-X serve apenas para isolar demais suspeitas quando a história e espirometria não são suficientes.
  • O raio-X de tórax no paciente com DPOC mais comumente será normal!
  • Se não normal, os principais achados da DPOC são a hiperinsuflação pulmonar e a bronquite.

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Valeu, galerinha! Até a próxima e PRA CIMA!

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MarceloLiberato

Marcelo Liberato

Soteropolitano com orgulho, nascido na geração Z, mas culturalmente Millennial. Formado pela Escola Bahiana de Medicina em 2019, em 2020 serviu à Marinha do Brasil, e em 2021 iniciou a residência de Radiologia no Hospital das Clínicas da FMUSP. Acredita que tudo tem seu tempo e, se você não conseguiu o que quer, é porque ainda não foi a hora disso acontecer.